terça-feira, outubro 29, 2024
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Antony vai a guerra

por José Martins, da redação

A Rússia pode estar ganhando a guerra contra a Ucrânia e seus patrões da OTAN. Mas será que os investimentos feitos pelos EUA para sustentar a guerra foram um mal negócio para sua própria economia interna? Seu secretário de Estado, Sr. Antony Blinken, tem uma opinião muito clara a respeito. Em recente entrevista coletiva à imprensa , em Washington, 07/12/2023, ao lado de David Cameron, secretário de Estado do Reino Unido, Anthony foi curto e grosso:

“Mais uma nota de rodapé sobre isso, e isso é mais para o público americano. Se olharmos para os investimentos que fizemos na defesa da Ucrânia para lidar com esta agressão, vemos que 90% da assistência de segurança que fornecemos foi, na verdade, gasta aqui nos Estados Unidos com os nossos fabricantes, com a nossa produção, e isso produziu mais empregos americanos, mais crescimento na nossa própria economia. Portanto, esta também foi uma situação em que todos ganham e que precisamos continuar.”

Essa simples “nota de rodapé” de Antony valeu sozinha mais que a soma de todas demais divagações da vazia entrevista coletiva ao lado de seu colega britânico. Salvou a semana dos entediados correspondentes internacionais na Casa Branca. E viralizou nas redes sociais em todo o mundo. Menos na grande mídia capitalista mundial, off course, com esparsas exceções.

Afinal, não é sempre que essa determinação material tão simples entre economia do imperialismo e guerras imperialistas é exposta de maneira tão clara. Muito menos pelos sucessivos chefes da política externa da maior potência econômica e militar do planeta. A economia do imperialismo e a crise econômica geral do capital levam às guerras imperialistas. Dependendo de sua evolução desruptiva da ordem burguesa, a crise geral pode levar às guerras mundiais entre as potências, ameaçar a humanidade de extinção só pelo nobre motivo de salvar a propriedade privada capitalista.

Capitalistas como Blinken e Cameron sabem que eles dependem da produção de armamentos para salvar a sua economia da crise catastrófica. Ou pelo menos para segurar a economia pelo maior prazo possível no atual modo estacionário.

Por isso, o mais importante da “nota de rodapé” de Antony é que ele não está mentindo. E que sabe do que está falando. Em termos práticos, é exatamente isso que se passa atualmente na indústria de manufaturas dos EUA. Em termos teóricos,  aquilo que Rosa de Luxemburgo definiu brilhantemente como Departamento 4  Produtor de Meios de Destruição – ao analisar o processo de circulação do capital social, livro 2 de O Capital – é o único que ainda cresce na produção industrial dos EUA. A produção de armamento cresce avassaladoramente na maior potência econômica e militar do planeta. E segura timidamente a economia.

A produção de armamentos e dos principais ramos de produção industrial de alta tecnologia que a cercam é a única coisa que ainda mantém certa vitalidade da economia dos EUA.  Vejamos números a respeito, publicados mais recentemente no relatório G-17- Industrial Production and Capacity Utilization, pelo Federal Reserve

Tanto a produção quanto a capacidade instalada (acumulação) da totalidade da indústria dos EUA encontram-se em estado estacionário. Girando em torno de zero. De forma mais acentuada desde o último trimestre de 2019.

Em outubro 2023, a Produção Total declinou 0.6%, enquanto a Manufatura (duráveis e não duráveis) caiu 0.7%. Comparada com outubro 2022, a Produção Total caiu 0.7% e a Manufatura de Bens Duráveis (núcleo regulador da indústria dos EUA e mundial) caiu1.6%.Em outubro 2023, Maquinários e Equipamentos em geral (Business Equipment) declinaram 0.5%; comparado com outubro 2022, caíram 5%. Entretanto, na exata contramão dos maquinários e equipamentos empresariais (Departamento 1, Meios de Produção – Marx), a produção dos Equipamentos de Defesa e Espacial  (Departamento 4, Meios de Destruição – Rosa de Luxemburgo) subiu 1.7% no mesmo outubro 2023; Como destaca o relatório do Federal Reserve, “é o décimo mês consecutivo de aumento de defense and space equipment.”

