A vida dos governos dos outrora florescentes BRICS não está nada fácil. Seja na China, na Índia ou no Brasil, aumenta a pressão imperialista sobre a política econômica dos seus governos. Vejam o caso brasileiro. Há pelo menos dezoito meses, grandes porta-vozes imperialistas na grande mídia econômica internacional (The Economist, Financial Times, WSJ…) e seus reprodutores internos (Globo, Folha, Veja, Estadão…) pedem explicitamente a cabeça de Guido Mantega, ministro da Economia.
Essas pressões não são totalmente justas. Afinal, alguma vez o solícito ministro ora em desgraça descuidou dos escusos interesses das empresas globais, do agronegócio e do capital financeiro imperialista em geral? É verdade que ele cometeu algumas barbeiragens. Mas involuntariamente. Nunca consciente de que aquelas barbeiragens iriam desagradar seus patrões.
ERROS E OMISSÕES – Já observamos em nosso boletim “O pibinho é nosso”, de um ano atrás, que o grande erro do ministro foi acreditar na propaganda dos próprios ideólogos do imperialismo que os BRICS eram coisa séria. Que a economia brasileira também seria coisa séria – uma economia com moeda forte (conversível); sistema financeiro privado nacional; capacidade cientifica e tecnológica para produzir pelo menos um minúsculo satélite meteorológico; produção agrícola e industrial de economia desenvolvida; salários suficientes para a reprodução física da população; e tantas outras qualidades de uma economia com alta produtividade, capacidade competitiva e outros atributos.
Passou então a fazer políticas anticíclicas de gente grande em plena selva amazônica – rebaixamento da taxa básica de juros; desvalorização cambial competitiva; expansão da demanda interna via relaxamento quantitativo dos meios de pagamento e de crédito; desonerações de impostos para inúmeros setores; e outras tantas heresias ao figurino do FMI. Perdeu a confiança da parasitalha imperialista. Quase caiu do cavalo. Mesmo com as melhores intenções errou e cometeu barbeiragens; agora, ele sente que o caminho do inferno realmente é pavimentado das melhores intenções e, até mesmo, de magnificas virtudes. Embora com fogo mais baixo, doze meses depois, a fritura continua. Bastou a publicação, nesta semana, de uma reles desaceleração (- 0.5%) do Produto Interno Bruto (PIB) no 3º trimestre sobre o trimestre anterior, para que os sacatrapas nacionais do capital financeiro global caíssem novamente de pau no ministro e na sua política econômica “estatizante”.
E põem sua banda do exército da salvação liberal a tocar estridentemente nas telinhas e redes sociais deste triste quintal do imperialismo: “O longo inferno astral da equipe econômica, momentaneamente amenizado pelo PIB do segundo trimestre, voltou a se confirmar hoje com o resultado do PIB do terceiro trimestre, que veio ainda um pouco pior do que a média das expectativas… A divulgação de hoje deve representar mais uma grande dor de cabeça para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seus auxiliares… Para o consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, há um problema fundamental de estagnação da produtividade, que faz com que a economia cresça pouco em função da queda do seu potencial. Isto, por sua vez, mantém a inflação pressionada mesmo com os pífios resultados do PIB, no pior dos cenários para as autoridades econômicas, que já não parece muito exagero classificar como estagflação.” Fernando Dantas – “PIB acentua inferno astral da economia” – in O Estado de São Paulo, 03/12/13
Puro alarmismo. Afinal, a situação real da economia não está tão ruim como proclamam nossos liberal-imperialistas com invenções como essa de estagflação, e outras bobagens. A economia já esteve bem pior em 2011 e 2012, seja em termos produtivos, seja inflacionário. Agora está em situação melhor que doze ou dezoito meses atrás. Isso não se deve, diga-se de passagem, a qualquer virtude do ministro da Economia, mas porque a economia nacional se mantém à tona puxada pela expansão cíclica global, principalmente nos EUA. E assim deve se manter pelos próximos doze meses, pelo menos.
