sábado, abril 27, 2024
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A questão da habitação e da alimentação no ciclo econômico

por José Martins, da redação

Alarme vermelho no centro do sistema capitalista. Escassez catastrófica de imóveis para alugar e de alimentos para comer. O capital mostra à luz da atual crise geral de superprodução o que ainda conseguia desajeitadamente esconder nas fases de expansão da economia:  é incapaz de ofertar habitação e alimentos básicos necessários à reprodução da classe trabalhadora produtiva em todo o mundo. Não só na periferia do sistema, mas também nas principais potências econômicas e militares do planeta.

O que se demonstra é que tanto os gastos com a moradia quanto os gastos com os alimentos são afetados diretamente pela renda fundiária em geral, um dos três rendimentos principais do modo de produção capitalista, junto com os lucros e salários.

É muito importante não se esquecer do grande protagonismo da propriedade fundiária e das diferentes formas da renda fundiária na dinâmica da acumulação do capital e do Estado moderno. Marx e Engels diziam que quem tem a terra tem o Estado. E não estavam se referindo ao Estado no ancien regime, mas na sua forma plenamente desenvolvida do moderno Estado capital. Quase dois terços da obra de Marx foi dedicada ao estudo da agricultura capitalista e da correspondente renda fundiária. Todo seu sistema teórico sobre a formação dos preços, lucros, superlucros, etc., no regime capitalista, por exemplo foi desenvolvido de maneira mais aprofundada em sua teoria da renda fundiária.

Renda fundiária, lucro e salário. Estes três rendimentos fazem parte do que chamamos de “modelo ternário de Ricardo”. Os proprietários privados da terra agrícola e dos imóveis urbanos recebem seu rendimento em forma de renda (rent, em inglês); os capitalistas em forma de lucro; e os trabalhadores em forma de salário. Sem esta genial formulação de Ricardo das três classes sociais e os três rendimentos básicos do modo de produção capitalista, Marx dificilmente teria tido uma base científica séria para iniciar e desenvolver sua fertilíssima obra econômica.

Do mesmo modo que com a lei do valor-trabalho, a economia vulgar – tanto a liberal quanto a de Estado – ignora solenemente essas determinações da propriedade fundiária moderna na dinâmica real da acumulação capitalista. E nas diferentes fases dos ciclos econômicos periódicos. Escondem, assim, do mesmo modo que o fazem com valor-trabalho, a mais odiosa e improdutiva classe social e correspondente forma de propriedade privada no regime capitalista.

Vamos aos fatos. À medida que a atual crise econômica geral (catastrófica) se aprofunda, a classe proletária internacional é celeremente despejada de suas moradias urbanas por fulminante aumento dos aluguéis. A renda fundiária urbana fere seletivamente a vida dos trabalhadores assalariados e de suas famílias. As famílias das classes médias assalariadas e dos capitalistas são poupadas de suas piores consequências. Veja o que noticia o jornal inglês The Guardian, em matéria publicada nesta terça-feira (28):

“As rendas fundiárias urbanas médias na Grã-Bretanha [trata-se de rent, em inglês, diferente de product, revenue, income, yield, earning, profit e outras inúmeras formas de rendimentos do regime capitalista] aumentaram mais de um quarto desde o início da pandemia de Covid e continuarão a aumentar, de acordo com uma análise. A renda fundiária privada típica terminará este ano 9,5% mais alta do que em dezembro de 2022 e depois aumentará mais 6% em 2024, antes de atingir um “teto de acessibilidade”, de acordo com o agente imobiliário e de arrendamento Savills. No geral, os aluguéis aumentaram quase 6% nos primeiros oito meses do ano, concluiu sua pesquisa, elevando o crescimento total desde março de 2020, quando o primeiro bloqueio da Covid começou, para 26%.

O aumento dramático ao longo dos últimos três anos foi atribuído em grande parte à procura de imóveis decentes para arrendamento por parte dos rentistas, que superou largamente a oferta, e foi exacerbado pela redução dos juros dos empréstimos.

A grave escassez de propriedades no mercado levou a uma intensa competição pelo que está disponível, com longas filas de possíveis inquilinos nas visitas, pagamentos desesperados acima das probabilidades e alguns proprietários exigindo um ano de aluguel adiantado.

A Savills estimou que o agregado familiar inquilino médio gasta agora 35,3% do seu salário em renda – acima dos 33% em 2021-22. No entanto, em Londres, o aluguel normalmente absorve uma proporção muito maior dos salários: 42,5%. A empresa afirmou que as rendas médias na capital aumentaram 31% nos últimos dois anos e, como resultado, os locatários em Londres “já esgotaram a sua capacidade de licitar para cima”.

Em outra matéria recente, três meses atrás, o The Guardian informava também que um terço dos trabalhadores que pagam renda fundiária urbana [aluguel] na Inglaterra não têm poupanças suficientes para pagar essa renda se perderem o emprego, colocando-os em risco iminente de serem despejados de suas casas, de acordo com uma pesquisa realizada pela instituição de caridade habitacional Shelter. O futuro da habitação da classe proletária depende do desenrolar do atual período de desvalorização do capital e crise geral.

