Por Fábio Magalhães e José Martins, da redação.
A burguesia brasileira colocou um biruta na presidência da República. Agora está seriamente preocupada em se desfazer dessa besteira. Antes tentou domar a sinistra criatura. Saída, por sinal, das suas entranhas mais cuidadosamente escondidas. Tentava torná-la uma pessoa normal. Pelo menos apresentável ao grande público. Fracassou nas duas tentativas.
O caos governa. Acontece que o descerebrado biruta – bem sucedido e inovador empresário com lucrativos negócios nas comunidades cariocas de Rio das Pedras, Baixada Fluminense e adjacências – já foi devidamente diagnosticado pelo seu próprio alter ego burguês como incapaz mentalmente (e até mesmo protocolarmente) para representar o seu poder no Estado.
O fato mais importante é que a já conhecida crise política brasileira (que se arrasta desde Dilma, Temer…) se aprofundou velozmente nestas escaldantes semanas que antecedem o Carnaval 2019. Sem prazo para terminar.
Uma crise que se aprofunda descontroladamente menos de dois meses depois da posse desta criatura que era vendida pela burguesia ensandecida como capaz de dar pelo menos um pouco de folego ao cambaleante regime. O fim da “velha política”, bradavam orgulhosamente, até as últimas eleições gerais, os paneleiros e golpistas da velha ordem.
Ocorreu exatamente o contrário do prometido. Nos últimos dias ficou provado que quanto mais se tenta consertar as “loucuras” do capitão de milícias cariocas pior fica a situação na capital federal.
A coisa é tão grave que, apesar das aparências, o biruta pode causar mais danos aos planos dos capitalistas do que à pobre vida da esquerda democrática – cuja única função é ser usada como bode expiatório da ingovernabilidade brasileira, junto com o “ditador Maduro”, off course.
É por isso que, nesta semana, já se ouvia pelos corredores de Brasília a fatídica e sonora palavra impeachment. Devidamente repercutida pela grande mídia imperialista. Ou, de maneira mais camuflada, que ele “deixe de atrapalhar”, o que não é muito diferente uma coisa da outra. Na evanescente linguagem da política, a sutileza das palavras vale mais do que elas mesmas.
Neste sentido, vale a pena ler abaixo trechos do editorial de 19 de fevereiro de O Estado de São Paulo, o jornal mais profundo e programático da burguesia e grande propriedade fundiária no Brasil:
“Enquanto o chefe de governo se permite perder precioso tempo com os devaneios de poder dele e dos filhos, inclusive com fantasiosas conexões internacionais para a inclusão do Brasil num movimento “antiglobalista”, alguns ministros buscam tocar o barco, sem ter, contudo, a menor certeza se o “capitão” da embarcação sabe para onde pretende ir. Antes tudo isso fosse método, e não apenas o amadorismo irresponsável tão característico do baixo clero, de onde saíram o presidente Bolsonaro e seu fanático entorno. Está ficando cada vez mais claro, porém, que Bolsonaro, em razão de seus limites mais que evidentes, não tem mesmo a menor ideia do que é ser presidente e do que dele se espera num momento tão grave como este. Seria ingênuo acreditar que Bolsonaro, de uma hora para outra, passará a se comportar como presidente e assumirá as responsabilidades de governo. Mais realista é torcer para que ele, pelo menos, pare de atrapalhar.”
Iludem-se, o que não é o caso do Estadão, claro, aqueles que imaginam o ridículo general três estrelas vice-presidente Mourão enxotando da presidência o capitão de milícias e se oferecendo como um salvador “plano B” para a caótica situação política atual.
Mais um raciocínio de asno que marca a grande imprensa e suas improdutivas coberturas dos fatos. Ou, falando-se mais educadamente, ingênua imaginação de pobres de espírito de que a repetição, mesmo que como farsa, daquela ditadura militar velho estilo dos anos sessenta seria capaz de restaurar um mínimo de estabilidade ao regime em rápido processo de apodrecimento.
Essa ilusão se choca frontalmente com os fatos: o “engraçado” general Mourão não ficaria muito mais tempo na presidência que o nosso evangélico biruta sentando-se apenas em cima de enferrujadas metralhadoras. Existem determinações materiais mais importantes que as personalidades mais ou menos amalucadas dos atuais dirigentes.
Uma das principais causas destas fragilidades analíticas é a ideia zelosamente acalentada de que o biruta presidente é um fato isolado, acidental, uma grande exceção na sucessão dos “grandes homens” da política nacional, um aberrante raio no céu puro e azul (ou rosa, tanto faz) de uma distinta e honorável burguesia tropical.
Nada mais enganoso do que esse tapa-olho de uma opinião pública portadora de inúmeras deficiências cognitivas de reconhecimento do mundo real, da vida como ela é.