ACUMULAÇÃO DOS TOLOS – A própria pressão inflacionária de alguns meses atrás está razoavelmente controlada e agora começa a mostrar tendência à baixa. Não há nenhuma evidência plausível para se afirmar que ela voltará a subir proximamente. É claro que isso depende de o agora amedrontado ministro da Economia continuar sua restaurada política de elevação das taxas de juros e de cortes das despesas públicas, exatamente o que querem e o que acalma os parasitas do sistema. Não pode repetir aquelas barbeiragens fatais. Os sacatrapas não afrouxam a vigilância.
Na dimensão produtiva, se a comparação se faz em um horizonte mais amplo, não em uma episódica variação trimestral isolada, como essa mais recente, o que aparece – ao contrário do que afirma o liberal Schwartsman – é uma clara recuperação das fortes desacelerações da produção industrial e do Produto em 2011/20012. Do mesmo modo que as previsões alarmistas da inflação de curto-prazo, também serão desmentidas as previsões de queda da produção (e do PIB) nos próximos trimestres.
Compare-se a situação atual com a dos últimos doze meses. Verificando-se mais de perto o relatório do IBGE que publica essas contas, se o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou queda de 0,5% na comparação do 3º trimestre de 2013 contra o 2º trimestre do ano, na comparação com igual período de 2012, houve, ao contrário, expansão do PIB de 2,2%. No acumulado dos quatro trimestres terminados no 3º trimestre de 2013, o PIB registrou crescimento de 2,3% em relação aos quatro trimestres imediatamente anteriores. Já no resultado acumulado do ano até o mês de setembro, o PIB apresentou aumento de 2,4% em relação a igual período de 2012.
Outra variável altamente estratégica: a chamada “taxa de investimento” da contabilidade macroeconômica, quer dizer, a Formação Bruta do Capital Fixo (FBCF). Segundo o relatório, essa taxa de investimento no terceiro trimestre de 2013 foi de 19,1% do PIB, superior à taxa referente a igual período do ano anterior (18,7%). Esse aumento foi influenciado, principalmente, pelo crescimento, em volume, da FBCF no trimestre. Note-se também a evolução desta variável nos últimos dez anos: desde o 3º trimestre de 2003, quando a FBCF alcançou seu ponto mais baixo (15.2% do PIB), o ponto mais elevado foi alcançado no 3º trim. de 2008 (20.6%) – auge da expansão cíclica do capital global – voltando a cair depois da crise parcial global 2008/2009 para seu ponto mais baixo no 3º trim. 2012 (18.7%). A marca de 19.1% do 3º trim. 2013 representa, portanto, importante interrupção da queda iniciada em 2011/2012.
O aumento da taxa de investimento macroeconômico se manifesta também com o saldo líquido de entrada do Investimento Estrangeiro Direto que, apesar de todas as turbulências cambiais dos últimos doze meses, mantiveram-se no 3º Trim. 2013 em nível relativamente elevado (R$ 31.4 bilhões), apesar da queda estatística frente aos R$ 36.2 bilhões registrados no 3º Trim. 2012. Estes números se opõem também àquelas ideias de que o capital das empresas globais estaria se afastando velozmente da economia.
MÁQUINAS E AUTOMÓVEIS – A expansão dos investimentos produtivos de mais-valia (lucro) também é documentada pelos dados publicados em outro relatório IBGE da Produção Industrial. O que se destaca é a fortíssima expansão da produção de Bens de Capital no período recente. Verifica-se que o setor de bens de capital, ao crescer 18,8% em outubro de 2013, mostrou o décimo resultado positivo consecutivo na comparação com igual mês do ano anterior.
