Uma semana depois das maiores manifestações populares no país, elas ainda pipocam por todos os cantos. Qual a tendência? O mais provável é que pode acontecer uma relativa trégua. Por certo tempo. Na guerra, as maiores batalhas não acontecem todo dia. Mas o mais provável não quer dizer o mais certo; ainda tem coisa importante para acontecer e prorrogar por mais alguns dias essa tendência natural. Por exemplo, está prevista para amanhã, dia 30 de Junho, a “batalha do Maracanã”: a população sem dinheiro, o povão, estará em grande número nas ruas do Rio de Janeiro para ocupar as largas avenidas de acesso à maior arena de soccer do mundo e tentar impedir que a população endinheirada das classes proprietárias (e seus serviçais da alta classe média) assista a decisão da Copa das Confederações entre as seleções de soccer do Brasil e da Espanha.
Não existe mais povão nos grandes jogos da seleção canarinho. O ingresso para o moderno circo é muito caro. Até a época da ditadura militar pequena parte do povão ainda ia ao antigo circo. Ainda predominava o Estado político. No século 21 do Estado capital, só a burguesia e seus serviçais têm ingresso. No jogo de amanhã, entretanto, a mais graduada serviçal da burguesia brasileira não estará presente para cantar o hino nacional e torcer para que a sua patriótica Força Nacional de Segurança – assassina de sete trabalhadores indefesos nas favelas da Maré, nesta semana – contenha também as massas de vândalos fora da arena FIFA. A vacilante presidenta da República mandou dizer que não vai ao Maracanã. Dilma “Pobreza Extrema” Rousseff está com medo do povo. A sua fuga já é uma grande vitória das manifestações de amanhã. Já valeu o ingresso!
TATURANAS AGITADAS – A perda de altura da gerente geral do alto comissariado de negócios das classes proprietárias, em Brasília, ficou mais evidente, no início da semana, com a reação das taturanas do Legislativo e Judiciário ao anúncio do seu plano frankstein de reforma política. Tirando todos os pontos de claríssima demagogia e flagrante desrespeito ao distinto público – como prometer os fantasiosos “recursos do pré-sal” para a Educação, se nem a sobrevivência da Petrobras ela não pode mais garantir – o que selou o destino político da roliça comissária-chefe foi anunciar sua proposta de Constituinte específica de reforma política sem antes consultar a sua gloriosa “base aliada” ameaçada de destituição pela ideia.
Vinte e quatro horas depois, para acalmar o colorizado e inquieto bazar do Legislativo e Judiciário, a alta comissária vinha a público, através do seu novo e brilhantíssimo estrategista político, Aloisio Mercadante, para anunciar que tinha mudado de ideia: em lugar da Constituinte específica, ela preferia um Plebiscito, com algumas perguntas girando em torno de uma velha e requentada fantasia de reforma política. E para que os nobres deputados e senadores desistissem de uma capciosa e salutar pergunta na consulta popular – a regra de reeleição ou não da atual e antigos Presidentes da República, que circulou com força no Congresso no início da semana – ela esclareceu que sua fiel e querida “base aliada” vai listar as perguntas a serem submetidas à população no revolucionário Plebiscito. Também valeu pelo ingresso!
COLLOR II – O resultado fulminante de todas essas idas e não idas da presidenta estava reservado para a manhã de Sábado, véspera da grande “batalha do Maracanã”: a Datafolha, principal e mais prestigiosa pesquisa de opinião do país, estampa em manchete do jornal Folha de São Paulo que “Aprovação a Dilma despenca de 57% a 30% em 3 semanas.” E complementa, com requintes de crueldade, no subtítulo: “Queda de 27 pontos é a maior de um presidente aferida pelo Datafolha desde Collor em 1990”. Valeu por mais um ingresso!
Ninguém pode dizer que tudo isso seja manobras da “imprensa golpista”, pois, há três meses (Março 2013) esse jornal dava para a Presidenta o índice recorde de aprovação de 65%, o dobro do atual. O que se deve levar em conta é que Folha, do mesmo modo que Globo, Veja, Estadão, etc. refletem (inclusive em suas famigeradas pesquisas de opinião pública) a política e os objetivos estratégicos das classes dominantes. O mais importante desses novos números da Datafolha não são eles mesmos, mas se a sua publicação se insere dentro de uma nova perspectiva de governabilidade burguesa e imperialista no Brasil – em que seria severamente reciclado (para não dizer descartado) o modelo do populismo neopelego inaugurado há dez anos atrás. Isso é o que interessa saber.
