quinta-feira, outubro 31, 2024
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Netflix: Banho de Sangue em Wall Street

por José Martins, da redação

Quando a economia mundial entra neste raro acontecimento de uma crise geral, cada semana é uma semana histórica. E, na medida em que ela se aprofunda para valer em guerras e rebeliões sociais, quase todo dia é dia histórico.

É o que parece estar acontecendo. A história se acelera, neste exato momento. A normalidade do mercado desaparece. A análise econômica dos trabalhadores tenta acompanhar. E descrever criteriosamente, com a boa teoria revolucionária em apoio, os fatos e números que se desenrolam sob nossos olhos. Não é uma tarefa fácil.

Nesta última semana, por exemplo, destacou-se uma não desprezível correção no mercado financeiro e de capitais em Wall Street. Na sexta-feira (22), na esteira da elevação dos juros dos títulos de dívida pública e privada circulando no mercado, os índices das principais ações da Bolsa de Nova York entraram em um claro território de liquidação.

Após o declínio acentuado já ocorrido na semana anterior, o índice S&P 500 – que centraliza as ações das 500 principais empresas dos EUA – já caiu 5,9 % até agora em abril e está a caminho de sua pior queda mensal desde março de 2020. Exatamente quando se iniciava a atual fase de crise cíclica de superprodução de capital e todas grandes economias mundiais eram entubadas nas UTIs dos respectivos bancos centrais e Tesouros nacionais.

Pode-se observar aqui a evolução do índice S&P 500 desde o ciclo econômico anterior. Por que isso é importante? Porque mostra que, nestes dois últimos dois anos, a evolução dos preços das ações em Wall Street manifestou muito bem a inaudita dimensão e os claros limites da atual crise periódica de superprodução de capital.

Na superfície do mercado, a crise de superprodução manifesta-se primeiro na esfera do capital financeiro produtor de juro. Na falta da produção real de valor, na esfera do capital produtor de lucro, os capitalistas procuraram se esconder na acumulação fictícia do capital financeiro. A política econômica facilita esta fuga.

Assim, o que a curva acima está mostrando é que, na entrada da economia na atual fase de desaceleração e crise periódica (4º trimestre 2019), criou-se no menor prazo e na maior magnitude já conhecida na história econômica uma inimaginável barriga de acumulação fictícia. Em pouco mais de dois anos, a valorização do S&P 500 subiu aproximadamente 92%.

Quando os capitalistas não tiverem mais onde se esconder, toda esta pletora de capital será abruptamente deflacionada. Em nenhuma oportunidade da história do modo de produção de capital teria ocorrido uma queima de capital desta magnitude.

É neste sentido que o crônico e lento afundamento do mercado de ações nos dois últimos trimestres nos EUA pode ser o sinal antecedente de um banho de sangue na Bolsa de Nova York nas próximas semanas. Depois de alcançar os céus, o mercado entrou em ponto morto, crescendo apenas 2,80% nos últimos doze meses, e deslizando 11,90% neste ano (até 24 de abril).

A inevitável pulverização do capital em grandes dimensões talvez mostre melhor sua cara no início do próximo mês, na mais esperada reunião do Federal Reserve (Fed) do ano, quando Jerome Powell deve sacramentar, finalmente, a primeira grande elevação da taxa básica de juros em 50 pontos percentuais. Até agora ele só tem ameaçado fazer isso.

Para o mercado, o mais provável é que essa elevação da taxa básica de juros será uma fatalidade. À sombra da política agressiva de combate à inflação prometida pelo Fed, o aumento dos rendimentos dos títulos de 10 anos que, aliás, já ocorre no mercado, a incerteza geopolítica e a temporada de baixos lucros das empresas alimentam o pessimismo dos homens do mercado.

A inflação descontrolada dos preços das mercadorias em geral é uma expressão popular da imponderabilidade nos negócios capitalistas. A autonomia da política frente à economia se esgota desastrosamente. O primeiro capítulo deste desastre pode ser justamente esta pulverização da enorme barriga de valorização de quase 100% do S&P 500 dos últimos dois anos.

