terça-feira, outubro 29, 2024
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Produção travada na periferia

por José Martins, da redação

Ainda é comum se ouvir de economistas e de grandes organismos econômicos internacionais como FMI, Banco Mundial, etc. que os “emergentes” Brasil, Rússia, Índia e China (conhecidos como Brics) são a nova locomotiva da economia mundial. Quase um ano atrás, já tratamos dessa veleidade no boletim nº 1064 Mudanças na Economia Mundial, Maio 2011, discorrendo sobre uma importante característica do atual período de expansão global – de um lado, produção travada na periferia do sistema, incluídos os Brics; de outro, expansão das principais economias dominantes, EUA, Alemanha e Japão.

Essa ousadia de expor cruamente a realidade ainda não tão visível a olho nu nos custou, na época, sérias contestações de queridos leitores. É bom ser contestado criticamente no próprio momento em que de afirma alguma coisa.

E o tempo passou. Agora, neste primeiro trimestre do ano, começa se formar certo consenso que os Brics estão perdendo o brilho. Veja o que se passa com China e Brasil. De repente, a segunda e a quinta economia mundial apresentam uma estranha doença – uma espécie de paralisia industrial que pode travar a sagrada acumulação do capital nestes territórios de caça do imperialismo.

O importante neste diagnóstico é que nenhuma das duas economias apresenta ameaçadores problemas financeiros ou fiscais, como ocorre na periferia da eurozona. Os fundamentos macroeconômicos de Brasil e China estão robustos, diriam os economistas. Então, podemos dizer, o buraco é mais endógeno. O problema está na produção industrial, quer dizer, nos fundamentos mais internos da valorização do capital nas duas maiores economias da periferia.

 

UM PEQUENO ABALO – No dia 22 de Março, quinta-feira, o mercado mundial acordou assustado com a notícia que a produção industrial na China está a encolher celeremente: “O impulso econômico da China desacelerou em março na medida em que a atividade industrial encolheu pelo quinto mês consecutivo, deixando os investidores assustados com os riscos para o crescimento global e prevendo novos incentivos da política monetária de Pequim. O índice preliminar de gerentes de compras do HSBC, o mais recente indicador da atividade industrial da China, caiu para 48,1, da máxima de quatro meses em fevereiro de 49,6. As novas encomendas afundaram para uma mínima de quatro meses, uma recuperação esperada nas encomendas de exportação não apareceu e as novas contratações despencaram para uma mínima de dois anos”. [1]

A notícia não levou as bolsas do mundo à catástrofe, apenas perderam no dia um pouco da gordura acumulada nas últimas semanas. Somada à notícia vinda da Europa de que a dívida da Espanha pode seguir o caminho do calote grego, os rescaldos do pessimismo da véspera ainda pressionavam para baixo os índices na manhã de sexta-feira, 23. No período da tarde, entretanto, já voltavam a subir, tanto na bolsa dos EUA quanto nas europeias. O susto tinha passado.

 

DA MAROLINHA AO TSUNAMI – Enquanto isso, no Brasil, não se fala de outra coisa da economia que não seja a “desindustrialização” do país. E a produção real continua caindo. A doença parece tão grave (e misteriosa) que a presidenta da República convocou uma pomposa reunião com os trinta maiores capitalistas do país para entender o que está acontecendo. Pelo nível mental dos presentes não se podia esperar muita coisa, o que acabou lamentavelmente se confirmando.

Todos saíram da reunião esclarecendo menos ainda da natureza da doença do que quando entraram. Para a presidenta, o antigo diagnóstico da “marolinha” já foi arquivado e solenemente substituído pelo do “tsunami monetário”. E atiçou o “espirito animal” dos capitalistas presentes, com ares de orgulhosa discípula de Keynes, o guru dos burocratas de Estado. Nem nas reuniões da época de Lula da Silva havia tanta demonstração de sapiência econômica.

Mas como exigir algum tipo de atitude civilizada aos obesos e cartoriais capitalistas da mais-valia absoluta, cuja leitura econômica mais profunda se resume a Maílson da Nóbrega e Miriam Leitão? Saíram da reunião rosnando desarticulações mentais em torno de nauseantes paranoias e lugares comum – câmbio sobrevalorizado, impostos excessivos, concorrência externa desleal, guerra comercial, tsunami monetário, é claro, e um monte de outras bobagens.

A natureza do travamento da produção da burguesia cucaracha da 5ª maior economia do mundo (do mesmo modo que a da 2ª maior) é um mistério que só pode ser esclarecido melhor observando-se a dinâmica do desenvolvimento desigual e combinado da acumulação capitalista no mercado mundial. Essa dinâmica não é regulada na periferia, mas no centro do império. E lá está ocorrendo muita coisa nova que vale a pena analisar. Vamos para lá?

[1] Reuters – “China factory activity falters, markets take fright” [Atividade industrial chinesa se enfraquece, mercados se assustam]– 22/Março/2012  http://www.reuters.com/article/2012/03/22/us-china-economy-pmi-idUSBRE82L09820120322