por José Martins, da redação.
Temos finalmente o vencedor da eleição para presidente nos EUA. Uma eleição histórica! É o que se ouve e o que se lê nas plataformas de informação do mundo. A mais importante eleição desde a época de Abraham Lincoln, arriscam os mais entusiasmados.
Existe motivo para esta ansiosa festividade de todos os cidadãos do mundo? Claro que existe. Afinal, os distintos eleitores de Nevada e do Arizona acreditam piamente que o vencedor da eleição será capaz de desarmar politicamente os principais problemas econômicos e sociais nos EUA e alhures.
É verdade que eles não sabem muito bem da natureza mais profunda desses problemas. Nem é preciso. Basta acreditar na força das ideias e na ação dos grandes homens para reverter todos seus problemas. E que o futuro presidente estará ai para isso.
Mas esse misticismo idealista começa a embaçar quando a realidade bate à porta. E anuncia que todos esses problemas que estão na base da sua atual ansiedade e medo devem ser revertidos imediatamente, nos próximos meses e anos.
Não se trata, portanto, de ideias e de ações para o futuro. Muito pelo contrário. Trata-se de decisões e soluções práticas para agora – já nos próximos meses e trimestres – para reverter imediatamente enormes ameaças reais que pairam sobre a cabeça de bilhões de pessoas em todos os cantos do mundo.
A primeira destas ameaças é o incontrolável desemprego atual e a consequente miséria de contingentes recordes na história da economia de trabalhadores do exército industrial de reserva nos EUA e no mundo.
Até recentemente, as economias dominadas periferia do sistema monopolizavam estas características sociais do regime capitalista. Não mais. É inédita, nos últimos setenta anos, a atual incapacidade dos governos capitalistas oferecerem um remédio para a rápida propagação das favelas, da marginalidade e da fome para o coração do G7 – grupo das sete maiores economias do mundo.
A segunda onda do COVID 19 nos EUA, que atualmente caminha para a marca assombrosa de 200 mil novos infectados por dia (16 mil no Brasil) elevará imediatamente os contingentes de desempregados e de famintos nas grandes cidades dos EUA. A terceiro-mundialização nas grandes metrópoles do primeiro mundo se aprofunda.
Embora não seja tão inédita quanto a propagação das favelas e da fome em Nova York, Berlim e Paris, a incapacidade genética dos capitalistas de combater pandemias que eles mesmos criam funde-se agora com convulsões políticas e sociais nas metrópoles imperialistas.
Pandemia, desemprego e fome são variáveis da mesma equação ocorrida no início do ano. A juventude e os trabalhadores europeus não aceitam mais a mesma receita – o sacrifício do aumento do desemprego e da fome ocorrido na 1ª onda – pelo fato que os capitalistas e seus governos não foram capazes de desenvolver no interregno entre as duas ondas novas soluções para combater inteligentemente a pandemia.
Nas últimas semanas, o desespero com o desastroso imobilismo dos governos europeus frente à nova onda levou para as ruas movimentações populares em todo o velho continente– tanto pela direita quanto pela extrema esquerda.
Exigem que os governos combatam com mais eficiência a COVID 19 sem lockdown, sem distanciamento social, sem proibição de aglomerações e sem desemprego. Por que os capitalistas não são capazes de oferecer esta solução para a população?
Sem solução inteligente para enfrentar o desemprego e a fome que acompanharão a a 2ª onda do COVID 19, a legitimidade de diversos governos capitalistas já começa a ser julgada nas ruas. Primeiro na Europa. Em seguida, passadas as eleições, será nos EUA.
Como os capitalistas pretendem abortar essa maré de convulsões sociais? Muita gente acredita na capacidade financeira dos governos do G7 de gastarem eternamente (e de maneira exponencial) os mesmos pacotes emergenciais de socorro aos desempregados e para o sistema financeiro privado, ocorridos na 1ª onda.
