quinta-feira, outubro 31, 2024
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Boa notícia: a economia brasileira à beira da depressão

por José Martins, da redação.

A economia brasileira, que até o primeiro trimestre deste ano ainda voava baixo, como uma galinha assustada, mas pelo menos voava, acabou sendo atropelada pela política econômica de “responsabilidade fiscal” dos capitalistas e voou pena para todo lado. E na virada para o 2º trimestre do ano, o que se passou?

De maneira mais suspeita do que o habitual, como tudo nos turbulentos tempos atuais da política nacional, o outrora respeitável Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou nesta semana à estressadíssima opinião pública nacional que o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 0.4% no segundo trimestre do ano, depois de queda nos dois trimestres anteriores.

Mesmo que não pairasse nenhuma dúvida sobre a seriedade desta inesperada e minúscula “taxa positiva de crescimento”, em outras situações políticas ela seria tratada não mais do que um soluço natural na tendência real de uma economia estagnada. Como já acontecia na era Temer.

Mas, com a maior cara de pau do mundo, os meios de comunicação dos empresários brasileiros encenaram repentina “onda de otimismo” e propaganda midiática. Propagandeiam os empresários que seu governo Boçalnaro teria evitado uma recessão e, principalmente, que essa “volta do crescimento” comprovaria o acerto da política econômica do imperialismo: austeridade fiscal, teto de gastos correntes, reformas, abertura dos portos, privatizações selvagens, etc.

Exatamente a mesma política econômica do imperialismo aplicada na Argentina por seus colegas portenhos e seu formidável governo de Mauricinho Macri.

Como descreve o competente analista econômico José Paulo Kupfer: “Bastou, no entanto, esse pontinho de inflexão, sem nem mesmo certeza de que se firmará, para animar quem já queria ficar animado. Muitos daqueles que, até aqui, culpavam a “herança maldita” dos governos petistas — e até mesmo as travas deixadas por Michel Temer — pelos fracos resultados da economia nos primeiros seis meses do novo governo encontraram no crescimento do segundo trimestre razões para louvar a política econômica de Bolsonaro. O próprio Bolsonaro foi ao Twitter se vangloriar do ‘melhor resultado em 6 anos para o período’. Em nota, a SPE (Secretaria de Política Econômica), do Ministério da Economia, pegou carona no PIB para afirmar que “a estratégia adotada pelo governo, de crescimento com responsabilidade fiscal, vai se mostrando acertada”.

Do voo de galinha da era Temer para o voo de pintinho da era Boçalnaro. Essa é a verdadeira dinâmica econômica nacional criada pelos empresários brasileiros (do campo e da cidade) e guiada por sua inoperante política econômica.

Mas, independentemente deste caráter sobejamente conhecido dessas classes proprietárias brasileiras e também de suas falcatruas estatísticas, a notícia do IBGE de que estaria ocorrendo o primeiro voo de pintinho na economia surpreendeu a todo mundo.

Com toda razão. Acontece que mesmo essa duvidosa e ridícula gorjeta de 0.4% doada pelo IBGE aos donos do país contraria a maioria das pesquisas e previsões de respeitáveis organizações do sistema – como o próprio Banco Central, a Confederação Nacional da Indústria, etc.

Em primeiro lugar, a própria gorjeta. Além de ridiculamente minúscula, uma merreca de 0.4%, mesmo assim ela contraria frontalmente, por exemplo, o ainda respeitável Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br).

Duas semanas atrás, o IBC-Br apontou para a retração da economia brasileira, de 0.2% no segundo trimestre. Abaixo de zero. Apontou, assim, para um quadro de “recessão técnica”, expressão dos economistas para um quadro de crise. Ou seja, três semestres seguidos de queda – retrato desfeito nesta semana com a divulgação do controverso voo de pintinho do IBGE.

Em segundo lugar, e mais importante, essa gorjeta do IBGE é contrariada pela própria estagnação real da indústria nacional no primeiro semestre do ano como um todo – incluindo, portanto, o segundo trimestre.

