sábado, abril 27, 2024
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Tem alguma coisa errada com a economia brasileira

As projeções mais recentes da Organização para o Comércio e o Desenvolvimento (OCDE) para o Produto Interno Bruto (PIB) global são bastante generosas para os capitalistas. Veja abaixo tabela do PIB real global. Se depender dos técnicos da OCDE a economia mundial vai surfar em altas ondas nos próximos anos. Afinal, um crescimento acima de 3,6% nos próximos anos é para ninguém que deseja longa vida para o capital botar defeito.

São projeções tipicamente burocráticas. Uma inexplicada e monótona repetição da mesma taxa global durante quatro anos. É como se o capital fosse uma máquina que os técnicos da OCDE colocam no piloto automático e pronto, o eterno presente plainando em céu de brigadeiro.

Pode-se assim especular impunemente sobre o crescimento esperado para cada uma das grandes economias dentro deste burocrático quadro de projeções. Revela-se, então, que o crescimento não se reparte de maneira igual entre todas as economias. Existem as amaldiçoadas do sistema. Brasil e Rússia, por exemplo. Observemos o que se reserva para a primeira, mais próxima para a maioria dos nossos leitores.

Ao contrário do crescimento da economia mundial a OCDE está mais pessimista com o Brasil do que os economistas nacionais. Veja o resultado do ano passado. O IBGE já divulgou a estimativa fechada em 1% e a OCDE ainda continuava com 0,7%. Para 2018 a média do Banco Central do Brasil (boletim Focus) é de 2,87% e a OCDE fala em 1,9%.

A diferença é grande. O problema aqui, para o governo e seus capitalistas, é que as temíveis agências de classificação de risco confiam mais nas projeções da OCDE, FMI, Banco Mundial e outras instituições imperialistas. Vejamos mais de perto alguns problemas da economia brasileira difíceis de serem superados.

É claro que haverá algum crescimento esse ano, como é apontado na tabela acima. Afinal, se forem confirmadas as projeções da OCDE para a economia mundial não há nenhuma razão para que isso não aconteça.

Mas o problema não é a taxa do crescimento tomada isoladamente, mas o altíssimo grau de ociosidade da economia. Muitos economistas argumentam que, diante de um nível de utilização da capacidade tão baixo, seria mais fácil haver recuperação porque não haveria necessidade de investimentos novos, quer dizer, ampliação da capacidade instalada.

Visão vulgar de quem acredita que não há nenhuma diferença entre crescimento do produto (sem acumulação) e crescimento com acumulação de capital. Como se a produção capitalista tivesse como objetivo produzir apenas “massas de mercadorias” ou “bens”, na linguagem dos liberais neoclássicos e dos burocratas keynesianos, neomarxistas, etc.

É por isso que essa gente não enxerga muito bem por que desta vez temos uma crise diferente das que sempre ocorreram nos últimos setenta anos no Brasil. Como essa confraria da economia vulgar poderia explicar a razão da abrupta queda da taxa geral de lucro da economia? Como não dispõem de instrumentos teóricos adequados para isso, os mais afoitos preferem culpar a política anticíclica de Guido Mantega. Mas essa era rigorosamente a única que poderia se contrapor a essa forte queda da pressão arterial do capital.

O problema de Mantega, como já analisamos em inúmeros boletins anteriores, é que uma coisa é aplicar política anticíclica em economias dominantes, outra em economias dominadas. Com o agravante de que a natureza da queda da taxa geral de lucro na economia brasileira assume uma forma muito diferente do que ocorria nas outras crises do período pós-guerra.

Uma crise absolutamente endógena acompanhada de queda também abrupta da competitividade industrial nacional no comércio internacional. Crise endógena, em primeiro lugar, encavalada, em segundo lugar, com fortes sintomas de enfraquecimento dos ventos da globalização na periferia dominada do sistema. A globalização faz uma meia volta para o interior das economias dominantes (EUA, EU e Japão). China, México, Brasil, Rússia, ficam com a brocha na mão.

É por essa natureza particular da queda da taxa de lucro que a atual crise de valorização do capital no Brasil vem acompanhada, também, de inédito processo deflacionário. Coisa absolutamente nova na economia brasileira do pós guerra.

Pela primeira vez uma crise econômica no Brasil se apresenta como uma estagdeflação. Não estagflação, como nas outras crises. E nem como crise cambial, que era também uma característica marcante das crises anteriores com o setor externo, mas crise da globalização do capital.

A Crítica da Economia foi a primeira a diagnosticar e antecipar a forte deflação atual do IPCA, que fechou o ano de 2017 abaixo do piso da meta inflacionaria do Banco Central.

Os economistas ficam embasbacados com esse fenômeno deflacionário. É natural para quem não sabe como os preços se formam e, consequentemente, por que eles variam. E se defrontam com o insolúvel mistério do Banco Central não estar conseguindo interromper a queda da taxa básica de juros (Selic).

E esse indecente governo aproveita o novo fenômeno para comemorar essa deflação e essa queda da taxa básica de juros como uma vitória da sua política monetária e fiscal, quando essa queda demonstra exatamente o fracasso e, principalmente a impotência dessa política dos tontos.

Estoura outro problema sério: a natureza particular da atual queda da taxa de lucro na economia brasileira aumentou descontroladamente o endividamento das empresas privadas. A elevação geométrica da alavancagem financeira deixou a expansão da economia privada em banho-maria, ou num ritmo de quase estagnação. Lembre-se que média histórica de crescimento do PIB brasileiro, de 1990 até agora, foi de 2,5% ao ano.

O que se verifica é que a queda dos preços e da taxa básica de juros, comemorada demagogicamente pelo governo e por sua mídia corrupta, não tem nenhum efeito na retomada dos investimentos. A estagdeflação derrubou a Utilização da Capacidade Instalada da Indústria e a taxa de investimento em relação ao PIB. Assim, o nível de desemprego da força de trabalho também continuará inabalável nos elevados níveis atuais se essa necessária retomada sincronizada dos investimentos e da reprodução ampliada não se efetivar.

Em resumo: o problema que deve ser avaliado neste momento para a elevação do nível de atividade e redução do não menos fantástico desemprego da força de trabalho na economia brasileira é mensurar o tamanho da recuperação da massa de lucros capaz de valorizar a imensa capacidade instalada ociosa.

Sem forte retomada dos lucros nunca ocorrerá recuperação e ampliação da capacidade instalada. Com um problema adicional: a recuperação da massa de lucros tem que dar conta de ajustar os balanços financeiros das empresas.

Aparece então um elemento novo na crise da economia brasileira: ao invés de crise da dívida do setor público, como nas crises anteriores, uma crise da dívida do setor privado. Esse é outro indicador do caráter endógeno da crise atual.

Voltaremos a esse assunto quando tivermos disponível a síntese dos balanços das empresas privadas do 4º trimestre de 2017, realizado pela empresa de consultoria Economatica. Então, poderemos avançar, na análise da queda dos lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização – sigla Ebdiba, em inglês, para earnings before interest, taxes, depreciation and amortization. E assim verificar melhor o impacto e a relação da profunda queda do Ebdiba desde o último choque global com o tenso endividamento das empresas privadas.

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