Nos EUA, o governo transferiu US$ 600 por semana para os desempregados, além dos US$ 250 do rotineiro seguro desemprego. Na Europa aconteceu a mesma coisa. Os governos praticamente estatizaram os salários dos desempregados.
Essas medidas não eliminaram a ameaça do COVID 19, mas, para a governabilidade burguesa o distanciamento social e a proibição de aglomerações públicas diminuiu bastante a temperatura social.
Além dos recursos para os desempregados, a maior parte das transferências de recursos emergenciais dos governos e dos correspondentes bancos centrais foi para os mercados financeiros e de capitais (bolsas). Nesta mesma linha, em menor medida, para as pequenas empresas privadas ameaçadas de falência e desaparecimento.
Essas linhas contínuas de assistência de moeda e crédito do Federal Reserve Bank (Fed) para Wall Street encerram-se no próximo mês de dezembro. Se forem interrompidas o sistema explode. E sua renovação não é uma coisa simples.
O que acontece é que o balanço do Fed já está sobrecarregado de ativos podres do sistema privado. Além de níveis seguros para a administração da moeda nacional. É por isso que o presidente do Fed, Jerome Powel, pede de joelhos ao Tesouro que o governo gaste mais.
Sem novas emissões de títulos do Tesouro o Fed fica paralisado. A dívida pública é seu combustível, sua mercadoria de troca. O Fed – interface estatal do crédito público e crédito privado – precisa, em momentos de crise do capital, vender volumes crescentes de dívida pública limpa para continuar comprando dívida privada podre. O problema é que a dívida publica também já não está mais tão limpa como doze meses atrás. Muito pelo contrário, como veremos abaixo.
Vejamos mais de perto essa deterioração das bases do crédito público. Lembrando de início que nos EUA o auxilio de emergência para desempregados foi descontinuado em julho passado. Neste mês de setembro presenciou-se o fato que muitos desempregados de longa duração (mais de 7 meses sem procurar trabalho) estão voltando ao mercado de trabalho por que as parcas reservas esgotaram. A taxa de desemprego oficial deve aumentar.
A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara, sabe que é muito elevado o risco de rebeliões sociais motivadas pela fome crescente em seu país. Já tratamos desta sua inteligência em diversos boletins anteriores. Por isso, para salvar o capital e a governabilidade burguesa ela luta no Congresso para renovar o auxilio vencido em julho com novo pacote de 2,3 trilhões de dólares – cerca de 12% do PIB do país.
Mas a economia é mais política que qualquer outra coisa. Os republicanos do Congresso resistem a esses monumentais aumentos de gastos desejados por Pelosi. Se nesta eleição eles renovarem a maioria no Senado, o que é mais provável, ficará ainda mais difícil concordarem com as pretensões do novo governo democrata de Pelosi.
A recusa dos republicanos de autorizar novos volumes de recursos fiscais tem uma lógica sombria. Sombria e correta. Acontece que o déficit do orçamento do governo já passa de 18% do PIB. Aproxima-se perigosamente de um verdadeiro orçamento de guerra. Literalmente, como mostram os números abaixo.
EUA: variações anuais do saldo (superávit ou déficit) do orçamento federal em relação ao PIB. – 1930/2019.
Mesmo durante a grande depressão dos anos 1930 o déficit do governo nunca foi maior do que 5% do PIB.
A marca negativa recorde nos últimos 90 anos foi alcançada em 1943, no auge da 2ª Guerra Mundial, quando o déficit alcançou a marca de 26,8% do PIB, conforme destacamos no quadradinho no gráfico acima.
Depois dos anos 1940, só em 2009, no auge da última crise cíclica, o déficit voltou a se aproximar de 10% do PIB.
No ano passado (2019) tinha subido para suportáveis 4,60% do PIB.
Mas neste ano de 2020, até o mês de setembro já havia subido espantosamente para 18% do PIB. Só foi menor, nos últimos 90 anos, que naqueles anos 1940 de auge da 2ª Grande Guerra …
[ESTA ANÁLISE SERÁ CONCLUIDA NO PRÓXIMO BOLETIM]