O Sr. Michel Temer, presidente da República, passou a semana comemorando dois fatos econômicos de primeira grandeza. Supostamente reais. O primeiro, a queda de 1 ponto percentual da taxa básica de juros decretada pelo Banco Central, fixando a Selic em 10,25% ao ano. O segundo, o aumento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano.
Há motivo para comemoração? Colocando mais corretamente a pergunta: quem, além de Temer e sua equipe econômica capitaneada por Henrique Meirelles, da Fazenda e Ilan Goldfajn, do Banco Central, teria motivo real para comemorar estes “grandiosos resultados” da política econômica do governo?
Comecemos pela queda da taxa básica de juros. Não importa que ainda seja a maior do mundo. Pelo menos entre as principais economias dominantes e dominadas do mundo. O que importa, diz o governo, os economistas do mercado e a mídia imperialista, é que a taxa está caindo. Com rapidez. E isso, induzem eles o grande público a acreditar, é um fator que pode até estar já se refletindo no “magistral crescimento” do PIB no 2º trimestre do ano.
Vejamos a coisa mais de perto. A economia, como qualquer outra ciência, só trabalha com relações. Razões e proporções. E com coisas reais. Senão vira reza braba. E quando se trata da magnitude da taxa real de juros, sabemos que a mais importante relação é entre a taxa nominal de juros (Selic) e o índice geral de preços (inflação) para o mesmo período.
No Brasil, a inflação é medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), calculado pelo IBGE. Assim, dividindo-se a Selic de 10,25% ao ano pela prévia da inflação anualizada de 3,77% para maio, chega-se a taxa real de juros de 6,24%.
Imagine o teu salário – imaginando também que você continua empregado e recebendo em dia – sendo reajustado na atual situação a 6,24% acima da inflação. Se você encontrar ou ouvir falar de alguma categoria de trabalhador produtivo no Brasil que tenha conseguido no último dissídio esse fantástico reajuste, ligue para nossa redação para receber um valioso brinde.
Poucos parasitas no mundo recebem um “salário” tão elevado como seus colegas “empregados” pelo Tesouro Público brasileiro. De acordo com estudo do Center for Economic and Police Research (CEPR), think tank dos Estados Unidos, o pagamento de juros da dívida pública brasileira, que tem a maior parte do seu estoque vinculado à Selic, correspondeu a 7,6% do PIB brasileiro em 2016, o quarto maior entre 183 países. Note que neste cálculo não foi incluído o pagamento de amortização da dívida. Só de juros desta dívida. Essa é a realidade: o Estado gasta muito porque o pagamento do juro da dívida é alto.
Mas existe um problema maior que esse da repartição e do inerente parasitismo das classes dominantes. Trata-se da relação entre essas elevadas taxas de juros, a produção e a economia em geral. O jornalista Tiago Pereira ajuda a esclarecer esse assunto. Veja abaixo o quadro que ele apresenta em matéria muito bem feita.
O mais importante da evolução da taxa real de juros nos últimos 17 meses, mostrada no gráfico acima, é o seguinte: embora a taxa nominal Selic tenha sido reduzida de 4 pontos percentuais no período, a sua taxa real aumentou 3 pontos. Ou seja, a taxa real de juros do Banco Central dobrou no mesmo período. Isso aconteceu porque, no mesmo período, a inflação (IPCA) caiu mais velozmente (7 pontos) que os 4 pontos de queda da artificialmente elevada Selic. A taxa básica real de juros no Brasil subiu no período e deve permanecer em torno de 7% no decorrer deste ano. Essa é a previsão da Crítica.
A taxa de juros elevada é uma exigência das pressões inflacionárias? Observa-se que ocorre exatamente o contrário desta mistificação monetarista dos economistas do mercado. Nos últimos 17 meses, como retrata o gráfico acima, a taxa real de juros dobrou mesmo com a inflação em queda livre. E agora propagandeiam o mantra dos falsários: a política econômica do governo conseguiu o grande feito de reduzir os juros e viabilizar os sinais de crescimento da economia no 1º trimestre do ano!
