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Breaking Bad (Temp.1 Ep. 18) “É a economia, estúpido!”

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EDIÇÃO 1318 1319 – Ano 30; 1ª 2º Semana de Novembro 2016.

Breaking Bad(Temp.1 Ep. 18)É a economia, estúpido!”

A economia dos EUA está grávida de uma grande crise e seu poderoso Estado de uma revolucionária ingovernabilidade. Há muito mais coisas entre a economia e a política do que imagina a vã ideologia.   José Martins

Neste último trimestre de 2016, o fato mais importante na economia mundial é que a economia dos EUA caminha sobre uma fina camada de gelo – para usar uma metáfora muito comum entre os economistas daquele país. E, mais importante ainda, até o terceiro trimestre do próximo ano a fina camada pode ser finalmente perfurada e a economia mergulhar nas profundezas de mais um fortíssimo choque cíclico.

O problema se localiza nas partículas mais elementares da produção e da acumulação do capital global. Em primeiro lugar, na produtividade da economia norte-americana. Nesta quinta-feira (3), o Bureau of Labor Statistics (BLS) publicou o aguardado relatório Productivity and Costs, referente ao 3º trimestre/2016 (dados preliminares).

De maneira bastante sucinta, pode-se observar uma desaceleração e estagnação da produtividade por hora trabalhada na estratégica indústria de bens duráveis. Junto com uma discreta elevação da massa salarial horária (hourly compensation), deriva uma forte elevação do custo unitário do trabalho (unit labor cost). Este último é o mais elementar e, portanto, o mais importante indicador de aproximação de mais um choque periódico. Os capitalistas não conseguem mais intensificar adequadamente a queda do valor da força de trabalho. Periodicamente, as relações sociais de produção tornam-se muito estreitas para permitir um permanente processo de produção e de acumulação do capital.

Acende-se o sinal amarelo no ciclo. Esse movimento mais recente na indústria norte-americana de redução da produtividade, que exprime uma redução da taxa de exploração da força de trabalho (ou de mais-valia) ocorre a partir de 2014. No presente período de expansão, iniciado no 2º trimestre de 2009, o ponto mais elevado da taxa de mais-valia ocorreu em 2013. Desde então se observa contínua desaceleração. Mas sem crise, por enquanto. O capital continua superproduzindo e acumulando como se nada estivesse acontecendo em seus fundamentos.

Entretanto, essa queda da taxa de mais-valia determina a mortífera tendência à queda da taxa de lucro. Os movimentos das partículas mais elementares (valor) manifestam-se então em camadas mais superficiais (preços) do processo de produção de capital. Depois de um auge de expansão nos quatro primeiros anos do ciclo atual, a massa e a taxa de lucro também começam a desacelerar para, em seguida, começar a cair.

Esse movimento sincronizado de queda da taxa de mais-valia e da taxa de lucro é originado nas manufaturas, núcleo do preço de produção regulador do mercado, e se expande para todas as empresas não financeiras da economia. Isso pode ser medido, em primeiro lugar, pela variação do lucro unitário (unit Profits) no decorrer do ciclo.

No 4º trimestre de 2014, o lucro unitário do setor não financeiro da economia norte-americana havia se expandido 53.9 % sobre 2009, conforme tabela 6 do relatório acima citado do BLS. Alcançou o índice mais elevado dos últimos dezesseis anos. No ciclo anterior (2002/2008) o índice mais elevado havia sido registrado em 2006, quando alcançou 30.9% sobre o índice de 2009. Mas, para o que interessa na presente análise, no 2ª trimestre de 2016 já tinha registrado fortíssimo recuo para 29.8% sobre a mesma base de comparação (ano de 2009). Robustos 23 pontos percentuais de queda frente aquele auge de 2014. Mediremos melhor esse fulminante processo de desvalorização do capital com a divulgação, no começo de dezembro próximo, de dados mais atuais da evolução da massa de lucro e do lucro operacional na indústria de bens duráveis dos EUA.

CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

As partículas elementares da base material do Estado norte-americano, observadas acima, são de grande importância para a análise e a previsão da tendência da economia norte-americana (e mundial) nos próximos trimestres. São decisivas porque, diferentemente de outras variáveis econômicas, elas apontam para a irreversibilidade de uma nova explosão periódica do capital. Se se leva em conta outras variáveis observadas nesta nossa temporada de boletins que denominamos de Breaking Bad – uma coisa ruim que quanto mais avança pior fica – pode-se antecipar também que essa nova explosão tem tudo para atingir desastrosamente o coração do sistema, quer dizer, os Estados Unidos da América.

Longe de se imaginar sem mais nem menos que esta será a crise final do regime capitalista. Isso é bobagem. Se isso acontecer, melhor. Infelizmente ainda é o menos provável. Mas longe também de se imaginar que essa irreversibilidade da maior crise periódica dos últimos setenta anos – com razoável probabilidade de se espraiar pelo sistema global como a primeira grande depressão depois dos anos 1930 – possa ser abortada com comportadas medidas econômicas e políticas dos diversos governos, particularmente nos EUA.  

