sábado, abril 27, 2024
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Turning Point

por José Martins, da redação

Há um cheiro de pólvora no ar; incontrolável inflação de ativos financeiros, de índices de preços, de rebeliões sociais e, mais recentemente, até de guerra mundial. Uma irredutível pletora de capital cobre a crosta terrestre.

Nesta metade do 1º trimestre de 2022, a economia e a política mundial balançam na cadência de um novo e raro turning point, de um raro ponto de virada. Cada imagem ou cada número que se observa conta uma história de mudança. Com prazo para terminar no desenrolar do primeiro semestre deste ano.

Não para cima, mas para baixo. Com potencial de estragos irreparáveis na aparentemente invencível máquina capitalista de globalização da produção dos últimos quarenta anos.

A crise periódica de 2008/2009 abriu esse processo de virada. Abriu o vaso de Pandora. Agora, o atual período de crise cíclica, iniciada no último trimestre de 2019, roda com imagens mais fortes e com números mais contundentes uma particular história de mudança: como um criativo esgotamento das forças da globalização estabelecidas há mais de 40 anos, na passagem dos anos 1970 para 1980.

A atual perda de força da capacidade de produção e de reprodução ampliada do capital no mercado mundial aparece então como um agressivo ponto de virada do atual período de “globalização” do capital. Desde 2008/2009, o pêndulo do capital se move para o modo “desglobalização”.

 Importante regra teórica: são os choques cíclicos e periódicos de superprodução do capital que determinam a dinâmica da economia e suas imprevisíveis transformações estruturais.  Assim, este último período de mais de 40 anos de aprofundamento da globalização, que mudou a crosta econômica e social terrestre, também nasceu como resposta violenta e de autodefesa dos capitalistas ao famoso double-dip,  àquela crise periódica de duplo mergulho ocorrida entre 1979 e 1982.

Aquele duplo mergulho moldou a mais importante crise capitalista do pós-guerra (1945).  Foi o gatilho para mais um histórico ponto de virada nas condições protecionistas que amarravam o livre comércio e acumulação do ser capital.

As consequências (ou subprodutos) mais popularmente conhecidas daquele ponto de virada de 1980 foram inesgotáveis: neoliberalismo econômico, desmantelamento da “social democracia” nas economias dominantes, integração definitiva dos sindicatos ao Estado, banalização da política, desregulamentações das regras protecionistas, reforma liberalizante do sistema financeiro e monetário mundial, anexação da China pelos EUA ao mercado mundial, cadeias produtivas globais, desmantelamento do Pacto de Varsóvia, fragmentação do império russo do pós-guerra, queda do muro de Berlim, fim da “guerra fria”, anexação do leste europeu ao mercado mundial, “redemocratização” da América Latina, etc.

Naquele momento do governo Carter, o presidente do Federal Reserve Bank era Paul Volker, que ficou famoso pelo seu método nem um pouco ortodoxo para fazer baixar uma inflação anual de 14 % em seu pior momento. Agora, como veremos mais abaixo, o “fantasma de Volker” volta a assombrar os espíritos animais de Wall Street.

De maneira semelhante, mas não igual, o novo ponto de virada atual se manifesta agressivamente como um processo em pleno desenvolvimento, e enquanto estivermos nele a volatilidade nos mercados financeiros e de capitais  será elevada.

É este processo que define a evolução da conjuntura do 1º semestre de 2022. Para manter a roleta girando os economistas e comentaristas da grande mídia exclamam felizes que esta elevada volatilidade dos mercados cria também grandes oportunidades para os traders.

A despeito dos economistas e da mídia a volatilidade dos mercados aumenta. Os capitalistas tentam salvar suas carteiras supervalorizadas como aqueles personagens de desenho animado correndo da beira do precipício. Enquanto esses parasitas do capital fictício não perceberem que não há chão sob seus pés, eles ainda poderão continuar correndo no ar. Mas quando olharem para baixo, eles despencarão.

E quando isso acontecerá? Quando o Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) e o próprio Congresso começarem efetivamente a desativar os providenciais mecanismos anticíclicos que até agora funcionaram para evitar a passagem da crise parcial atual para a crise geral (depressão): manutenção da taxa básica de juro próxima de zero, aumento monumental dos gastos do Tesouro,  renúncias fiscais diretamente aplicadas no coração da produção industrial,  espantosa expansão monetária (M2), ampliação da ação direta do Fed nas empresas condenadas do sistema para inundá-las de crédito, etc.

O que se observa, mais uma vez, é que a autonomia política dos homens frente à base material é altamente relativa. Efêmera. Não sobrevive além de um prazo determinado pela particular evolução de um ciclo. As diferentes evoluções dos fatores endógenos da acumulação sempre se impõem aos fatores exógenos – nestes últimos se sobressaindo as políticas fiscais, monetárias, e outras formas burocráticas de regulação estatal.

Agora, neste exato início de 2022, o voluntarismo da política econômica encontra mais uma vez seus limites concretos. A pressão para abrir a guarda anticíclica é insuportável. Manifesta-se na superfície do mercado. Como fulminante infação dos preços.

Em dezembro de 2020 a taxa anual de inflação estava próxima de 2,3%. Foi preciso que esta taxa se elevasse para 7% doze meses depois para que fossem acionadas todas as sirenes de incêndio na sala do no break de Jerome Powel (Fed) e Janet Yellen (Tesouro).

