por Fábio Magalhães e José Martins, da redação.
Antes de aterrissar na poderosa máquina industrial dos Estados Unidos, uma parada inesperada, de urgência, em Berlim, no coração da economia e da geopolítica europeia.
O motivo é muito sério: uma brusca e contínua queda da produção industrial da segunda economia do mundo aprofunda o sinal de alerta para a área do euro. Segunda economia do mundo em qualidade, lembrando ao renitente pensamento econômico vulgar.
O problema é que este alerta se espalha para além da área do euro. Cria a sinistra imagem que a Alemanha – e por extensão a totalidade da Europa – pode ser o novo elo fraco da economia mundial.
A derrocada produtiva da Alemanha e de outras grandes economias dominantes desta área, como França e Itália, abre um inesperado quadro de crise para a totalidade do sistema capitalista.
A previsão de crescimento da zona do euro é de menos de 1% para este ano. O mesmo que economias periféricas estropiadas como Brasil, Argentina, etc.
Esta previsão deve-se ao fato que a produção industrial nas 19 nações da área do euro está caindo no ritmo mais rápido desde a última crise periódica de 2008/2009. Veja no gráfico abaixo.
Como ilustrado acima, a desaceleração da produção na eurozona acentuou-se de maneira brusca muito recentemente, só a partir de 2018. De acordo com dados publicados pela Eurostat, a produção total da indústria da eurozona havia caído 4.2% em dezembro 2108, frente ao mesmo mês dos ano anterior.
Esta forte queda foi comandada pelos ramos produtores de bens de capital (- 4.9%) e de bens de consumo duráveis (- 4.6%). Justamente os ramos mais cíclicos em qualquer economia. São eles que exprimem primeiro e de maneira mais nítida o esgotamento do período de expansão do ciclo e entrada em novo período de crise.
De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pela Eurostat, a produção industrial de bens duráveis da Alemanha (frente aos mesmos meses do ano anterior) havia desabado pesadamente nos últimos três meses encerrados em janeiro 2019. Queda de 5.1% em novembro 2018; de 2.8% em dezembro e de 3.5% em janeiro 2019.
Pelo mesmo critério de medição, na França, segunda maior economia da Europa, a mesma produção industrial de bens duráveis havia caído 10.7% em novembro 2108, seguido por nova queda de 7.9% em dezembro e, finalmente, nova queda de 3.6% em janeiro deste ano.
Juntas, Alemanha e França representam aproximadamente a metade da economia da zona do euro. Por isso, o que se ouvia no velho continente, nesta semana, eram frases espirituosas como: “se a França parar de consumir e a Alemanha parar de produzir, você terá um grande problema na zona da euro”. Um problema mil vezes maior que o espetáculo do Brexit, podemos acrescentar.
Observação importante. Nos mesmos três meses e critérios acima, a Inglaterra do Brexit navegou galhardamente com crescimento da produção industrial de bens de duráveis de 8.7% em novembro 2018, seguido por novas taxas de crescimento de 5.2 % em dezembro 2018 e de 0.8% em janeiro 2019.
Lembrando que a Inglaterra nunca pertenceu à zona do euro (que adota o euro como moeda única), mas à União Europeia. O Brexit seria a saída completa da Inglaterra desta última. Nenhum laço mais com a economia continental centralizada pela Alemanha.
Essas taxas de desabamento da Alemanha e demais grandes economias da zona do euro, acompanhadas de incríveis taxas positivas de crescimento da tumultuada Inglaterra de Mrs Tereza May querem dizer simplesmente que o desabamento da Alemanha e seus satélites não é absolutamente devido ao problema do Brexit.
Aliás, a avaliação da redação da Crítica da Economia é a seguinte: o Brexit e a total ruptura da libra e da política econômica inglesa dos seus falidos parceiros continentais são fatores muito favoráveis para a Inglaterra.
Adeus à globalização. Sobreviva-se à crise. Os ingleses sempre foram muito mais competentes em suas decisões econômicas que seus incompetentes parceiros europeus, principalmente franceses e alemães.
Enquanto isso, na cabeça e na opinião dos economistas e dos práticos homens do mercado, os principais fatores por trás da derrocada alemã são as turbulências do Brexit e o conflito comercial entre Estados Unidos e China.
Ora, nem uma coisa nem outra. O problema alemão não é de demanda, como se avalia no mercado, mas é de não conseguir manter mais a mesma taxa geral de lucro nacional no decorrer do último período de expansão.
Esse problema torna-se mais evidente a partir de 2018, como vimos acima. Trata-se de um problema de valorização do capital instalado na Alemanha, endógeno, não um simples problema de insuficiência de demanda externa, como imagina a economia vulgar.