Nota bene: é outra grande desonestidade essa propaganda que a queda da inflação é devida à política econômica de Meirelles e Goldfajn. A desinflação do IPCA ocorrida no período analisado deve muito pouco à ação exógena da política econômica e monetária do governo e Banco Central, e muito mais à ação de fatores endógenos do processo de valorização e de acumulação do capital global. Que atinge frontalmente, mais que em outras economias, o nível de atividade industrial no Brasil. Esse é o grande problema que está na base da estagnação da economia brasileira e da crise do seu regime político. E quando os economistas tratam essa coisa altamente corrosiva da desinflação do IPCA em uma coisa boa para a economia eles o fazem de uma maneira mais ou menos envergonhada, sem muita convicção. Pelo menos os mais esclarecidos.
Mas se não é verdadeiro o mantra de que o governo promoveu a queda dos juros e “o fim da recessão”, não se pode negar que a sua deliberada política monetária conseguiu o “milagre da reprodução ampliada juros”: em maio de 2017 a massa real de juros que os capitalistas recebem para cada R$1 emprestado ao governo é o dobro do que recebiam em janeiro de 2016.
Resultado deste milagre nos resultados das contas públicas: os gastos do Estado aumentaram perigosamente nos últimos 17 meses porque os gastos unitários com juros reais dobraram no mesmo período. A Previdência paga o pato.
Com esse artifício da política monetária – manter elevada a Selic e reduzi-la menos rapidamente do que o ritmo de queda da inflação – todos os capitalistas e demais parasitas, não só os banqueiros donos do Itaú, Bradesco, etc., puderam se safar da grande deflação dos preços que assola o mercado mundial e o brasileiro.
Por enquanto, a maior parte das empresas industriais, comerciais, agrícolas, etc. recebem essa transferência de recursos públicos via operações extra-operacionais (financeiras) e conseguem compensar e evitar a falência total de suas receitas operacionais propriamente ditas, quer dizer, receitas de operações com atividades produtivas e comerciais não financeiras de cada empresa.
Portanto, o bombeamento de recursos públicos para os rentistas e os bom-mocinhos empresários à beira da falência produtiva de valor e de mais-valia só pode ser mantido, mesmo que de maneira altamente provisória, através de dois artifícios políticos simultâneos: aumentando a dívida pública e congelando os gastos correntes reais, incluindo neste congelamento os gastos com a Seguridade Social. A classe operária paga o pato da parasitária Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP).
Se o governo não for capaz de manter a proeza deste milagre dos juros, quer dizer, continuar aumentando continuamente os gastos unitários com juros reais, a fonte que abastece as receitas extra-operacionais (financeiras) das parasitarias empresas industriais e comerciais pode ser perigosamente interrompida. E a atual estagnação da produção afundar em uma catastrófica depressão. É o que deve acontecer.
Pode-se, assim, dizer que o “milagre da reprodução ampliada dos juros” dos últimos 17 meses constituiu-se em uma estéril e pervertida forma de política anticíclica. Estéril, porque mantem a atividade econômica estagnada. Pervertida, porque mantém a economia no estado estacionário.
Evita a eutanásia dos rentistas e empurra com a barriga a falência dos capitalistas industriais. Um pacto de inúmeras classes proprietárias da burguesia imperialista a beira de um ataque fulminante de ingovernabilidade.
Essa é a razão da sanguinária intransigência da campanha unitária e totalitária dos economistas e políticos do sistema pela imposição das reformas das leis trabalhistas e da Previdência. Execução econômica e social a sangue frio da classe operária.
A política torna-se transparente. Não passa de uma formalidade burocrática desta execução sumaria da produção e da sua classe produtiva. A democracia escancarada Pouco importa as credenciais morais dos dirigentes dos três poderes responsáveis por essa execução. Democracia despudorada.
Razão materiais (economia) forjando uma sólida aliança política (Estado) das duas almas que habitam no corpo da burguesia imperialista: a produtiva de lucro e a produtiva de juros.
Esse pacto ainda não foi rompido. O seu rompimento – que deve coincidir com a explosão do próximo choque cíclico e periódico global, a partir dos Estados Unidos, Europa e China – será o estopim da guerra civil na maior economia do lado de baixo do equador e, por extensão natural, nos seus principais vizinhos na América do Sul.