CORRESPONDÊNCIA INTERNACIONAL
(por LUIZ RUFFATO, colunista do jornal El País, Espanha)
Contava-se a seguinte anedota, nos anos 1980, sobre o período da Guerra Fria. Stálin e o alto comando do Politburo viajavam de trem pelo interior da União Soviética, admirados com a beleza da paisagem e extasiados com os avanços tecnológicos propiciados pelo regime comunista, quando de repente sentem um tranco, que assusta todos os passageiros. Stálin, imediatamente, manda que alguém vá verificar o que houve. Momentos depois, o subalterno regressa e relata que acabaram os trilhos da estrada de ferro. Stálin não se dá por vencido: manda que todos continuem balançando o corpo, como se o trem continuasse em movimento.
A impressão que tenho a respeito do Brasil contemporâneo é exatamente essa: a de que acabaram os trilhos e continuamos nos balançando apenas para ter a sensação de que o trem se mantém em movimento. Mas todos, talvez com exceção dos seis bilionários que detêm sozinhos a riqueza equivalente a 100 milhões de brasileiros, sabemos que o país está parado e que não há perspectiva alguma de que volte a andar tão cedo. E nós, os passageiros, observamos, apáticos, a paisagem que não muda – embora haja também aqueles, os mais cínicos, que, entusiasmados, exaltam a beleza da paisagem que não muda.
Há quase um ano e meio somos governados por um homem que conspirou e liderou um golpe contra sua parceira de chapa – o que por si só já demonstra seu caráter – e que desde então acumula denúncias, homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de envolvimento com corrupção passiva, obstrução da justiça e organização criminosa. No entanto, por meio de negociações escusas com um Congresso desmoralizado – 24 senadores e 57 deputados federais estão sob investigação da Operação Lava-Jato, incluindo os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia –, Michel Temer permanece no cargo, ostentando seu sorriso macabro e sua postura de estadista dos grotões.
Enquanto isso, afundamos na estagnação econômica. As estimativas mais otimistas apontam para um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 0,7% para este ano, um índice baixíssimo para fazer frente ao desastroso desempenho dos últimos três anos: 0,1% em 2014, -3,8% em 2015 e -3,6% em 2016. Segundo o IBGE, em agosto existiam 26,3 milhões de brasileiros desempregados ou sub-ocupados, estatística que pode ser aferida pelo aumento significativo de famílias inteiras morando nas ruas. O Brasil, que tinha em 2014 deixado o Mapa da Fome – acima de 5% da população ingerindo menos calorias que o recomendado – pode voltar e ele este ano.
Se os índices econômicos são péssimos, os sociais são ainda piores. O Brasil figura entre os 10 países mais desiguais do mundo – 5% dos ricos detêm renda igual a 95% da população, segundo estudo da ONG britânica Oxfam. Além disso, enquanto os pobres gastam em impostos 32% de tudo o que recebem, os ricos despendem apenas 21%. A taxa de analfabetismo chega a 8% do total da população, enquanto o analfabetismo funcional chega a 17,1%, segundo dados do IBGE – ou seja, um em cada quatro brasileiros não sabe ler e escrever ou não compreende textos simples. Na faixa entre 15 e 17 anos, 22% dos jovens estão fora da escola, número que permanece mais ou menos o mesmo desde 2000. Enquanto isso, segundo o Atlas da Violência 2017, em 2015 foram assassinadas 59 mil pessoas, o que equivale a 28,9 mortes por 100 mil habitantes, e outras 47 mil pessoas perdem a vida no trânsito todo ano, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esses problemas estruturais só podem ser resolvidos por meio da política. Mas quem são os candidatos que se propõem a resolvê-los? Luiz Inácio Lula da Silva, duas vezes presidente da República, condenado a nove anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro; a omissa Marina Silva, duas vezes candidata derrotada, em 2010 e 2014; o insípido e inodoro Geraldo Alckmin, candidato derrotado em 2006; o arrogante Ciro Gomes, candidato derrotado duas vezes, em 1998 e 2002; e as “novidades”, o fascista Jair Bolsonaro e o arrivista João Dória. O PMDB, maior partido brasileiro, deve, mais uma vez, esquivar-se de lançar candidato próprio – assim fica mais fácil montar seu eterno balcão de negociatas.
Apáticos, permanecemos parados, rumando para lugar nenhum.
(Esta coluna foi originalmente publicada no jornal El País)