sábado, abril 27, 2024
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Butter or Guns? Os Capitalistas Preferem os Canhões

por José Martins, da redação

Países de todo o mundo estão reagindo com extrema rapidez à guerra entre a Rússia e OTAN, primeira guerra de alta intensidade da Europa desde 1945; reavaliando tudo, desde a restauração da produção de centenárias indústrias de guerra, estoques de munição, até linhas comerciais de abastecimento contínuo. Esqueça os dividendos da paz de cemitérios dos últimos oitenta anos de globalização ampliada do capital. Venha para o mundo da desglobalização do capital e da globalização da guerra imperialista.

Apenas um ano depois do início das hostilidades no território ucraniano, um movimento tão germinal de rearmamento global das maiores potências ainda aparece pouco nas estatísticas oficiais e nas próprias publicações da mídia capitalista. Mas já é possível minerar alguns importantes fatos e números que ilustram o movimento.

Começando pela economia. Dados do mais recente relatório mensal  “Industrial Production and Capacity Utilization” , do Federal Reserve Bank, banco central dos EUA, indicam que a produção industrial da maior economia do planeta continua absolutamente estacionada, desde a crise parcial 2008/2009.

Este quadro de longo prazo da acumulação do capital mostra o seguinte: até 2008/2009, todos os ciclos periódicos de superprodução de capital acabaram sendo superados (e a crise catastrófica evitada) com sucessivas recuperações e fases de expansão da produção industrial globalizada e definitiva realização do exército industrial de reserva na totalidade da crosta terrestre.

Resultado na dinâmica dos ciclos econômicos: produção e acumulação do capital (curva capacity no gráfico acima) em permanente elevação periódica sobre os picos dos ciclos anteriores. Entretanto, como aparece na curva acima, este “automatismo” dos tolos começou a falsear a partir de 2009/ 2010.

O mais recente período de expansão e de luta dos governos capitalistas pela superação da crise geral – 2009/2023 – foi muito especial. Pela primeira vez no período pós-guerra (1945) a expansão do capital não foi acompanhada por uma necessária elevação da dupla fundamental de existência da produção e reprodução de capital.

Tanto a capacidade instalada (acumulação do capital) quanto a produção industrial (massa de valor e de mais-valia) não ultrapassaram os picos do ciclo anterior (2002/2009). O capital global estacionou na lei do valor trabalho. Abre-se um raro período de estado estacionário. Sem reprodução ampliada a globalização estiola..

É bom lembrar que nenhum estado estacionário – o sonhado “crescimento zero” dos economistas malthusianos de Estado – pode ser mantido em banho-maria por muito tempo apenas pela política fiscal e monetária. Os juros e o crédito espanam a rosca muito cedo no vazio de potência da valorização e da acumulação industrial.

Do mesmo modo o anacrônico planejamento estatal. Ao contrário das fantasiosas ideias dos burocratas de Estado, a lei do valor é incontrolável. Ou se elimina de um golpe o próprio Estado, o mercado e o capital, com os amigos do povo junto, ou ela continua soberana.

A atual desglobalização secretada pelo estado estacionário, também não acontece impunimente. A ingovernabilidade da paz dos cemitérios se propaga com um rastilho de poeira atômica nas relações internacionais. America First, de Trump, Building a Better America, protecionismo, nacionalismo, armamentismo, guerras. O armamentismo antecede as guerras. A política econômica é invadida e abafada pela política da guerra.

As mudanças ou consequências definitivas desta nova era da desglobalização apareceram mais visivelmente para a opinião pública no decorrer do ano passado. Nos últimos três trimestres, principalmente, aconteceram importantes pontos de virada na atual dinâmica econômica.

O primeiro ponto de virada foi um forte abalo material na produção industrial. Quer dizer, depois de dez anos de administração fiscal e monetária dos capitalistas para segurar o estado estacionário, manifestou-se concretamente uma irreversível tendência ao desabamento da produção manufatureira industrial nos EUA e na totalidade do mercado mundial.

