quinta-feira, outubro 31, 2024
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Uma inextricável crise econômica

 

por José Martins, da redação

Como tortura de água pingando. É assim que uma inteligente economista de Wall Street (coisa raríssima) define o futuro da política econômica e da própria economia dos EUA, depois do pronunciamento de Jerome Powell no Simpósio Anual de Jackson Holle, na sexta-feira (26).

Esqueça um pouso suave da maior economia do mundo. No seu pronunciamento, equivalente a uma bula papal para todos os capitalistas e economistas do mercado mundial, o presidente do Federal Reserve Bank (Fed, banco central dos EUA) bateu o último prego na tampa do caixão de uma era econômica que não volta mais.

Urbi et orbi – de Wyoming para o mundo, a todo o universo. O grande e todo poderoso oráculo do capital global anuncia com todas as letras que está agora buscando “algo muito mais doloroso” do que o mercado imaginava para acabar com a elevada inflação que assusta o mundo.

O problema é que mesmo esta disposição de falcão de quem falava até recentemente como pomba não é mais suficiente. Esta “coisa muito mais dolorosa que uma aterrissagem suave” é um enigma que os economistas de mercado não conseguem decifrar.

Na falta de clareza, a nova situação anunciada por Powell está sendo chamada pelos economistas pelo nome paradoxal de “recessão de crescimento”. Quer dizer, ao contrário de um pouso suave e recuperação imediata do crescimento, como a economia vulgar imagina que sempre acontece, ocorrerá doravante um período prolongado de crescimento escasso e desemprego crescente. Mas, eles especulam, não chega a uma contração total da economia.

Os capitalistas nunca perdem o otimismo. Nem com o longo prazo. Mas é bom eles se preocuparem de verdade, pois a situação atual é a ilustração perfeita do conceito que economistas sérios como Smith, Ricardo, Stuart Mills, etc. chamaram de estado estacionário.

Apaga-se o fogo da acumulação do capital. Cessa tudo o que a antiga musa canta. Coisa realmente muito mais grave que aquela inócua “recessão de crescimento” sem grandes consequências dos teóricos da superficialidade.

Entretanto, o mundo vira de ponta cabeça. Um giro de alavanca que já começa a ser sentido pela população esfomeada por trigo, moradia e aquecimento em Nova York, Londres, Xangai, Tóquio, Berlim, Paris…

Potencialmente, anestesiado temporariamente pela política econômica dos governos centrais, esse desvanecimento catastrófico do capital já estava presente desde o último trimestre de 2019 quando se inaugurou o atual período de crise periódica do capital.  Apenas não havia se manifestado com toda sua força, o que começa a ocorrer desde a recente virada para o 1º trimestre de 2022.

Assim, ao contrário do que vai aparecer para o senso comum como obra de uma decisão pessoal do oráculo Jerome Powell e seus colegas do Fed, o crescimento zero da acumulação – uma derivação prática da reprodução simples do capital, como descrito por Marx – não será, fundamentalmente falando, resultado desta severa elevação das taxas de juros e aperto monetário anunciado em Jackson Holle.

A paralização catastrófica da acumulação não se manifesta como resultado certo ou errado da política econômica, mas endogenamente, pela própria dinâmica da mão canhestra do mercado. Como inexplicável limite da virtuosa mão invisível de que falava Smith.

Nesta situação, sem levar em conta e muito menos entender o conceito que explica a atual variação dos preços, os capitalistas e seus economistas tentam descobrir um meio de se defender da sua manifestação prática, desta inextricável crise que se avoluma no horizonte.

É o caso de Diane Swonk, economista-chefe da KPMG LLP, que também participou do simpósio anual do Fed em Jackson Hole: “Powell enterrou o conceito de pouso suave” com seu discurso de 26 de agosto em Jackson Hole, Wyoming, diz ela. Agora, “o objetivo do Fed é reduzir a inflação diminuindo o crescimento abaixo de seu potencial, que as autoridades estimam em 1,8%”.

E conclui assim a inteligente economista: “É um pouco como tortura de água pingando”. “É um processo torturante, mas menos torturante e menos doloroso do que uma recessão abrupta.” diz Swonk.

Mas pode ser também muito mais doloroso que uma “recessão abrupta”. É o mais provável. É por isso que a mudança na mensagem e na postura de Powell (de pombo para falcão) está deixando Wall Street com o ar muito mais pesado que em outras crises. Os preços das ações caíram desde que o presidente do Fed prometeu “fazer o que for preciso” para livrar a economia da insustentável inflação atual.

Quando a economia foi internada na UTI em 2020, eles diziam que “fariam o que fosse possível” para evitar a deflação e o desemprego. Na real, eles fizeram uma clássica política fiscal e monetária anticíclica.  “Produzir” a inflação dos preços de mercado e se contrapor à tendência deflacionária da taxa geral de lucro embutida nos preços de produção. E esperar para que o carro desse de novo a partida.

Mas a política econômica anticíclica também tem datas de validade. O carro não pode ficar afogado em mercadorias simples por um tempo indefinido. O processo de valorização tem que ser retomado em um prazo de poucos trimestres. Mas o fato é que tudo isso depende da luta de classes, não das decisões dos burocratas dos tesouros e dos bancos centrais.

Em geral, só um crescente e ininterrupto aumento da produtividade do trabalho, quer dizer, da taxa de mais-valia, pode garantir a reprodução ampliada do capital. Esta é a lei geral da acumulação capitalista. Em particular, qualquer recuperação cíclica atual da produção mundial depende de uma taxa de mais-valia muito superior à que existia no ciclo anterior (2009/2019).

Só o aumento da exploração e da miséria da classe operária internacional salva o capital.  Se, no chão duro das fábricas, minas e plantações as burguesias e demais classes dominantes nacionais não forem capazes de efetivar as novas condições de exploração da classe operária internacional (produtividade) a um nível muito superior ao que existia no ciclo anterior, a mera expansão da moeda e do crédito (demanda, solvência das empresas, etc.) perde a efêmera capacidade de regulação ou estabilidade do mercado.

O buraco é mais em baixo. Essa demora na retomada das condições endógenas de valorização do capital tem um indesejado resultado para os proprietários, rentistas e demais parasitas do sistema: a crise parcial torna-se crise geral. Os distúrbios atuais da circulação monetária, e a inflação é um destes distúrbios mais populares, atingem níveis políticos e sociais insuportáveis na superfície do mercado: “crise do custo de vida”, desabastecimento dos meios necessários à reprodução da força de trabalho, guerras, etc.

Agora eles dizem que “vão fazer o que for preciso” não mais para produzir, mas para abaixar a inflação dos preços de mercado que os próprios capitalistas (antes de seus governos servis) criaram com todo o voluntarismo do mundo. Fizeram direitinho a única coisa que eles podiam fazer. E fracassaram.

Não foram capazes de evitar que a crise parcial se ampliasse para uma crise geral. É exatamente este fracasso que Jay Powell acaba de confessar para todos o principais dirigentes dos bancos centrais do mundo, em seu realista pronunciamento no simpósio de Jackson Holle, na sexta-feira da semana passada.

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