Há dez anos atrás, havia a iminência que a crise na Argentina transbordasse para o Brasil, a maior economia da América do Sul. Agora é a crise brasileira que ameaça transbordar para o continente. O modelo populista-neopelego não é mais suficiente para a nova situação que se apresenta para a classe capitalista e imperialista no continente?
SALVADOR DA PÁTRIA? – Qual a reforma do regime político para esse novo cenário, que deve evoluir com maior ou menor velocidade nos próximos dezoito meses? Os gerentes atuais do comissariado burguês brasileiro serão adequados às novas funções e tarefas? No final do boletim passado, ainda era possível acreditar com alguma margem de acerto que o ex-presidente Luiz Ignácio da Silva e sua entourage poderiam ser reciclados, com uma revisada Carta aos Brasileiros II, devidamente autenticada e com firma reconhecida em Washington – “carta aos brasileiros” foi o título dado a um texto assinado em junho de 2002 pelo então popular candidato à presidência da república do Brasil. É claro que essa nova articulação implicaria em rifar a reeleição da atual presidenta, como terminamos dizendo em nosso último boletim, e, ao mesmo tempo, apresentar seu padrinho Lula como o candidato salvador da pátria, etc.
No decorrer desta semana essa articulação de rifar a reeleição da presidenta atual e de lançar o ex-presidente como salvador da Pátria era seriamente considerada também pelo jornal Financial Times, de Londres. Mas os acontecimentos evoluem com rapidez. Principalmente na economia, que é com o que The Economist, Financial Times, Bloomberg, The Wall Street Journal et caterva, estão realmente preocupados. A mídia cucaracha nacional apenas repercute suas preocupações: bolsa de valores caindo quase 25% nos últimos seis meses; perdas monumentais do valor de mercado da Petrobras, Vale do Rio Doce, etc.; sinais claros de descontrole do orçamento e de incapacidade de geração do superávit primário para pagar os juros da dívida; crônica desvalorização do real e pressões inflacionárias; insegurança e perda de interesse dos capitalistas internacionais com novas privatizações, depois das recentes reduções de tarifas públicas impostas pelo povo nas ruas, etc.
O VELHO SE ESCONDE – Para piorar o humor dos estrategistas da nova governabilidade imperialista no Brasil, parece que o provável salvador da pátria já não anda com a boa forma daquele capitão do mato da primeira Carta aos Brasileiros de dez anos atrás. No dia 20 de Junho de 2013, encantoado no seu bunker privado em São Paulo, sem conceder nos últimos dias a menor declaração pública sobre os atuais acontecimentos políticos, o claudicante populista neopelego mandou avisar que não compareceria a um evento programado pelo seu partido para aquele dia em Goiânia, organizado para comemorar os dez anos do partido no comando do governo federal. A presidenta também deveria comparecer, do mesmo modo que o prefeito de São Paulo, que faria uma interessantíssima conferência versando sobre “Desenvolvimento Urbano Sustentável”. Porém, como naquele mesmo dia haveria uma grande manifestação popular na avenida em que se localizava o Hotel do evento, resolveram não comparecer e deixar de lado a insonsa comemoração.
Alguns dias depois, o envelhecido capataz embarcou diretamente do seu bunker paulistano para um périplo pela África. O objetivo deste novo retiro africano, segundo seus assessores, é “mostrar como os africanos podem aprender com o Brasil em matéria de luta contra a fome e de soberania alimentar”. Alguém sabe o que quer dizer essa novilíngua, revelada por George Orwell no seu magistral livro “1984”? Se já disse alguma coisa, algum dia, agora não quer dizer nada. Essa verborragia burocrática já foi severamente desqualificada pelas próprias vozes das ruas nas última semanas. Não cola mais. Não serve mais de moeda de troca com os capitalistas e isso aparece tanto na forma como a imprensa anda apresentando-os nas notícias, quanto nas pesquisas de opinião. O que se deve observar atentamente, portanto, é se esses desgastados populistas neopelegos – retratados na desesperada expressão de impotência da presidenta ao anunciar seu “pacto nacional” – não têm mais capacidade de controlar a previsível fúria das massas e nem de administrar os novos e complexos desafios colocados aos seus patrões capitalistas. Isso seria um grande desfalque para a governabilidade burguesa no Brasil e na América do Sul. Se for verdade, isso não valeria apenas por um, mas por todos os ingressos colocados à venda para a “batalha do Maracanã” de amanhã.