Por falar em baixos lucros, e para visualizar melhor o processo em curso, vejam o que acaba de acontecer com o capital da aparentemente invencível Netflix. As ações da gigante global do streaming caíram 35,1% na quarta-feira (20), registrando seu pior dia desde 2004, depois que seus dirigentes informaram ao mercado que a empresa continuou perdendo assinantes no primeiro trimestre.

É a segunda vez que o valor das ações de tão sólida e poderosa empresa cai este ano. Em janeiro, as ações da Netflix já tinham caído mais de 20% do seu valor quando seus dirigentes informaram que esperavam adicionar um número muito menor de assinantes do que no ano anterior.

Não se trata, portanto, de um mero fenômeno especulativo, da explosão de uma “bolha” especulativa, mas de uma abrupta queda do mercado, da atividade econômica em geral e, finalmente, dos lucros da empresa.

Mais de 62% do valor das ações da Netflix já foi pulverizado neste ano, incluindo a queda de quarta-feira. É a ocorrência de uma próxima correção desta magnitude que a redação da Crítica da Economia prevê para a totalidade das 500 empresas listadas no S&P 500.

Tudo se achata. Quando o tempo econômico desaparece, em que o rendimento de um título de 2 anos se iguala ao de um título de 10 anos, por exemplo, o famoso “achatamento da curva de rendimentos”, o que reina nas mesas de investimentos dos capitalistas é a chamada “volatilidade” dos rendimentos financeiros em geral.

O capital fictício começa a entrar em parafuso. A ansiedade aumenta. Existe até um termômetro para medir essa ansiedade dos capitalistas. Trata-se do chamado Cboe Volatility Index (VIX), também conhecido como medidor de medo de Wall Street. Ele atingiu na sexta-feira (22) seu maior nível de um dia em cerca de cinco meses para fechar em uma alta de cinco semanas.

Quem tenta estabelecer uma equação mais racional para o rumo do mercado acaba se perdendo em uma inflação de variáveis. Como declara ao Wall Street Journal o preocupado economista Michael Farr, presidente da Farr, Miller & Washington.  “Mais variáveis ​​em qualquer equação criam maior incerteza em termos de resultado”, disse “Temos mais variáveis ​​agora do que consigo me lembrar em minha carreira.”

A principal preocupação dos homens do mercado, como o Sr. Farr, é um Fed que tem aumentado sua retórica agressiva enquanto se prepara para combater a pior inflação dos EUA em quase 40 anos. Esta nova postura de conservadorismo monetário foi enfatizada mais uma vez na quinta-feira (21), quando Jerome Powell, presidente do Fed, disse que um aumento de meio ponto na taxa de juros “estará sobre a mesa” na reunião de política monetária do banco central no início de maio.

Os homens de mercado tentam prever alguma coisa. Esperam, por exemplo, que o Fed a aumente a taxa básica de juros para um intervalo entre 2,75% e 3% até o fim deste ano. Isso seria perigoso, pois levaria a taxa para além do que eles chamam de nível “neutro”, quer dizer, para um território que começaria a atingir diretamente a atividade econômica real.

Inflação ou crescimento econômico? É assim que economistas como Lawrence Summers e Paul Krugman colocam vulgarmente o problema. E não saem do lugar. O Fed já não procura mais esconder sua resposta. Promover uma insondável “recessão” na atividade econômica real para reduzir a inflação foi a decisão que Powell informou ao mercado nesta semana.

Um salto perigoso. O Fed parece estar caminhando para talvez sua mudança mais rápida na política monetária desde a década de 1960, com todos os riscos que acompanham uma mudança tão abrupta.

Ressalte-se que a taxa no intervalo de 2,75% a 3% no final do ano não seria nenhuma novidade no mercado, pois esta já é a taxa atual calculada no mesmo final de ano para os títulos de 10 anos. O Fed estaria sendo puxado passivamente pela própria realidade do mercado. Não é Powell que decide.

Mas nem tudo são flores. Acontece que as elevadas taxas atuais dos títulos de 10 anos (acima do nível neutro) sinalizam que já estão sendo mais atrativas do que a aplicação em ações nas bolsas de valores.