Uma camada de analistas do sistema e uma lobotomizada opinião pública, ambas incapazes de reconhecer que o biruta que está aprontando suas maluquices nos corredores palacianos – povoados de Di Cavalcanti, Aleijadinho, Tarsila do Amaral e outras sumidades da cultura macunaímica nacional – é a expressão mais acabada da burguesia brasileira e da dominação imperialista dos EUA na América do Sul. Cara de um, focinho do outro.
O biruta presidente tem a mesma cara e focinho burguês da privatizada Vale do Rio Doce da Samarco e Brumadinho, do agronegócio, agrotóxico, agro transgênico, sistema de saúde (ou doença) pública, (des) educação pública, (in) saneamento básico, moradia popular, política econômica e fiscal de ajuste, teto de gastos, reformas trabalhistas e da previdência, do gigantesco desemprego dos trabalhadores, da inimaginável miséria e fome que ataca a população do país, etc.
Os analistas e estrategistas políticos em geral ignoram que nem a ação do entorno político do biruta presidente nem a dos que entornam o “engraçado” general três estrelas vice-presidente podem explicar ou determinar autonomamente muita coisa na atual e na futura situação da política brasileira.
Todos os dirigentes máximos do país tentarão fazer a mesma coisa que os anteriores, sem nenhuma originalidade. E o mais importante de tudo isso: sem alterar um milímetro a tendência de agravamento da situação.
Uma pequena observação de mais um fato da vida real do país para esclarecer um pouco mais este enigma da atual ingovernabilidade burguesa no Brasil. E concluir este já longo boletim.
Enquanto em Brasília o biruta capitão de milícias e o “engraçado” general continuavam protagonizando uma pornochanchada política da pior categoria, em São Bernardo do Campo (SP) anunciava-se, nesta terça-feira (19) o fechamento da centenária fábrica da Ford Corporation. Mais de 3000 operários mandados para o olho da rua. A Ford deve deslocar a produção para os EUA.
A decisão foi tomada na matriz dos Estados Unidos com a alegação da “necessidade de encontrar retorno à lucratividade sustentável de suas operações na América do Sul”.
A empresa revela que no período 2013 a 2018 já acumula prejuízo de US$ 4,5 na América do Sul. Podem ter aumentado o valor do prejuízo, mas a razão alegada é verdadeira. A taxa de lucro média na indústria brasileira em geral ficou relativamente mais baixa que a média mundial desde o último choque global (2008/2009).
Por isso a economia parou. Encontra-se agora estagnada no fundo do poço. No mais baixo nível desde 2009, como verificamos em boletim recente. No pior ponto do buraco da última crise global, só esperando a próxima para sumir no precipício.
Esse fechamento da fábrica de caminhões da Ford vai gerar um efeito em cascata difícil de mensurar exatamente. Distribuidores e fornecedores da fábrica de São Bernardo vão necessariamente quebrar nos próximos meses, porque as demais empresas do ramo não terão condições de substituir a demanda que vinha da montadora estadunidense.
Isso vai engrossar a fila de desempregados na região do ABC paulista, que já foi o maior polo automotivo do Brasil, gerando mais um grave problema social. Apenas na própria Ford serão cerca de 3 mil operários que serão despedidos.
O sindicato pelego fala em “apenas” 2,8 mil, tentando minimizar o desastre sobre os operários e agradar os patrões. Os capitães do mato da burguesia não estão só nos palácios de Brasília. Estão também nos sindicatos pelegos da CUT e outras centrais sindicais.
Na verdade, o fim das atividades da fábrica em São Bernardo deve desempregar indiretamente até 24 mil trabalhadores, segundo estimativas preliminares do conceituado e sério Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Vão engrossar as dezenas de milhões do exército de desempregados em todo o país.
O pior da situação é que esses novos desempregados voltarão ao mercado de trabalho de mão vazia para vender sua força de trabalho em uma hostil realidade de elevado desemprego e de substituição de empregos formais por vagas intermitentes, rotativas, de acordo com a reforma trabalhista recentemente implantada no país.
O problema não é só na Ford. É de toda a indústria instalada no Brasil. A possibilidade de que as empresas industriais em geral instaladas no Brasil recuperem um nível razoável da taxa média de lucro é altamente remota. Pelo menos até a explosão do próximo choque periódico global nada deve mudar. Só piorar.
Por motivos relacionados à valorização do capital global, apesar do aumento da exploração da classe operária no Brasil, a taxa de lucro nesta economia nacional será cada vez menos atraente para as empresas globais. E a tendência de encolhimento da produção deve persistir agora e agravar significativamente no momento da explosão do próximo choque periódico.
É justamente essa situação claramente verificada pela análise crítica que compõe a base material determinante das diversas possibilidades e cenários políticos no Brasil para a próxima década.
No que se refere à ordem política em Brasília, uma coisa é certa: tanto o atual presidente quanto os próximos que devem substituí-lo (dificilmente por vias civilizadas e institucionais, diga-se de passagem) estarão ocupados o tempo todo como peão de vaquejada tentando se manter o máximo de tempo em cima do touro e ganhar o cobiçado prêmio de ter sido o que mais demorou para cair.