A demanda, no regime capitalista, seja a interna ou a externa, não diz respeito às mercadorias simples produzidas, ao produto, como imaginam os economistas, mas uma demanda para os mesmos preços de produção e taxa média de lucro embutida nestas mercadorias que sustentaram o último período de expansão cíclica das empresas.
O mais didaticamente possível: os capitalistas não produzem nem vendem utilidades para satisfazer o desejo de qualquer consumidor idiota. Seja este último, no nosso caso dos capitalistas alemães, consumidor chinês, estadunidense, ou qualquer outro.
O que os capitalistas vendem, repita-se ad nauseam, são preços de produção e respectivas taxas médias de lucro materializados nas utilidades produzidas nas suas respectivas empresas e ramos industriais.
Na produção e reprodução capitalista moderna a simples insuficiência da demanda que reinava nos regimes históricos anteriores metamorfoseia-se em um problema de realização do valor e da mais-valia.
Última hora: nesta quarta-feira (03) chega a noticia que a Alemanha registrou uma queda de 4.2% das encomendas à indústria em fevereiro, ante janeiro, reforçando o cenário cada vez mais aceito pelo mercado de uma grande retração na segunda maior economia do mundo.
Essa queda das encomendas à indústria alemã quer dizer que estão faltando consumidores individuais? Longe disso. Basta que os capitalistas alemães abaixem os preços de mercado de suas mercadorias na mesma proporção que caem seus preços de produção para que eles criem milhões de consumidores e aumentem suas vendas com muita facilidade.
É claro que reduzindo seus preços de mercado para os níveis de seus preços de produção eles estariam registrando instantaneamente em seus balanços de lucros e perdas empresariais aquela enorme queda da taxa média de lucro já ocorrida em seus respectivos ramos de produção.
É claríssimo também que este voluntarismo capitalista faria estourar imediatamente a crise verdadeiramente capitalista.
A crise capitalista decorre, portanto, da superprodução de capital, quer dizer de um brutal aumento da produtividade (exploração) da força de trabalho mundial. Não de uma insuficiência da demanda qualquer.
Não se trata de vender um produto qualquer, mas de realizar uma produção de mercadoria-capital criada em cima da exploração da classe operária mundial.
Assim, a crise explode quando, no decorrer do ciclo periódico, a produção de mercadorias manifesta-se como superprodução de capital.
Essa superprodução – que surge, como vimos rapidamente, com o aumento da produtividade da força de trabalho e pressiona os preços de produção unitários das mercadorias para baixo – está também na base da competitividade maior ou menor das economias nacionais e das inevitáveis guerras comerciais.
Todos procurando conservar suas insustentáveis taxas de lucro arruinando os vizinho com políticas cambiais, protecionismo, etc.
Um dia antes, nesta terça-feira (02), já aparecia também outra avaliação dos capitalistas de que uma nova e ainda mais profunda contração da indústria alemã, o que levou a uma corrida dos capitalistas a buscar a proteção dos títulos do Tesouro alemão.
Quem media desta vez esse novo e inesperado aprofundamento da indústria alemã é o conhecido Índice de Gerentes de Compras da IHS Markit. O índice caiu para 44,1 em março, pior do que uma leitura rápida anterior de 44,7, que já estava bem abaixo das estimativas dos economistas.
Veja no gráfico abaixo essa sinistra derrocada da produção industrial alemã, segundo os índices da Markit.
Uma leitura abaixo de 50 indica retração. De acordo com o relatório da Markit, a indústria francesa também encolheu mais que o esperado – o PMI foi revisado para 49,7. A derrocada alemã é mais profunda.
Os economistas da Markit avaliam que “com a indústria nas duas maiores economias da zona do euro perdendo força, as perspectivas para a região de 19 nações são sombrias”.
O rendimento dos bônus alemães a 10 anos, um indexador para os demais bônus europeus, está sendo negociado abaixo de zero por cento pela primeira vez desde 2016.
Os capitalistas preferem perder algum capital no porto seguro do Deutsche Bundesbank do que perder tudo em novos investimentos industriais e mesmo em títulos financeiros privados. Movimento estéril de simples proteção da propriedade privada. A crise na espreita.
Os burocratas do Banco Central Europeu estão discutindo novas medidas que manteriam sua política monetária e de crédito de ultra relaxamento por mais tempo e até mesmo afrouxá-la ainda mais adiante.
Na Alemanha, o economista da IHS Markit, Phil Smith, relata que, em contraste com o forte mercado de trabalho do país, os fabricantes cortaram empregos pela primeira vez em três anos, com várias empresas indicando que alguns contratos temporários não estavam sendo renovados.
Seria a Alemanha, novo elo fraco da economia mundial? Essa pergunta será respondida nos próximos trimestres. Se confirmado esse cenário, estaria também sendo inaugurado mais um período de destruição criativa de guerras e revoluções na rica Europa ocidental. Coisa que não se via há muitas gerações.