terça-feira, outubro 29, 2024
Home > Diário do Capital > Brasil > O que vem pela frente

O que vem pela frente

No fim de tarde da chuvosa e fria sexta-feira do inverno brasileiro, um dia depois das maiores manifestações populares da história do país, os protestos ainda continuavam muito fortes em todas as regiões. Como um raio no céu azul e democrático da quinta economia do mundo.

De que vale um Produto Interno Bruto (PIB) muito grande, crédito da Caixa sem limites, e uma pobreza maior ainda? Um grande mistério da globalização do capital nos últimos anos nas grandes e pequenas economias do mundo: quanto maior o PIB, maior a pobreza da população. E as tensões sociais aumentam junto.

AS VOZES DAS RUAS – A harmonia da Escola não bate com o ritmo das ruas. O luxo nos carros alegóricos não esconde a pobreza extrema dos milhões de passistas. Ideias fantasiosas, e algumas aburguesadamente idiotas, como “economia emergente”, “quinto PIB do mundo”, “fim da pobreza extrema”, “país rico é país sem pobreza”, “um país de classe média” e tantas outras bobagens, desmancham nos protestos nas ruas. Nem a “bolsa-família” salvará mais as fantasias!

Quem quiser entender a razão e objetivo dessas manifestações – decifrar essas vozes desconexas que entopem de vida as avenidas e recuperam para si a cidade alienada do capital – deve primeiro ouvir isso que elas estão dizendo: o país é pobre, muito pobre, mais pobre do que dez ou cinquenta anos atrás.

Dá para concordar? Em nossos boletins mais recentes deste ano (a partir dos problemas colocados no boletim “Economia do Crioulo Doido”) procuramos demonstrar essa realidade das grandes “economias emergentes”; mas a erupção das manifestações dos últimos dias foi mil vezes mais didática e convincente que todos esses nossos boletins: “cinza é a teoria, verde é a árvore da vida.” (Goethe)

O homem subterrâneo irrompe na avenida e anuncia o buraco negro da política. Não haverá mais a política e a governabilidade burguesa que pareciam tão sólidas até poucos dias atrás.

Pode-se abafar temporariamente as revoltas atuais, é muito natural, mas será muito difícil voltar a fazer funcionar, como até uma semana atrás, a mesma lengalenga das eleições viciadas, das votações fajutas e representações inoperantes de uma democracia corroída pela realidade social.

Doravante, com novas e imprevisíveis formas de manifestações da população que virão, a política serpenteará em direção a extremos também totalmente imprevisíveis, criando um quadro de insustentável governabilidade burguesa e imperialista. A política das ruas deve substituir a política tradicional.

AS VOZES DOS CAPITALISTAS – os capitalistas já se movimentam para conservar a governabilidade dos mortos. As pressões das classes dominantes para a mudança da política econômica e, posteriormente, a ordem política atual, aumentaram mais que nunca nesta semana.

Eles veem a situação econômica nacional com enorme preocupação. Dizem que a indústria sofre com um cenário particularmente difícil, pressionada pelo aumento nos custos de produção (leia-se salários) e pela taxa de lucro reduzida.

Dizem que o país vive uma situação de pleno emprego e excesso de consumo. Os trabalhadores podem achar isso muito bom, mas eles acham extremamente perigoso, pois as empresas, para manter os seus funcionários, pagam salários maiores; esse custo adicional, usando suas palavras, acaba fatalmente (sic) sendo repassado para os preços, elevando a inflação e desvalorização do real frente ao dólar.

Isso acontece porque o governo pratica uma “política expansionista”: quanto mais estímulos de crédito (leia-se baixa taxa de juros) o governo concede para estimular o consumo, menor será o desemprego, maiores serão os salários e menores serão os lucros. Com os lucros em queda, os investimentos não avançam, a economia não cresce, e assim por diante.

Só não dizem por que esse fatalismo dos capitalistas não aceitarem nem uma minúscula redução da taxa de lucro, correspondente aos minúsculos reajustes dos salários. E não aceitarem, muito menos, uma redução da taxa de juros, medida salutar nas contas públicas, dado que mais da metade dos gastos da União é com despesas financeiras, pagamento de juros que incidem sobre a dívida pública.