Considere-se a influência da baixa base de comparação, já que esse segmento recuou 5,1% em outubro de 2012. Na formação do índice desse mês, o setor foi influenciado pelo crescimento em todos os seus grupamentos, com claro destaque para o avanço de 15,1% assinalado por bens de capital para equipamentos de transporte, impulsionado em grande parte pela maior fabricação dos itens caminhão-trator para reboques e semirreboques, caminhões, aviões e reboques e semirreboques. Os demais resultados positivos foram registrados por bens de capital para fins industriais (20,4%), para construção (58,5%), para uso misto (7,8%), agrícola (21,0%) e para energia elétrica (6,7%).
Os 15,1 % dos bens de capitais para equipamentos de transporte reflete a incrível expansão da indústria automobilística neste ano. Nunca se produziu tanto automóvel, caminhão, colheitadeiras, etc., como neste ano. A revista AutomotiveBusiness, que analisa boletim da Anfavea desta semana, confirma essa produção recorde de veículos no país entre janeiro e novembro de 2013. Foram fabricados 3,5 milhões de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, com evolução de 11,8% sobre igual intervalo de 2012. “Não é só um recorde na comparação com o mesmo período de anos anteriores. A verdade é que em 11 meses já superamos o melhor ano de produção, ressalta o presidente da Anfavea, ao comparar o recorde histórico anterior alcançado em 2011”.
DOMINANTES E DOMINADOS – Quem pode botar defeito em tanto crescimento da produção de mercadorias e de lucro? Trata-se, portanto, de uma grande mistificação do processo negar essa expansão cíclica para se se afirmar abstratamente – repetindo-se impunemente inócuos modelinhos dos manuais de micro e de macro economia – que esteja ocorrendo somente agora, como uma grande novidade conjuntural, uma “estagnação da produtividade” na economia.
Reencontramos aqui aquelas mesmas fragilidades teóricas (com enormes consequências práticas) que povoam a cabeça do ministro da Economia, observadas no início deste boletim.
Também para a banda do exército da salvação liberal, a economia brasileira funciona com as mesmas bases materiais das economias dominantes. É uma economia desenvolvida. A única e pequeníssima exceção é a ação da política econômica, em particular, e do Estado, em geral. Para eles, basta uma decidida austeridade fiscal, desregulamentação dos mercados e mais uma generosa abertura externa e pronto, a produtividade brasileira subirá a alturas nunca dantes imaginadas.
Trocando em miúdos: o que é bom para os Estados Unidos e demais Estados imperialistas é bom para o Brasil, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. Essa é a matriz ideológica (e violentamente prática) dos economistas do imperialismo.
Apenas uma breve nota a guisa de conclusão deste boletim: é claro que a produtividade sistêmica da economia brasileira é visivelmente baixa relativamente à das economias dominantes do mercado mundial, EUA, Alemanha e Japão puxando a fila. Não precisa muito esforço para se enxergar. Mas ninguém vai encontrar a explicação para essa desigualdade nas ilusões propagandeadas nos manuais da economia vulgar. Na realidade do mercado capitalista, a produtividade (e a competitividade) das economias dominantes é elevada por que nelas a valorização do capital se organiza na forma predominante de mais-valia relativa. Produção e produtividade caminham alinhadas. No Brasil – do mesmíssimo modo que na China, Índia, e outros sacatrapas do sistema – a produtividade e a competitividade são baixas porque aqui a valorização do capital se organiza na forma predominante de mais-valia absoluta. É por isso que nesses países a produção pode ser muito alta ou muito baixa, mas a produtividade sempre será baixa. Pode-se aumentar o quanto quiser a produção e o produto das economias dominadas, mas isso não mexerá um milímetro da inabalável rigidez da sua miserável produtividade. Na férrea ordem do desenvolvimento desigual e combinado do capital global as economias dominantes e as economias dominadas têm funções bastante diferentes. Funções que jamais serão alteradas com meras reformas do mercado; de ações de políticas econômicas mais ou menos liberalizantes ou protecionistas; ou, finalmente, de reformas da superestrutura política do Estado.