Esta tem sido a grande razão dos homens de mercado de fugir das ações e redirecionar seu capital em direção a estes títulos. Ou esperar que aconteça algum milagre antes das apostas fatais do Fed. Os capitalistas não podem mais se esconder, com os ativos afundando nas apostas sanguinárias do Fed e, como vemos agora, na própria realidade dos títulos de renda fixa.

Além das taxas e rendimentos, espera-se que o Fed comece efetivamente, depois também das repetidas promessas, a reduzir suas participações em ativos privados – quer dizer, drástica redução do assustador balanço do banco central de quase dez trilhões de dólares – o que apertará ainda mais as condições de crédito para empresas e consumidores individuais.

Ninguém mais duvida nos escritórios de Wall Street que essa reviravolta na política monetária de elevação desta magnitude dos juros básicos do Fed levará a economia para o que eles chamam ingenuamente de “recessão”. Parece que ninguém conta a possiblidade de uma crise geral. Muito menos com uma coisa mais didática, a depressão anos 1930.

Mesmo com suas limitações cognitivas, os homens do mercado e seus economistas tremeram quando Powell reconheceu, pela primeira vez, em seu citado pronunciamento, a “possiblidade” (para não dizer certeza e estourar a boiada) de uma “recessão”.

Powell age pensando na luta de classes. “Vai ser muito desafiador.” “ … reduzir o ritmo acelerado dos aumentos de preços, que mais do que compensaram os ganhos salariais para a maioria dos americanos e também se tornaram uma questão política premente, é “absolutamente essencial”, disse Powell. “As economias não funcionam sem estabilidade de preços.”

O mais importante nesta discussão sobre os rumos da economia dos EUA (e do mundo) neste momento é que Powell, ao contrário da quase totalidade dos economistas de mercado, é uma pessoa inteligente. Os leitores da Crítica já sabem disso há muito tempo. Desde quando ele foi indicado em 2017, por Donald Trump, para ser o presidente do banco central do planeta.

Para ajudar o entendimento do que está em jogo nesta árida discussão econômica dos destinos da política econômica dos EUA na atual conjuntura de crise e revoluções, vale a pena reler o boletim “Nem louco rasga dinheiro”, de 03 de novembro de 2017, quando da posse de Powell no comando do Federal Reserve. Um pequeno spoiler daquele boletim:

 Antes da pós-graduação em Direito, graduou-se em Ciência Política na Universidade de Princeton. A graduação sempre marca mais a capacidade intelectual do indivíduo que a pós-graduação. Outra coisa importante na preparação de Powell. Recentemente, de 2010 a 2012, ele trabalhou pelo salário simbólico de US$ 1 ao ano no Bipartisan Policy Center, um instituto de pesquisas estratégicas em Washington dedicado ao estudo de políticas públicas e sociais.

Vai ser muito útil essa última preparação para a administração da moeda. A temperatura da luta de classes nos EUA está em elevação, mesmo com a taxa desemprego atual beirando a 4.2% e ao pleno emprego. A erupção de uma nova crise econômica levaria a luta de classes interna a níveis incontroláveis apenas com as “políticas públicas e sociais” atuais. Powell tem plena consciência desse cenário altamente provável. Tem uma cabeça antenada no social.

A burguesia norte-americana e, em menor medida, a dos demais Estados imperialistas, se preparam continuamente para a guerra, interna e externa. Meu Estado e meu país em primeiro lugar. Powell está perfeitamente integrado a esta patriótica palavra de ordem.

È altamente provável que já nos seus primeiros dois anos de sua administração ele terá que enfrentar um choque econômico muito mais corrosivo do que aqueles vividos por Greenspan e depois por Bernanke. Powell tem certeza disso.

Doravante, as decisões no Fed serão tomadas em condições políticas e sociais internas cada vez mais abaladas (ingovernabilidade) e, no exterior, novas e também crescentes turbulências geopolíticas (guerra mundial). Powell vai trabalhar com isso na cabeça.

Continuaremos, evidentemente, acompanhando esta evolução dos fatos.

 

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