Esta confissão de que a indústria nacional está estagnada é feita até pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) – núcleo duro do empresariado industrial brasileiro, junto com a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).

Em seu boletim Fato Econômico 9, os técnicos do CNI não apenas se surpreendem mas estranham os dados sobre a indústria nacional embutidos no índice do PIB do 2º trimestre publicado pelo IBGE nesta semana. Em particular o índice de 2% de crescimento da indústria de transformação, em flagrante descompasso com as próprias medições anteriores do IBGE e com as da CNI.

Observação importante: foi esse misterioso salto estatístico de última hora do índice da indústria de transformação que o IBGE tirou do bolso do colete e possibilitou que o índice do PIB do 2º trimestre/2019 não fosse negativo, abaixo de zero.

Em linguagem cuidadosa os técnicos da CNI afirmam que “o crescimento trimestral de 2,0% do PIB da indústria de transformação surpreende, uma vez que os dados de evolução da produção do setor sugeriam uma evolução mais modesta. Na comparação entre o segundo e primeiro trimestre de 2019, sempre utilizando os dados dessazonalizados disponíveis para a indústria de transformação, a Pesquisa Industrial Mensal Produção Física (PIM-PF/IBGE) mostra crescimento de apenas 0,6% da produção. Na mesma comparação, a pesquisa Indicadores Industriais (CNI) registra quedas de 1,5% no faturamento, de 0,2% do emprego e de 0,3% das horas trabalhadas. Dos índices ligados à atividade levantados no Indicadores Industriais, somente a utilização da capacidade instalada mostra evolução positiva, com crescimento de 0,2 ponto percentual. Destaca-se que a Sondagem Industrial (CNI) mostra contínuo acúmulo de estoques indesejados na indústria de transformação desde o início do ano”.

No citado relatório Indicadores Industriais, já computados os dados de junho/2019, portanto do 2º trimestre/2019, a CNI informa em seu título que Indústria fecha semestre em estagnação e também que os resultados de junho/19 dos indicadores industriais mostram, preponderantemente, variações negativas na comparação com maio após os ajustes sazonais.

O problema maior é que essa distorção estatística do IBGE forçada pelo incendiário governo empresarial atual afeta os indicadores do setor mais importante da economia e esconde sua dinâmica real para os próximos trimestres.

Resumo da ópera: é claro que os empresários não se iludem com toda essa propaganda que eles inventaram nesta semana. O estardalhaço midiático que se assistiu foi só para dopar ainda mais o já embotado cérebro dos otários cidadãos. Conversa para boi dormir.

Mas o Estado democrático não vive só de espetáculo. Mais cedo do que se imagina as determinações materiais (econômicas) se impõem sobre esses sofisticados malabarismos da sociedade do espetáculo. A crise explode as mistificações.

Entre a propaganda enganosa dos empresários brasileiros e a realidade material do país há um abismo econômico e social. Quando se observa criteriosamente esse processo de ruptura do atual regime de exploração social, o cenário mais provável para os próximos trimestres é uma continuidade de estagnação, com tendência a uma repentina depressão.

Eles não poderão evitar o que seus hermanos portenhos estão lhes dizendo: eu sou você amanhã. A repentina argentinização da economia brasileira será acionada pelo gatilho de iminente explosão da economia chinesa e da bolsa de valores de Nova York.

Isso não é nenhuma novidade para as pessoas bem informadas. Principalmente aquelas instaladas em vigilantes gabinetes de Washington, que agora recomendam estratégias imperialistas de intervenção mais profundas e militarizadas na América do Sul – em particular no Brasil, o mais importante polo de reação e de contrarrevolução imperialista neste continente.

Desde 2013 e anos seguintes a protoburguesia empresarial brasileira já sabe – avisada por seus patrões de Washington e outras instituições imperialistas como FMI, Banco Mundial, The Economist, Financial Times, etc. – de sua impotência para fazer a economia do imperialismo voltar a funcionar no país.