A dupla de ouro da regulação anticíclica jogou a toalha. E abandonaram sua altamente contestada tese de que a elevação dos preços se tratava de um “fenômeno provisório” e que desapareceria naturalmente. Estavam falando sozinhos.

Foi na prática uma confissão de que as decisões fugiram da vontade e, o mais importante, do controle de Yellen e de Powel. E, mais importante ainda, do controle de Biden, presidente do país, cuja popularidade cai na mesma velocidade com que a inflação aumenta.

Perigoso resultado desta pendenga toda: doravante, nos próximos trimestres, não haverá racionalidade na política econômica dos EUA. Não depende mais da vontade do governo a utilização de mecanismos anticíclicos.

Fica prorrogado sine die a reativação dos estímulos e implantação daqueles trilionários pacotes fiscais de Biden, etc. Não passa mais nada de gastos no Congresso. Acabou a gastança. E as incertezas dos capitalistas aumentam.

Já demoraram até demais para elevar as taxas de juros, dizem os zelosos economistas do sistema. E até demais, também, para eliminar o easy money (US$ 120 bilhões por mês) e enxugar o balanço do Fed (US$ 10 trilhões), Assim, estes eunucos da superficialidade acabam transformando esta “demora” de Powel na causa da atual explosão inflacionária na economia.

Antes era o Covid o responsável pela inflação, mas agora é a “demora do Fed” em elevar a taxa de juros. É o que afirma com todas as letras o economista Laurence Summers, oráculo dos homens do mercado, que em recente entrevista fechou a tampa e bateu o prego no caixão da política monetária do Fed:

“Tenho criticado o Fed durante a maior parte do ano por sua falha em reconhecer que a inflação se tornou, desde a primavera passada, a mais séria ameaça de curto prazo enfrentada pela economia americana, e estou muito feliz em ver sua política girar. Eles costumavam dizer que não aumentariam as taxas de juros até 2024. Agora, eles estão dizendo que haverá vários aumentos de taxas em 2022. Acho que isso é bom. Mas sou bastante cético de que aumentos nas taxas de juros que ainda deixarão as taxas de juros reais negativas – isto é, taxas de juros abaixo das taxas de inflação – serão suficientes para conter as pressões inflacionárias. Não tenho certeza de que a comunidade política tenha enfrentado totalmente a probabilidade de que pelo menos alguma desaceleração econômica seja necessária para que a inflação seja contida”.

Assim como Summers, boa parte do mercado já sente um cheiro de Volker no ar. Aquele cheiro de pólvora narrado no primeiro parágrafo deste boletim aparece no mercado com a máscara funerária de Volker. Ninguém admite, nem quer ouvir dizer que a atual inflação de 7% possa dobrar para a de 14% da era Volker.

Mas então, para onde convergirá a taxa de juros da nova política ortodoxa de ajuste do Fed? Summers sugere em sua entrevista seu ceticismo de que se consiga alcançar taxas reais positivas impunimente. E que para isso aconteça, diz ele candidamente, “talvez alguma desaceleração econômica seja necessária”.

É exatamente isso que vai acontecer. Só não se sabe qual será exatamente o tamanho do tombo. Ninguém sabe. Mas o principal cenário é de que seja large size, tamanho grande. Trataremos desta dimensão da criança nos próximos boletins.

Basta, por enquanto, não perder o fio da análise do período de crise atual: a  “desaceleração econômica” de Summers, agora, seria a retomada da mesma tendência catastrófica que já havia se iniciado em 2019 e que foi temporariamente estancada pelos governos do centro do sistema com as ações anticíclicas mais poderosas do período pós-guerra.

Mas os capitalistas e seus economistas exigem que essas ações sejam canceladas. Dizem que não são mais necessárias. Que “a economia já se recuperou do Covid”. Powel lhes garantiu a poucos dias que serão atendidos.

Powel, Yellen e demais pessoas lúcidas do mundo (poucas, é verdade) sabem que isso terá consequências muito mais graves do que a imprecisa “alguma desaceleração econômica”  a que se refere Summers. Este último também sabe.

Por que isso acontece? Porque depois de dois anos de velocidade máxima, a política fiscal e monetária da economia detentora da moeda padrão de reserva internacional (dólar) perdeu seu prazo de validade. E eles não têm nada para colocar no lugar.

E o mundo começa a perder seu norte. As ideias de guerra civil nos EUA e de guerra entre as potências começam a ser consideradas como possibilidades a não serem mais sumariamente descartadas.

Afinal, a propriedade privada tem que sobreviver. E para isso, nos ensina a professora Rosa de Luxemburgo, a redução das linhas de meios de produção de mercadorias tem que ser compensada pela elevação das linhas de produção de meios de destruição.

A economia do imperialismo leva necessariamente às guerras imperialistas, diz nossa professora. A realidade atual comprova. Vejam, por exemplo, o que está acontecendo agora nos países escandinavos e adjacências.  Suécia, Dinamarca e Finlândia estão armadas até os dentes. “Preparação para a guerra”, dizem elas. É mole?

Então, voltando à vaca fria, o Fed promete que a maior economia do planeta será finalmente removida da UTI para a ala de apartamentos reservados a saudáveis economias, “totalmente recuperadas do Covid”, etc. Espera-se que já no mês de Março o Fed faça a primeira elevação da taxa de juros.

Mas quando isto acontecer, aqueles parasitas do capital fictício também não terão mais gás para continuar correndo no ar e fugindo da beira do precipício. Vão perceber, finalmente, que não há mais chão sob seus pés. E cometerão então o pecado mortal de olhar para baixo.

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