Os aluguéis recordes e o custo crescente de outras contas domésticas estão colocando as finanças dos inquilinos sob pressão e significam que muitos não conseguem mais reservar dinheiro para emergências. Polly Neate, presidente-executiva da Shelter, declara que “os trabalhadores locatários de imóveis estão enfrentando uma crise como nunca antes. A grave escassez de moradias significa que muitos trabalhadores mal conseguem sobreviver, pois são forçados a competir por aluguéis privados extremamente caros, porque não há mais nada. Com a alimentação e as contas domésticas continuando a aumentar, a situação é precária para milhares desses inquilinos que estão a um contracheque de perder a sua casa e do espectro dos sem-teto.”

Na Inglaterra a alimentação e outras contas domésticas crescem junto e com as mesmas elevadas taxas dos aluguéis, observa corretamente a Sra. Polly Neate. O pior para a população trabalhadora mundial é que isso não é um problema isolado na Inglaterra. Como uma metástase, a velocidade do aumento de sem-teto e de filas de famintos procurando alimentos nos armazéns do governo e outras instituições de caridade assusta os capitalistas das principais economias do mundo. Os EUA puxando a fila.

A escassez de alimentos básicos e de imóveis para morar explode na maior potência econômica e militar do planeta à medida que a crise econômica se aprofunda. É o que relata a Bloomberg, o maior portal de notícias econômicas e geopolíticas do mundo. Em recente matéria ela informa que “uma parcela cada vez maior de trabalhadores nos Estados Unidos está com o aluguel atrasado e com dificuldades para comprar comida, somando-se aos sinais de dificuldades crescentes na economia”.

Essas “dificuldades crescentes na economia” é a chave da questão da habitação e da alimentação nos diferentes ciclos e crises econômicas. Entre as famílias que utilizam os benefícios reforçados da pandemia do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), informa a Bloomberg, 42% pularam refeições em agosto e 55% comeram menos porque não tinham dinheiro para comprar alimentos, mais que o dobro da parcela do ano passado, de acordo com um relatório de quarta-feira (30 de agosto) da Propel Inc., um desenvolvedor de software de benefícios.

O problema dos capitalistas é que as políticas compensatórias, que crescem exponencialmente em períodos de crise do ciclo econômico, têm um limite que chega mais cedo do que se espera. O Estado não pode criar dívidas, moedas e créditos eternamente. Impunimente. Tenta-se então evitar o descontrole das contas públicas, a crise do crédito público e o derretimento do dólar, moeda padrão de reserva internacional. Toda a discussão sobre políticas monetárias e fiscais, taxas de juros, inflação, etc., nos EUA e alhures, gira em torno deste problema.

É por isso que aquele espectro de contingentes crescentes de trabalhadores não terem o que comer ou de onde morar aumentou muito depois que os pagamentos de emergência do SNAP expiraram no início deste ano e, segundo a Propel, quando as famílias de trabalhadores receberam outros auxílios mais baixos neste verão, depois que o governo federal suspendeu a emergência de saúde pública em maio.

Os dados da Propel destacam, finalmente, que as famílias de trabalhadores desamparadas pelo corte de políticas compensatórias estavam em pior situação em agosto do que no mês anterior. Desde julho, uma parcela crescente das famílias proletárias teve aqueles serviços públicos desligados, não conseguiu pagar a conta dos serviços públicos do mês anterior ou não conseguiu pagar nem o aluguel. Mais de dois terços dos entrevistados que recebiam pagamentos aumentados do SNAP disseram ter algum tipo de dívida, conclui o relatório.

O Estado, instrumento capitalista para gerir suas contradições e evitar a ingovernabilidade burguesa, se enfraquece dramaticamente na mesma medida em que o atual período de crise de superprodução de capital não dá mostras de que esteja se aproximando do fundo do poço. Apesar das ilusões dos homens de Wall Street que o cenário mais provável é o de um “pouso suave”, o que os principais indicadores da produção industrial, produtividade e comércio internacional dos EUA indicam é o de reaparecimento de incontrolável trajetória depressiva global.

Em resumo, para o capital e seus governos de Washington, Londres, Berlin, Paris, Moscou, Tóquio e Pequim, dentre outros menos votados, a única possibilidade de que esse plano inclinado de miseráveis condições de moradia e alimentação dos proletários de todo o mundo seja minimamente administrado ou abafado politicamente por mais algum tempo é que eles consigam reverter esta atual queda catastrófica da economia global, que eles consigam promover novo ciclo econômico, nova expansão cíclica.

Caso contrário, serão todas essas estruturas históricas e altamente parasitárias do sistema capitalista – nas quais se destaca essa moderna propriedade fundiária privada ou estatal observada pelas frestas deste boletim – que poderão finalmente serem abolidas em uma magnifica explosão da luta de classes internacional, no caminho da revolução e de um verdadeiro plano de vida para toda a humanidade, no caminho de uma comunidade humana de produtores livremente associados, de homens e mulheres incontroláveis.

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