A realidade da produção de alimentos no mundo desmente as ideologias das classes dominantes e seus economistas a respeito do assunto. São várias as mentiras da propaganda da moderna propriedade fundiária capitalista. A principal é que o regime capitalista produz alimentos suficientes para a reprodução da espécie humana. Entretanto, o que se presencia no dia-a-dia da população trabalhadora mundial e nos próprios números oficiais da produção agrícola é exatamente o contrário. Apesar das condições naturais favoráveis, técnicas e cientificas mais que suficientes para alimentar convenientemente a totalidade população mundial, a produção agrícola orientada para a produção de mercadorias e de lucro (além da inabalável moderna renda fundiária) é a causa primária do aumento da fome e das doenças no mundo.
A ação criminosa das classes dominantes pela fome no mundo é escondida para dar lugar à propaganda de que as a atual agricultura capitalista é muito produtiva. Que tanto a pequeno agronegócio familiar quanto o grande agronegócio imperialista são muito produtivos. O que diz mais a propaganda? Que o problema da fome do mundo não está na produção agrícola de mercadorias capitalistas, mas na repartição do produto agrícola. Diz, finalmente, que os pobres passam fome porque não têm acesso à abundante produção existente. Trata-se então de um problema político, não da produção voltada para o mercado e para o lucro. Como o próprio caráter fetichista da mercadoria, a propaganda enganosa da miserável produção agrícola capitalista circula impunimente.
Mas os números não mentem. Segundo cálculos de especialistas em economia agricola – independentes de coisas como FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), Banco Mundial, OCDE, OMC e outras instituições burocráticas imperialistas – a produção mundial dos três principais alimentos de base no mundo é largamente insuficiente para se eliminar ou mesmo diminuir a fome da população mundial. Para alimentar em quantidade e qualidade a população mundial –aproximadamente 7,5 bilhões de pessoas, em Junho/2016 – seria necessária a produção anual de aproximadamente 13 bilhões de toneladas dos alimentos de base. Entretanto, os dados mais recentes do USDA (sigla em inglês para Departamento de Agricultura dos EUA), publicados em Maio/2016, indicam que a produção mundial dos principais grãos – trigo, milho e arroz – alcançou míseros 2,185 bilhões de toneladas métricas na safra 2015/16. Somada a produção da leguminosa soja (315,8 milhões de toneladas), alcança aproximadamente 2,500 bilhões toneladas. Veja mais detalhes no quadro abaixo.
A espécie humana precisa produzir cinco vezes mais do que atualmente para se reproduzir. Para alcançar esse objetivo bastaria que as sete maiores economias produtoras de alimentos do mundo produzissem com a mesma produtividade agrícola (produção por habitante) que a agricultura dos EUA, economia de ponta do sistema. Enquanto nos EUA a produção agrícola per capita (318,9 milhões de habitantes) alcança 1,61 toneladas por habitante, na média mundial (7,5 bilhão de habitantes) alcança míseros 0,33 ton. Quer dizer, a produtividade média mundial é de aproximadamente um quinto da estadunidense. Esta é uma importante arma de dominação imperialista dos EUA sobre o resto do mundo, incluindo as demais economias dominantes da União Europeia, Japão, etc. E quanto mais eles se utilizam desta técnica superior e se apropriam do superlucro no comércio internacional mais travam ou destroem a agricultura dos seus concorrentes.
Outras produções per capita dos maiores produtores mundiais: China (0,37 ton. per capita); Índia (0,15); Brasil (0,95); Argentina (2,24); Rússia (0,42). Deve-se observar que a produtividade relativamente elevada da agricultura no Brasil (60%) concentra-se principalmente no seu enclave agroexportador da soja. A produção dessa oleaginosa centraliza sua principal atividade agrícola, como se verifica na tabela acima. Neste produto, a produtividade ultrapassa a dos EUA. Entretanto, enquanto os EUA destinam 40% da sua produção de soja para o mercado externo, o Brasil destina 60%, através de grandes empresas globais, como Bunge, Cargill, etc. A Argentina destina apenas 20%.
