Menos de três semanas antes da execução da companheira Marielle Franco pelas forças armadas nacionais, publicamos nosso boletim Alô Alô Jacarezinho, Realengo e adjacências: remember Marikana. Foi para revelar como os exércitos nacionais da periferia do sistema imperialista foram transformados nas últimas décadas em meras polícias militares para massacrar trabalhadores indefesos. Ilustramos esse processo com as realidades brasileira e sul-africana.
A execução de Marielle confirma tragicamente essas metamorfose dos aparatos repressivos tradicionais no processo de administração da luta de classes nas economias dominadas do sistema global.
Confirma também outro processo organicamente ligado, que analisamos em um boletim mais ou menos longínquo, 3ª semana de junho de 2013. No boletim O que vem pela frente observamos que depois das grandes jornadas de junho de 2013 “a política brasileira serpenteará em direção a extremos também totalmente imprevisíveis, criando um quadro de insustentável governabilidade burguesa e imperialista. A política das ruas deve substituir a política tradicional.”
Em 2013, o Estado armado com suas forças de segurança e milícias paramilitares já começava a se deslocar dos quarteis para ocupar as cidades e ruas de maneira mais massiva. Reforçava o confronto direto com a classe trabalhadora, ameaçada de morte pela violência econômica do capital e da renda fundiária.
A maior de todas as violências é a econômica (Marx). A violência política vem em seguida. A inevitável insurgência das massas ameaça a reprodução do capital e da propriedade privada.
Com o agravamentos das crises econômicas a guerra civil espreita mais ameaçadora nas esquinas das grandes cidades. A democracia armada cresce. O Estado movimenta-se com mais ousadia e responde à ameaça das massas: a violência política burguesa deixa de ser potencial para se manifestar cineticamente.
As classes dominantes não se intimidaram com as manifestações de repúdio popular de 2013. Aumentaram ainda mais a exploração dos trabalhadores. E a miséria mais ainda. O governo Temer/Meirelles aprofunda a austeridade econômica iniciada no governo Dilma/Levy. A situação material nos bairros operários, morros e favelas torna-se cada vez mais insuportável para as populações já tradicionalmente empobrecidas e perseguidas pelas forças policiais.
Depois de Dilma e Temer o desemprego, arrocho salarial e miséria se alastra como rastilho de pólvora pelo território nacional. A ingovernabilidade do Estado aumenta. É nesta situação de crise econômica e de metamorfose política que o regime democrático se adapta e aprofunda mais que proporcionalmente a repressão armada sobre os trabalhadores. A democracia usa todas suas armas em grande parte estocadas nos quarteis até agora.
A economia não cresce. A democracia das eleições fajutas e das representações fetiches perde força. E procura sobreviver fazendo o controle armado das cidades e ruas da revolução. Nos últimos trinta dias, as ações militares do governo brasileiro ilustraram de forma altamente didática esse clássico processo de substituição da política de paz tradicional pela política de guerra nas ruas.
A cidade do Rio de Janeiro de genética inviabilidade econômica aparece como o elo nacional mais fraco desta metamorfose política nacional. A ocupação mais profunda das ruas da antiga “cidade maravilhosa” pelo glorioso exército nacional ocorre como medida extrema do Estado para garantir bolsões de segurança para a moradia e mobilidade urbana das famílias burguesas e rentistas. Logística de guerra.
Paz na Gávea protegida da guerra na Rocinha. Mas também paz nos mercados. Na continuidade dos negócios capitalistas. Principalmente a desobstrução das vias de transporte e de circulação de mercadorias. Mais importante ainda: garantir a segurança dos estratégicos meios de comunicação. A Rede Globo será a Bastilha da revolução no Rio de Janeiro.
Claudicantes mercados e negócios capitalistas. Como salvá-los? As classes dominantes só tem uma única receita. A mesma aplicada por Dilma e agora aprofundada por Temer. E que será aprofundada mais ainda pelo irrelevante próximo presidente da República, seu burlescos parlamento e seus decorativos supremos tribunais.
Mas a economia real não responderá. É nesta situação da base material que o aprofundamento da austeridade econômica e do crescimento exponencial da miséria popular acelerará ainda mais a ingovernabilidade do Estado democrático.
Abrimos nosso boletim Estação Jacarezinho-Marikana – transcrito integralmente em nosso boletim do mês passa acima citado – relatando cenas realisticamente fantásticas deste frágil Estado da periferia: “A economia dá muitas voltas. E se liga em coisas inacreditáveis. Como, nesta semana, a surpreendente declaração dos militares brasileiros de que seus armamentos não são suficientes nem para meia hora de guerra. Que maravilha! O exército da “quinta economia do mundo” vem a público e declara solenemente que o Estado brasileiro é uma piada”.
Os generais se referiam a meia hora de guerra externa, contra outros países. Agora, com a atual e completa ocupação da cidade do Rio de Janeiro eles se dão conta que precisam de muito mais recursos financeiros para cumprir as ações desta nova campanha de guerra interna. Recursos que Meirelles (ministro da Economia e dono do cofre federal) regateia e desconversa.
Para quantas horas a mais daquela hipotética meia hora de guerra externa são suficientes os armamentos das classes dominantes brasileiras nesta guerra interna real contra os trabalhadores?
“Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”. Essa tem sido a palavra de ordem mais ouvida nas manifestações de repudio à execução pela polícia militar de Marielle, manifestações que ainda ocorrem em todo o Brasil e em diversos países do exterior.
Entoada pelos filhos da revolução essa palavra de ordem é de forte conteúdo político. E programático. Diretamente relacionada com a guerra civil que virá pela falência econômica e ingovernabilidade do Estado brasileiro.
Os recursos financeiros e armas que hoje são insuficientes para os capitalistas organizarem uma fantástica UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do tamanho do Brasil e continuar amontoando cada vez mais corpos assassinados de trabalhadores – serão mais do que suficientes para os filhos da revolução, no interior e na esteira da inevitável guerra civil, organizarem finalmente o exército vermelho da revolução. As armas do futuro já existem hoje.
Só assim poderão ser vingados todos os trabalhadores indefesos e covardemente assassinados em todos os tempos pelo exército branco da contrarrevolução.