Os economistas do capital procuram negar o processo. Janeth Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, por exemplo, observa este mesmo processo de derrocada econômica de maneira frontalmente diferente: “A economia global está em um lugar melhor hoje do que muitos previam meses atrás”, declara Yellen, na quinta-feira (23), reiterando seus pedidos de apoio à Ucrânia na véspera do aniversário de um ano da guerra OTAN contra Rússia. A narrativa dos funcionários do capital funde a economia com a guerra. A indústria  torna-se um complexo industrial militar.

Os comentários de Yellen, que antes de participar do governo Biden sempre pareceu uma economista sensata, foram feitos em coletiva de imprensa em Bengalori, Índia, onde se reúnem os ministros das finanças e presidentes de bancos centrais do Grupo dos 20 maiores países (G-20). Falaram mais da guerra do que da pura economia.

Seus comentários destacam uma mudança de tom nas perspectivas econômicas globais desde a última vez que os principais dirigentes da economia mundial se reuniram, em outubro passado. Coincidem com a grande maioria dos economistas das principais praças financeiras globais (começando por Wall Street) e também do Fundo Monetário Internacional (FMI), que apenas algumas semanas atrás também disse que viu um “ponto de virada” para a economia global e elevou sua perspectiva de crescimento pela primeira vez em um ano.

Tinha razão Nelson Rodrigues, brilhante crítico da moral e bons costumes pequeno-burgueses, quando dizia que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.

Para estes economistas da superficialidade dos juros e do capital fictício, suas igualmente fictícias afirmações já valem como sua comprovação prática.  Os políticos mais proeminentes do sistema também não ficam atrás. Como Joe Biden, presidente dos EUA, que em sua conta Twitter, nesta semana, afirmou triunfalmente: “Fizemos muito progresso nos últimos dois anos. Empregos subiram, salários subiram, e inflação caiu.”

Parece que esses milagrosos resultados da sua administração da economia não foram suficiente para evitar a queda fulminante de sua popularidade nas pesquisas de opinião pública, em que sua taxa de rejeição pela população bate um recorde nos últimos 50 anos.

O fato é que, no chão duro do mundo real, números e fatos que os próprios economistas do capital publicaram nesta semana no relatório do Federal Reserve Bank desmentem suas opiniões pessoais acerca da atual situação econômica dos EUA e do mundo.

EUA: Produção Manufatura Industrial – variação (%) trimestral, 2022.

 

 

 

2º Tr.

 

3º Tr.

 

4º Tr.

Jan.22 a Jan.23
Produção Industrial   5.0 1.3 – 2.4 0.8
   Bens Duráveis   5.1 0.9 – 3.5 1.1
      Máquinas – 4.8 – 2.9  0.5  – 1.8
      Veículos e acessórios 25.1 5.6 -2.9  4.7
   Defesa e Aeroespacial   7.3 6.8 12.6 10.6

O que esses números mostram é um claro movimentos de ruptura no interior da atual dinâmica cíclica. Começando pela abrupta desaceleração na totalidade da produção industrial no 3º trimestre/2022 (- 2.4%); estacionada em 0.8% sobre o mesmo mês do ano anterior.

A desaceleração da produção se mostra mais intensa no setor de bens duráveis, onde se concentra os ramos e empresas lideres que regulam todo o processo de valorização da economia – produtividade, composição orgânica, taxa de acumulação, capacidade, preços de produção, taxa média de lucro, etc.

Nestes últimos doze meses, o setor de bens duráveis desliza catastroficamente: do alto de uma taxa de 5.1% de crescimento no 2º Trimestre/2022 para as águas congeladas de – 3.5% abaixo de zero no 4º Trimestre. Os ramos altamente cíclicos de Máquinas e o de Veículos e Acessórios seguem o mesmo curso catastrófico.