Existe melhor maneira de reduzir os gastos públicos do que reduzir a taxa básica de juros? Eles dizem que isso aumenta diretamente a inflação. Conversa mole. A inflação aumenta porque os capitalistas não mantem inalterados os preços nem com um minúsculo reajuste salarial.

Além do mais, já observamos. em boletins anteriores que esse diagnóstico dos capitalistas é completamente errado. Não existe pressões inflacionárias (em 2010 a inflação anual foi maior que a atual e ninguém disse que havia um grande descontrole), nem existe nenhuma desvalorização cambial descontrolada.

Também não existe diminuição significativa da produção industrial; ao contrário, nos últimos meses a produção voltou a crescer, mesmo que discretamente, como ocorre com as demais economias dominadas dos BRICs.

Mas essa é uma observação puramente técnica. No mundo real da economia política, isso pode ser de menor importância, dependendo da situação do ciclo econômico. Assim, na avaliação dos capitalistas, o país vive uma situação de crise econômica devido aos altos salários e a política expansionista de baixas taxas de juros.

A solução? Segundo essa sapiência capitalista deve-se implantar urgentemente uma política de austeridade fiscal, com cortes radicais nos gastos públicos nas áreas da saúde, educação, moradia, aposentadoria, salários dos servidores públicos e outros serviços públicos de atendimento direto à população.

Dizem que isso é necessário e, com a orientação econômica atual não há nenhum sinal que isso será revertido. Com os desdobramentos políticos nos próximos dias em Brasília, com a posição da Presidenta severamente abalada, pode-se prever com certa segurança que a cabeça de Mantega será finalmente decepada e oferecida aos deuses capitalistas para acalmar o mercado e dar um folego de conclusão de mandato para a trôpega burocrata-presidente.

BURGUESIA ORGANIZADA – Porque as classes dominantes querem essa mudança aparentemente irracional da política econômica? Não se pode negar que as classes dominantes, como ensinava Lenin, têm uma enorme capacidade de organização e de estratégia política (e militar): sabem exatamente qual o objetivo que querem alcançar e com quais meios podem contar para alcançá-lo.

E sabem se antecipar aos fatos que ainda não se manifestaram na ordem do dia. Quanto ao novo choque econômico global que ocorrerá no decorrer dos próximos dois anos, a burguesia cucaracha brasileira é informada pelos centros de inteligência imperialistas de Washington, Frankfurt e Tóquio, que a trolha do próximo choque global será muito grande. E que devem reforçar suas trincheiras econômicas, políticas e geopolíticas para significativas batalhas de classes. As vozes atuais das ruas mais que confirmam no Brasil esse cenário.

É verdade que a política econômica anticíclica de Mantega, ministro da Fazenda, garantiria a economia nesta marcha lenta por mais um ou dois anos, até a chegada do próximo choque global. É feita de maneira inteligente para o curto-prazo.

Mas os capitalistas veem desde agora uma fragilização da capacidade fiscal do governo, na medida em que as gigantescas desonerações fiscais dos últimos dois anos e a redução da lucratividade das empresas impactam fortemente na capacidade de arrecadação da União. E presenciam com muita preocupação a deterioração financeira de grandes empresas como Petrobras, Vale do Rio Doce e outras mequetrefes como as empresas de Eike Batista, etc.

A bolsa não para de cair. Tem muita coisa graúda que já começa a apodrecer. Por isso, o remédio de começar imediatamente a aplicar o remédio: reduzir os gastos correntes para compensar a redução do lado das receitas.

Pelo lado do Banco Central, apertar a política monetária: aumentar os juros, reduzir o crédito e começar a salvar os bancos e outras empresas que certamente sofrerão abalos fundamentais com a mudança da política econômica. A dose desse remédio vai depender da luta de classes e da capacidade militar do governo controlar as ruas.

O paciente deve ser encaminhado para a cirurgia sem mais demora. Na prática, procuram assim antecipar os acontecimentos e garantir a estabilidade política do Estado, a governabilidade e seus lucros, rendimentos e outras rendas da propriedade privada.

