terça-feira, outubro 29, 2024
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Boletim da Crítica

Em que regiões ou países se localizam os maiores volumes de acumulação do capital internacional? Como observado anteriormente, a economia do imperialismo se desloca mais volumosamente em direção de economias nacionais onde as condições reais de valorização (taxa de lucro) são mais favoráveis. Isso não quer dizer, necessariamente, que esse destino dos investimentos globais seja as economias dominadas, onde predomina a mais-valia absoluta – China, Índia, Brasil, México… Os números do relatório da UNCTAD sobre os Investimentos Externos Diretos (IED) no mercado mundial indicam o contrário: o destino final escolhido pela maior parte do capital internacional produtor de mais-valia (lucro) é o de economias dominantes, onde predomina a mais-valia relativa – EUA, Europa…

 

Essa característica da reprodução do capital do capital mundial fica mais evidente não mais apenas com os números dos fluxos, mas dos estoques de IED estacionados em diferentes áreas e grandes economias do sistema. Essa repartição de IED revela também outras características difíceis de serem reconhecidas pelo senso econômico comum.

 

Estoque Mundial de IED, por região e economia, 1990-2015.

(milhões de dólares e variação % com relação ao PIB)

 

 

1990 %PIB 2000 %PIB 2015 %PIB
Mundo 2 196 997,5 9,6 7 488 448,9 21,9 24 983 214,1 33,6
Economias Dominantes 1 687 518,9   9,3 5 791 253,6   21,9 16 007 397,6   37,3
   Europa 932 445,9 11,6 2 466 198,8 25,1 8 782 483,4 50,7
   Estados Unidos 539 601,0 9,0 2 783 235,0 27,1 5 587 969,0 31,1
Economias Dominadas 509 469,9   11,1 1 644 214,9   22,1 8 374 427,8   28,5
   China 20 690,6 5,2 193 348,0 16,0 1 220 903,0 11,1
   Índia 1 656,8 0,5 32 549,2 3,4 282 273,0 13,5
   América Latina 107 187,1 9,0 460 982,5 20,9 1 718 595,3 34,1
   América do Sul 74 815,4 8,9 308 949,5 22,0 1 111 253,7 31,3
   Brasil 37 143,4 7,8 122 250,3 18,7 485 998,3 27,4
   México 22 424,0 7,5 121 691,0 17,8 419 956,1 36,7
   Argentina 9 084,6 5,4 67 600,5 19.8 67 600,5 16,0

Fonte: UNCTAD. Dados organizados pelo autor.

Em 2015, o volume de IED no mundo alcançou a elevada cifra de quase 25 trilhões de dólares. Equivale a um terço do PIB mundial. Em 1990, equivalia a apenas 9,6%. Dez anos depois tinha saltado para 21,9%. Na década de 1990, o volume de investimentos internacionais aumentou 3,4 vezes. Foram, provavelmente, os dez anos seguidos mais frenéticos de desdobramentos espaciais e populacionais em toda a história do desenvolvimento material mundial. A globalização mais intensa jamais ocorrida desde a era das notáveis circunavegações que levaram ao “descobrimento” das Américas, etc. Nos anos 1990, a crosta econômica terrestre e a noção de espaço geográfico foram modificadas de cabo a rabo. Globalização urbana e populacional. O que ainda se salvava esporadicamente como natureza selvagem foi coercitivamente conduzida para a hiper-realidade da cidade da civilização. Uma cidade, uma população global.

No mesmo horizonte de longo prazo (1990/2015) a evolução do volume de IED nas economias dominantes nos anos 1990 manteve-se milimetricamente pari passu com a evolução do IED no mundo – 9,3% do PIB em 1990 e 21,9% em 2000. No período mais recente acelerou-se a globalização dessas economias dominantes: 37,3% do PIB. As economias nacionais se perdem em oceanos de IED. Um único mercado global presente em maior ou menor intensidade nos diversos mercados nacionais progressivamente transfigurados. Uma fusão de alto poder explosivo.