E muito menos para resolver os problemas de valorização do capital (preços e lucro) que se avolumam perigosamente sobre as condições sociais do país e sua débil governabilidade política.

É exatamente nesta perspectiva de inevitável ruptura política e de guerra civil que agora as classes dominantes nacionais e imperialistas preparam sua justificativa teórica para a grande crise econômica e social que se aproxima.

Essa justificativa pode resumida no seguinte discurso, ou coisa parecida: quando a brilhante política econômica de Boçalnaro/Guedes/Maia começava a dar seus primeiros frutos, seus primeiros resultados positivos – como essa “retomada da economia” no 2º trimestre/2019 – este distinto governo empresarial de reformas e queimadas foi subitamente atropelado por acontecimentos externos imprevistos e incontroláveis.

Procurarão mais uma vez fugir da responsabilidade pela crise que eles mesmos criaram e convencer a opinião publica que eles devem continuar governando os destinos da nação com o mesmo brilhantismo que eles fizeram até agora.

Vão dizer que todos os otários cidadãos deverão se conformar até a morte, por bem ou por mal, com o súbito imprevisto exterior e aceitar que os catastróficos empresários de diferentes plumagens – industriais, agros, banqueiros, comerciantes, rentistas em geral – continuem governando e decidindo, em qualquer situação e eternamente, o que produzir, como produzir, e para quem produzir neste fim de mundo chamado terra brasilis…

Portanto, o que está em jogo nestas discussões sobre as causas reais e as consequências inevitáveis da estagnação e depressão da economia nacional é uma encarniçada luta teórica entre a economia política dos capitalistas e a economia política dos trabalhadores, tal como Marx/Engels designavam sua teoria sistematizada nos diversos livros de sua principal obra “O Capital”.

A questão é muito clara: defesa da permanência ou da abolição radical da propriedade privada, do mercado e do Estado em geral como solução para a iminente crise catastrófica que se anuncia?

Aos marxistas mais recalcitrantes com a necessidade de abolição sumária do Estado recomenda-se a agradável leitura de O Estado e a Revolução, a principal obra do revolucionário Vladimir Ilyich Ulyanov.

A única coisa certa é o seguinte: quando essa questão histórica aflorar novamente nas ruas e avenidas desnudas de qualquer mistificação burguesa dos períodos de alto desempenho do capital a disputa não será resolvida na ideia, no debate civilizado e muito menos na imunda colaboração entre classes sociais antagônicas.

Portanto, essa discussão teórica resulta imediatamente de um problema prático: a possibilidade ou não das classes proprietárias dos meios de produção social continuarem impondo seu modo de produção e suas inevitáveis crises catastróficas sobre a classe trabalhadora crescentemente desempregada e ameaçada de morte súbita.

Para Rosa de Luxemburgo, outra revolucionária de peso, a economia política dos trabalhadores de Marx/Engels – de crítica da propriedade privada, do valor, do mercado, da moeda, do capital e, finalmente, do Estado democrático – era o próprio programa da revolução proletária internacional e do seu partido de classe.

Foi o que ela afirmou com todas as letras em seu discurso feito no Congresso de fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD), final de dezembro de 1918. O partido como unidade orgânica de teoria e práxis revolucionárias.

A disputa teórica entre as classes proprietárias e a classe proletária assume em raros momentos históricos sua verdadeira dimensão prática. Como 100 anos atrás. Quando o homem subterrâneo de Dostoievsky emerge e impõe seu programa de vida da espécie humana nas ruas e avenidas da civilização.

É por isso que para Marx/Engels, quanto para Rosa de Luxemburgo, Lenine e demais revolucionários da Internacional a arma da crítica não pode jamais substituir a crítica das armas. No Brasil e alhures essas ações práticas do proletariado internacional em provável e próxima guerra civil e revolucionária – que só arrebentará, repita-se, na esteira da grande crise econômica global – estarão organicamente subordinadas à clareza teórica do seu partido histórico (Marx e Engels) e dos consequentes objetivos práticos do partido formal, graniticamente materializados nas trincheiras armadas rumo à revolução.