Mas “antecipar os acontecimentos” não quer dizer que a tarefa será fácil. Muito pelo contrário, é extremamente insegura e perigosa, como já começamos a observar.

Essa estratégia de cortar gastos correntes do governo, elevar a taxa básica de juros, e desvalorizar gradualmente o real, terá duas consequências instantâneas.

A primeira seria interromper as politicas atuais anticíclicas de contenção da economia e levá-la para uma perigosa desaceleração da produção. A situação mundial não permite barbeiragens neste momento. O Brasil poderia, assim, protagonizar o papel de anunciar com alguns trimestres de antecedência o próximo grande choque global.

Analisaremos posteriormente outras possíveis consequências dessa aventura da burguesia brasileira sobre o mercado mundial, particularmente China, Argentina, e restante da América do Sul.

O peso do Brasil no mercado mundial anote-se, é muitas vezes maior que pequenas economias europeias como Portugal, Grécia e Espanha somadas.

A segunda consequência dessa desesperada (e necessária) movimentação do capital, será o agravamento ainda maior das causas econômicas que estão na origem das grandes manifestações das ruas nas últimas semanas.

A tensão social vai atingir uma temperatura máxima, alguma coisa parecida com o que aconteceu na Argentina, no decorrer da crise periódica de 2000 e 2001. Quer dizer, os ataques aos salários diretos e indiretos de todos os trabalhadores no Brasil serão devastadores.

Quanto aos salários indiretos, que se referem exatamente aos subsídios aos serviços de transporte urbano, saúde, moradia, educação, etc. serão os mais atingidos.

Deve-se esperar também redução generalizada de salários diretos (o que vem no holerite no fim do mês) tanto para os trabalhadores do setor público quanto do setor privado.

Não se deve esquecer que, pelo diagnóstico da doença observado acima, os dois problemas de base são os supostos pleno emprego e elevados salários dos trabalhadores. O remédio indicado é um fortíssimo redutor de emprego e de salários.

Nos planos de austeridade aplicados a um bom tempo em Portugal, Espanha, Grécia, Itália, etc., está ocorrendo exatamente todas essas coisas. Na Espanha, a taxa de desemprego já atinge mais de 25% da população e mais de 50% dos trabalhadores jovens (entre 16 e 25 anos).

Como eles estão se organizando para essa carnificina? Nas próprias manifestações isso já pode ser verificado, com os “defensores da pátria” gritando por “não violência” e os “filhos da revolução” respondendo por “não burguesia”. Os pacíficos “defensores da pátria” atacando e expulsando das manifestações os vândalos “filhos da revolução”.

Neste momento em que encerramos este boletim recebemos seguidas mensagens de companheiros em várias partes do Brasil que relatam ataques sanguinários da polícia burguesa e bandas fascistas de dentro das manifestações contra manifestantes revolucionários que ocupam as ruas para protestar contra esse Estado podre até as raízes.

É para novos e inevitáveis ataques militares contra os filhos da revolução que os pais e os filhos defensores da pátria já estão preparando um renovado Estado totalitário – não confundir com ditadura militar, fórmula ineficiente às necessidades atuais – para conservar, na aproximação de uma nova crise periódica capitalista global, essas excrescências históricas como propriedade privada, mercado, moeda, salário, capital e Estado.

No próximo boletim observaremos com mais detalhes a forma concreta de governo que eles já estão procurando organizar para a execução dessas campanhas sanguinárias de conservação da propriedade capitalista e do poder da burguesia.

Apenas uma antecipação do assunto: o ex-presidente Luiz Ignácio da Silva se reuniu nesta sexta-feira com Henrique Meireles, representante da fação bancária da burguesia, para discutir as mudanças na política econômica.

Guido Mantega só aguarda o telefona do seu chefe para começar a limpar as gavetas da sua mesa no ministério da Fazenda. E a atual presidenta também, para ser reconfortada pelo chefe com a promessa solene que ele fará tudo para que ela pelo menos termine seu atual mandato.

Deixe um comentário