Mas salta aos olhos uma notável exceção. A explosão histórica do setor Defesa e Aeroespacial – expansão de 12.6% no 4º trimestre e de 10.6% de janeiro/2022 a janeiro/2023 – contrasta sem pedir licença ao derretimento do restante da indústria. Este é o segundo ponto de virada histórico na atual dinâmica cíclica do capital.

Butter or Guns? O que é mais conveniente produzir na economia do capital: manteiga ou canhão? Essa questão fundamental foi destacada até pelos mestres da economia liberal neoclássica. Samuelson e Nordhaus, por exemplo, logo nos primeiros capítulos de seu clássico Introdução à Economia (1948), que até hoje ajuda a formar milhões de estudantes de Economia em todo o mundo. Para o bem ou para o mal o “samuelzão” está cravado na cultura e nas memórias juvenis de todas essas criaturas denominadas economistas.

Na real, a questão é explosivamente respondida e ilustrada pelos números e gráficos do mesmo relatório sobre a evolução da capacidade e produção industrial nos EUA: uma explosiva produção de meios de destruição acontecendo paralelamente à derrocada da produção de meios de consumo individuais, incluindo alimentos.

Brilha a atualidade da teoria de Rosa de Luxemburgo sobre os esquemas de reprodução do livro II de O Capital (Processo de Circulação do Capital), onde ela estabelece com clareza como se desenrola este movimento orgânico da produção de armamentos no regime capitalista de produção, particularmente nos momentos históricos de crise catastrófica e estado estacionário.

Além dos três departamentos da reprodução do capital estabelecidos por Marx ( Dep. I Meios de Produção; Dep. II Meios de Consumo; e Dep. III Bens de Luxo – ela acrescenta o Dep. IV Meios de Destruição.

Mas não temos condição de aprofundar no espaço restrito deste já estendido boletim outras considerações teóricas de Rosa, que nos orientam programaticamente na prospecção das condições imediatas do ciclo econômico. Continuemos focados, portanto, cm nossas observações dos fatos e das contorções do ser capital nas condições imediatas atuais.

Na tentativa de sustentar o estado estacionário da reprodução do capital, abafar a crise geral irrompida no 2º semestre/2019, lutar contra a deflação dos preços e dos lucros das empresas privadas, as diversas burguesias nacionais responderam exogenamente com os instrumentos políticos da mais voluntarista política fiscal e monetária jamais ocorrida na história do regime capitalista de produção.

Capitaneadas pelo Tesouro dos EUA e pelo Federal Reserve Bank (Fed), as diversas burguesias nacionais inundaram suas empresas com volumes diluvianos de moeda e crédito. Funcionou por certo tempo. Agora não funciona mais.

Não eliminaram nem a deflação, nem a armadilha da liquidez. Criaram, na verdade, uma mega inflação de moeda e de crédito, cujo combate antecipa, para qualquer momento dos próximos trimestres, um crash correspondente (e igualmente bíblico)  nos mercados de capital fictício de rendas variáveis (bolsas de valores) e de rendas fixas (títulos ou dívidas do Tesouro).

Os economistas do sistema esperavam que ocorresse, como era comum nos ciclos passados do período pós-guerra, que os gastos e incentivos exógenos da política econômica fossem virtuosamente acompanhados pela recomposição endógena das condições de exploração (taxa de mais-valia) e de valorização do capital global, suficiente para a superação da crise cíclica e retomada de um novo ciclo e período de expansão.

Não adiantou esperar por Godot. Godot está morto. Desta vez, a salvadora resposta endógena do capital não veio como nos ciclos anteriores. Novas condições da luta de classes no interior das principais potências e de ingovernabilidade global (imperialismo e desglobalização) foram a pedra no meio do caminho da outrora invencível regulação política e do ilusório automatismo dos ciclos econômicos. O que se afirma na prática, sem descuidar das orientações de Rosa, é que “a economia do imperialismo leva necessariamente à guerra imperialista”.

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