A Europa é exemplar neste processo. Foi a área geoeconômica mais envolvida por esse inaudito aprofundamento da produção globalizado de mais-valia e de capital. Evoluiu de 11,6% do PIB em 1990 para 50,7% em 2015. Mais da metade do PIB da área europeia é formada por IED. Ninguém chegou nem perto disso. Um estupro do capital geneticamente internacional sobre Estados e burguesias geneticamente nacionais. As condições nacionais de valorização – produtividade, valor, preços, taxa de lucro, etc. – são crescentemente reguladas pelas condições médias da totalidade do capital, pela média mundial. Diminuição da autonomia econômica do Estado nacional. As políticas econômicas tradicionais (monetárias, cambiais, fiscais, etc.) perdem a capacidade de regulação e estabilização. O sistema mais vulnerável às crises gerais.

Essa explosão europeia de globalização ocorre mais acentuadamente no período 2000/2015. Coincide com a implantação da moeda única (euro) no bloco da eurozona; com a queda de barreiras econômicas e livre comércio no Mercado Comum Europeu; e, finalmente, com o forte deslocamento das fábricas e do comércio em direção ao chamado Leste Europeu. Uma aposta que agora mostra que foi muito arriscada. Sem retorno.

Os Estados Unidos protagonizam a mesma tragédia europeia de acumulação acelerada em um polo e no outro miséria, favelas e destruição das condições de existência nas cidades. Absorveram o processo de liberalização do mercado e de globalização de maneira similar à Europa e com os mesmos objetivos políticos de defesa da propriedade privada nacional no enfrentamento dos choques periódicos de superprodução – mas com efeitos colaterais malignos de desestabilização da ordem social interna e da governabilidade política da luta de classes. Desde a Guerra Civil Americana, no século 19, o futuro nunca foi tão incerto nos EUA.

Os EUA se anteciparam e impuseram a nova era da globalização ao resto do mundo. Ao contrário da Europa, onde a explosão da globalização ocorreu mais aceleradamente no período 2000/2015, nos EUA ela ocorre nos anos 1990/2000, quando o estoque de IED nos EUA aumentou mais de 5 vezes! Em apenas dez anos! Muito mais que as 3,4 vezes do IED mundial e, principalmente, das 2,64 vezes na Europa, como verificamos acima. Pode-se observar também na tabela acima que no ano 2000 o estoque de IED nos EUA (US$ 2,783 trilhões, correspondente a 27,1% do PIB) tornara-se superior ao estoque de IED na Europa (US$ 2,466 trilhões e 25,1% do PIB). Essa dianteira será alcançada e largamente superada pela Europa nos primeiros quinze anos do século 21. Mesmo assim, o estoque de IED nos EUA continuou avançando significativamente até 2015: 31,1% do PIB.

O livre mercado e a globalização é o regime do capital par excellence. Para a classe proletária mundial é muito mais preferível ao regime protecionista, nacionalista, isolado e estatizante. O livre mercado exaspera as contradições do sistema e da luta de classes. Leva mais rapidamente às crises sociais, guerras e revoluções. Amplia o espaço das revoluções. Porém, como não poderia deixar de ser, essa revolucionária qualidade do livre mercado acontece da maneira mais contraditória possível. Como nas diversas áreas geoeconômicas do planeta, porém de maneira muito mais intensa na Europa e EUA, liberdade para o capital e globalização em marcha forçada agem em conjunto e antes de tudo como poderoso fator anticíclico – aumento da exploração e da miséria da força de trabalho – frente aos choques periódicos que se aproximam cada vez mais ameaçadoramente do coração do sistema.

É exatamente esta fantástica e altamente contraditória elasticidade da reprodução ampliada (acumulação) do capital que agora encontra seus limites políticos. Particularmente na economia de ponta do sistema e na Europa. A defesa da propriedade privada, essencialmente nacional, nem sempre coincide com as necessidades do capital, geneticamente internacional. America First! Nada mais desencontrado com o voluntarioso e ilusório internacionalismo capitalista que presenciamos nas últimas décadas. Donald Trump encarna formidavelmente essas trombadas dialéticas da democracia e governança nacional, de um lado, e, de outro, a impossível governança do capital global, quer, dizer, da economia do imperialismo. Tudo isso, além da estranha figura de um palhaço na presidência da maior potencia econômica e militar do planeta, é naturalmente incompreensível para os ansiosos cidadãos estadunidenses e europeus de nobre consciência.

Continuaremos em próximo boletim com esses números da globalização, integrando na análise o triste papel das economias dominadas da parte de baixo da tabela e… do mundo. A tragédia é global.

 

 

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