segunda-feira, abril 29, 2024
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A Civilização Catastrófica

por José Martins, da redação.

O que vem antes, o ovo ou a galinha?  Para todos os cidadãos e quase todos economistas do mundo o Coronavirus vem antes da crise econômica que se aprofunda em todo o mundo. O Coronavirus seria o determinante da crise econômica. Dito de maneira mais popular, o Coronavirus é o culpado pela crise econômica global. Sem o misterioso vírus não haveria a atual crise econômica.

A sociedade do espetáculo a todo vapor: a imagem da crise econômica global como mera interrupção causada pelo disjuntor de inoportuno e obscuro vírus global. Um raio no céu azul da infalível mão invisível do capital e seus virtuosos capitalistas. Acidente de percurso na civilização das mercadorias e de seus ilustrados consumidores.

Os diretores do espetáculo e seus economistas projetam também a imagem consoladora que quando terminar a pandemia da gripe a crise econômica também terminará. A economia voltará a crescer. O emprego também, para a felicidade geral de todos os ansiosos espectadores.

Entretanto, para algumas poucas pessoas que ainda cultuam o saudável hábito de duvidar sempre e pensar com sua própria cabeça – o grandioso espetáculo do Coronavirus não é nada mais que a primeira e significativa manifestação política e social da crise catastrófica do capital que ora pede passagem em todos os cantos do globo terrestre. Essa desconstrução do espetáculo é muito importante, como se verá mais abaixo.

Nos últimos cem anos foram encenados espetáculos quase tão grandiosos quanto o Coronavírus. Talvez o mais paradigmático tenha sido o incêndio do Reichstag (Berlim,1933). O mais duradouro, entretanto, a Guerra Fria EUA X União Soviética. Mais recentemente, a Al Qaeda de Ossama Bin Laden e o mais do que espetacular ataque às torres gêmeas de Nova York (11 setembro 2001). Mais recentemente ainda, novas cepas do Al Qaeda, como o Estado Islâmico e outras organizações terroristas devidamente produzidas e distribuídas pelos estúdios de Washington e Telavive.

São apenas alguns exemplos de alguns espetáculo que vêm à memoria. Mas vale a pena relembrar outro muito importante: o famoso sequestro e assassinato de Aldo Moro, primeiro ministro da Itália, em 1978, pelas chamadas Brigadas Vermelhas. A encenação deste espetáculo foi devidamente analisada por Guy Debord, em carta a Gérard Lebovici, 7 fevereiro 1979.

Para cada época e novas circunstâncias de crise, novos espetáculos de crescentes magnitudes. Quanto maior a crise mais elaborados os espetáculos. Nesta progressão histórica, já se pode afirmar com certa segurança que o espetáculo Coronavirus se apresenta como uma produção muito mais avassaladora do que todas as outras anteriores.

Muito mais aterrorizante no seu ensaio geral de separação e controle policial totalitário da população mundial. Muito mais eficiente organização de repressão e imobilização da luta de classes do que todos aqueles outros grandes espetáculos da ordem capitalista nos últimos 100 anos.

Dialeticamente, portanto, o Coronavirus é não só uma expressão política e social da crise, que viria depois da crise, mas é também um preciso (e precioso) indicador antecedente da magnitude do período de crise cíclica que se abre.

O que os capitalistas sabem do que vem pela frente que a grande massa trabalhadora mundial ainda não sabe? Exatamente que a tão aguardada crise catastrófica já começou. Na bolsas e mercados do mundo tudo se pulveriza, o valor do capital desaparece. E os capitalistas agem.

Agem para que o Estado comece a mudar de pele e que a democracia se reforce, que se reestruture em bases militarmente adequadas para o encarniçado embate da luta de classes que se desdobrará doravante no interior de todas as nações do mundo. E na guerra mundiais que necessariamente ocorrerão entre essas nações.

O espetáculo do Coronavírus é, portanto, um dos muitos instrumentos que estão sendo criados pelo Estado capital para o controle social generalizado, em escala global. O espetáculos sempre serão de guerra e nesta guerra os governos nacionais se apresentam para “defender a sociedade deste inimigo invisível”.

Nos períodos de crise econômica geral o tempo desaparece junto com o valor. O espetáculo do Coronavirus se interpenetra com o movimento real. Ovo e galinha juntos e ao mesmo tempo. O que resta é que nesta contraditória comunhão a economia global derrete descontroladamente.  Pouco relevante, portanto, a burlesca discussão de quem veio primeiro, quem veio depois.

O que aparece com a desconstrução do espetáculo é a realidade dura e crua: a pandemia econômica global se sobrepondo progressivamente à pandemia do espetáculo. E anunciando a cada burguesia nacional que a sua incapacidade de retomar a sua acumulação doméstica e garantir o emprego dos trabalhadores terá consequências políticas seríssimas.

O mais importante deste enredo do Coronavírus é, portanto, um claro sinal de enfraquecimento do Estado. Um dos muitos sinais.

Acontece que a substituição da violência potencial do Estado pela violência cinética que ele representa – quer dizer, aproximação da guerra civil e aumento da repressão aberta – sempre foi, historicamente, demonstração de enfraquecimento da capacidade de repressão dos capitalistas sobre os trabalhadores no interior das rígidas fronteiras nacionais.

Não basta ao soberano – como já advertia sabiamente o “grande imperador” – sentar-se sobre as pontas das baionetas. Neste sentido, o espetáculo do Coronavirus anuncia ricas possibilidades de transformações revolucionárias embutidas na crise catastrófica do capital: ingovernabilidade e enfraquecimento da capacidade de repressão doméstica dos capitalistas.

As diferentes burguesias nacionais estarão doravante cada vez mais isoladas em suas intransponíveis e sagradas fronteiras nacionais. Só o capital é mundial. Não existe burguesia mundial, e muito menos governança global.

Isso só aparenta ser possível – como na ilusória União Europeia – em momentos de expansões cíclicas e de expansão da globalização produtiva. Com a chegada da crise geral (catastrófica) essa ilusão de governança global se dissipa como por milagre da natureza.

É o que se passa neste brilhante primeiro trimestre de 2020. O movimento material se acelera velozmente na crosta terrestre. Assim, aquele cenário marcado por uma “súbita derrocada financeira e comercial mundial nos próximos três meses”, que na última avaliação da Crítica da Economia (setembro 2019) era apenas um cenário provável, agora passa a ser o mais provável. Quer dizer, já deixou até de ser cenário. Já está acontecendo de fato.

Cem anos depois da derrota da revolução proletária na Alemanha e do assassinato de Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht pelo governo da social democracia alemã (República de Weimar), a velha toupeira da revolução emerge na superfície do globo anunciando grandes possibilidades de libertação da espécie humana: eu fui, eu sou, eu serei!

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