Trata-se aqui da difícil relação entre economia e política. Por exemplo, as consequências da incrível possibilidade de Donald Trump tornar-se nesta semana o novo presidente eleito da maior potência econômica e militar do planeta é uma impecável ilustração dessa relação entre os movimentos materiais e as ideias que os homens fazem a seu respeito. Conta-se que, em 1992, o presidente dos Estados Unidos, George Bush era o favorito absoluto na eleição presidencial ao enfrentar o desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. Mas, em meio a mais uma crise periódica da economia, à medida que a campanha eleitoral avançava, o velho diretor da CIA caia e era ultrapassado por Clinton. Este último, intrigado com o fenômeno, perguntou a seu marqueteiro de campanha, James Carville por que aquele estranho fenômeno estava acontecendo. A resposta que ele ouviu ficou famosa e agora faz parte da ciência política “É a economia, estúpido!”.

Mesmo com as lições do passado, no atual discurso dos ideólogos (de direita ou de esquerda) e mesmo dos práticos homens do mercado, acerca do fenômeno eleitoral Donald Trump, essa nobre relação entre economia e política quase não aparece. E quando aparece é de cabeça para baixo: se Trump se eleger, dizem esses porta-vozes da superficialidade, ocorrerá uma grande desordem econômica e geopolítica mundial. Para eles, Trump aparece, então, apenas como um mero acidente, um raio que surgiu do nada no céu azul da maravilhosa democracia norte-americana. E esse super-homem pode fazer tudo desandar. Essa coisa inexplicável será a causa de todas as desgraças. Tudo será determinado pelo imponderável e etéreo mundo das eleições e da política.

Protecionismo, isolacionismo, xenofobia, ruptura dos acordos comerciais, climáticos, diplomáticos, ruptura com União Europeia, Ásia, Irã, deportação de milhões de imigrantes ilegais, aumento da repressão sobre a população trabalhadora, principalmente dos negros, latinos e asiáticos… A despeito do caráter meramente espetaculoso das eleições norte-americanas em plena era do Estado capital, pode-se perguntar: o que inspirou a Trump a ideia de apresentar todo esse saco de maldades em sua plataforma eleitoral e, o que é ainda mais estranho, empolgar o grande eleitorado do país – inclusive votos de negros e latinos, explicitamente ameaçados pela plataforma do republicano – a ponto de tornar esse desqualificado especulador e construtor de torres de babel em todo o mundo possível ganhador da eleição nesta semana? É claro que tudo isso não saiu espontaneamente de sua estreita cabeça nem de seus parceiros do Tea Party de cabeças ainda mais estreitas. Os ideólogos da superficialidade política não são capazes de responder a essa pergunta.

Outra pergunta: e se, suponhamos, Trump não se eleger? Clinton for eleita? A três dias da eleição, essa suposição ainda é a mais provável de acontecer. Com Clinton na presidência dos EUA a maior parte desta lista interminável de maldades da plataforma eleitoral de Trump poderia ser evitada? Diminuída? Aumentada? Em outras palavras, haverá efetivamente diferenças práticas entre as medidas a serem tomadas seja por Trump, seja por Clinton, na presidência dos EUA, em pleno enfrentamento dos grandes e nem um pouco ideológicos problemas na grande pátria da democracia?

Será possível enfrentar esses problemas só com as convencionais e modorrentas medidas de política econômica e novas pequenas guerras na periferia do sistema, que nos acostumamos a presenciar nos últimos setenta anos? Ausência de pressões para nova guerra mundial? Será possível se evitar as consequências da inaudita crise econômica que se avizinha como parteira de grandes convulsões sociais e guerras civis em todo o mundo, incluindo as casas das melhores famílias burguesas europeias, asiáticas e, off course, nos EUA?  

Só a análise criteriosa dos movimentos econômicos mais elementares (e imediatos) da economia reguladora do sistema pode ajudar a responder a essas perguntas. Concluindo, não é necessário aguardar a eclosão da provável depressão global no próximo ano para saber que ela já determina há bom tempo todos os notáveis transbordamentos culturais e políticos nos EUA. Inclusive o “estressante desdobramento” e toda sorte de baixaria latino-americana entre os candidatos da lindíssima democracia norte-americana nesta inócua eleição a ser realizada nesta terça-feira (8/novembro).

Na perspectiva de uma catástrofe econômica e de seu desdobramento em uma também provável 2º guerra civil americana, as ameaças da plataforma do acelerado Trump serão lembradas apenas como um refresco. Serão lembradas como medidas limitadas,  quando forem postas em prática as futuras medidas políticas e geopolíticas no coração do sistema. Tudo em nome da salvação da propriedade privada, do mercado, do Estado e da civilização.