Nas demais produções de cereais – milho, arroz e trigo – destinadas principalmente ao mercado interno em todas as economias mundiais, tanto a produção quanto a produtividade agrícola brasileira é minúscula perto da estadunidense. Sua produção anual de milho (81 milhões de ton.), seu principal alimento de base, equivale a apenas 23% da produção estadunidense (345 milhões de ton.). Enquanto a produtividade per capita do milho no Brasil é de 0,39 ton., nos EUA é de 1,1 ton. Brasil figura no comércio internacional como grande importador de trigo e arroz, em grande parte da Argentina. Em resumo: comparado com os EUA, que dispõe de território, população e quantidade de terras férteis de magnitude próxima ao do Brasil, a produção agrícola deste último é um grande fracasso histórico das suas classes dominantes. E deve continuar assim, deitada eternamente em berço esplêndido, enquanto predominar globalmente o regime capitalista de produção.
Os acordos de livre comércio dos EUA com o resto do mundo promovem três fantásticos movimentos simultâneos: aumenta suas exportações agrícolas, destrói a agricultura dos seus parceiros comerciais e espalha maior miséria pelo mundo. Esse efeito nefasto vai aumentar ainda mais. Vejam, por exemplo, a perigosa encruzilhada que a grande economia monopolista de cereais no comercio internacional apresenta para as decadentes potências europeias (França, Alemanha, Inglaterra…).
A produtividade agrícola da supostamente desenvolvida União Europeia (507 milhões de habitantes) não passa de 0.41 ton. Pouco acima da média mundial. Apenas um quarto da poderosa máquina agrícola estadunidense. O que vai acontecer com a agricultura europeia se suas decadentes burguesias sucumbirem ao Acordo de Livre Comércio e Investimento entre EUA e União Europeia (TTIP ou TAFTA, siglas em inglês) que Washington quer enfiar pela goela ao velho continente? O mesmo que aconteceu com o México, cuja produção do seu alimento de base (milho) foi sucateada pela NAFTA (North American Free Trade Agreement ou Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), ratificado em 1993.
Pouco mais de vinte anos depois, o México apresenta, na safra atual, uma produção residual de milho de 24 milhões de toneladas. População a ser alimentada: 122,3 milhões de pessoas. Produção per capita: 0,20 toneladas. Um oitavo da estadunidense. Pouco acima da Índia. Miséria. Dentre as maiores economias do mundo, México e Índia apresentam os menores salários. O México importa anualmente dos EUA mais da metade do que restou da sua produção interna de milho: cerca de 12 milhões de toneladas importadas na atual safra, segundo as mais recentes projeções do USDA. A economia mexicana morreu. Tornou-se mero entreposto comercial de drogas e de maquiladoras industriais.
Voltemos para a Europa. Cada vez mais miserável Europa. A baixa produtividade da sua agricultura a aproxima do destino até agora reservado para as economias dominadas do mercado mundial. Como México, Índia, Brasil, China… A civilização se volta contra seus criadores. A fome toma conta da Europa. Mas o passo final da tragédia dentro de poucos anos – como ocorrido no México, América Latina, África, Ásia – ocorrerá com a pulverização do que ainda resta da sua tradicional agricultura pelo fogo pesado das grandes empresas agrícolas norte-americanas destrutivas de velhas tradições. Ao contrário da propaganda enganosa do imperialismo e da moderna propriedade fundiária de que a tendência do livre comércio é aumentar a capacidade produtiva de alimentos em todo o mundo, a Europa comprovará na prática o efeito totalmente oposto de uma catastrófica homogeneização global da fome e da miséria características do modo capitalista de produzir alimentos.
Esse processo altamente destrutivo do livre comércio – exatamente para o qual foi criada a assim chamada União Europeia – deve coincidir com os grandes choques cíclicos da economia global. O choque mais poderoso dos últimos setenta anos explodirá nos próximos trimestres. As imposições imperialistas dos EUA pelo acordo de livre comércio de grãos e derivados no Atlântico Norte multiplicarão por dez a “insegurança alimentar” que já se mostra com mais clareza desde o último choque de 2008/2009 em metrópoles imperialistas como Alemanha, França, Itália, etc..
A face mais assustadora de uma crise geral é, primo, o derretimento do valor das mais fortes moedas conversíveis do sistema; e secondo, o desabastecimento agrícola e a fome nas grandes cidades. A última vez que isto aconteceu foi na virada dos anos 1920/30. Pode acontecer novamente, caso o próximo choque desemboque em uma crise geral. Mas neste cenário (ainda o menos provável) o derretimento da moeda e dos títulos públicos, simultaneamente ao desabastecimento de alimentos, ocorrerá em todas as partes do mundo. Inclusive nos EUA, no próprio país que monopoliza a maior produção, a mais elevada produtividade e a mais implacável política imperialista de destruição da agricultura mundial.
2 thoughts on “Observações acerca da produção mundial de alimentos”
Comentários estão fechados