Acelerado aumento. Comparado com outubro 2022, o índice destes Meios de Destruição cresceu explosivos 10,1%. O processo é muito claro: enquanto os Meios de Produção ficam estacionados no acostamento, os Meios de Destruição disparam fulminantemente na pista da economia (e das guerras) do imperialismo. A mesma velocidade máxima acontece com as Indústrias Selecionadas de Alta Tecnologia, que são organicamente relacionadas e determinadas pelos ramos dos Equipamentos de Defesa e Aeroespacial.

No regime capitalista, o desenvolvimento científico e tecnológico se origina, em geral, para atender a demanda de armamentos crescentemente mais sofisticados e as correlatas necessidades de defesa, segurança e controle informacional do Estado. Em seguida, esses novos conhecimentos científicos e tecnológicos se adaptam e se generalizam para a totalidade da produção civil – agricultura, indústria farmacêutica, química fina, metalurgia, mecânica fina, têxtil, microeletrônica, tecnologia de informação, novos materiais, utilidades públicas, bens de luxo, eletrodomésticos, meios de transporte, aeronáutica, máquinas e meios de produção, etc.

No regime capitalista, toda a produção civil é marcada em seu conteúdo pelo DNA da guerra. Muda-se apenas a forma e a destinação dos valores de uso para necessidades civis e individuais. Assim, se a produção dos meios de destruição estabelece o sentido e a capacidade cientifica dos diferentes Estados e burguesias nacionais, as modernas Indústrias de Alta Tecnologia se integram acessoriamente a esse processo armamentista e suas novas necessidades. A hierarquia e o poder na ordem imperialista global é definido pela qualidade deste desenvolvimento econômico em cada Estado nacional.

nota bene: não existe potência econômica que não seja potência militar, embora o contrário não seja sempre verdadeiro. Rússia, por exemplo, grande potência militar e subdesenvolvida na economia,  é  a notável exceção a regra.

Como se verifica nos números da tabela acima, quando se instala um estado estacionário na economia, as Indústrias de Alta Tecnologia também centralizam e monopolizam os únicos ramos da esfera produtiva da economia que podem crescer junto e compartilhar as mesmas elevadas taxas de acumulação de Equipamentos de Defesa e Espacial.

É o que se pode verificar pelos números da tabela acima. Quando os números da Indústria Total (linha 1 da tabela) incluem os números dos meios de destruição e suas correlatas tecnológicas, suas taxas de crescimentos anualizados giram em torno de zero. Não cresce nem desaba. Perfeitamente estacionada. O mesmo acontece com a Indústria de Bens de Consumo Duráveis (linha 2), que regula o crescimento da indústria e, portanto, da totalidade da economia. Estamos falando da esfera produtiva da economia, onde se produz o capital.

Entretanto, quando se exclui do cálculo as Indústrias de Alta Tecnologia, tanto a Indústria Total (linha 4) e a de Bens de Consumo Duráveis (linha 5) apresentam taxas com tendências claramente declinantes, abaixo de zero.

O prolongamento do atual estado estacionário aumentará gradativamente a pressão sobre as indústrias produtoras de bens civis. As suas taxas de crescimento tenderão a declinar, na mesma medida em que as taxas das indústrias da grande esfera dos meios de destruição tenderão a se elevar a níveis cada vez maiores.

O inferno é o limite. As despesas com a guerra é um santo remédio para a crise econômica capitalista. Mas o limite desta sinistra contabilidade é que esse santo remédio só pode funcionar enquanto sua dosagem puder aumentar exponencialmente.

A guerra é a solução e o próprio limite. Se houvesse a possibilidade de uma guerra mundial permanente e cada vez mais ampliada as crises econômicas desapareceriam. É por isso que os meios de destruição encontram nos períodos iniciais do estado estacionário da economia o ambiente natural para sua formidável performance. E isso acontece necessariamente com a clara desaceleração e paralisia da produção dos meios de produção.  Veja abaixo uma foto deste sinistro rally.

Este gráfico também foi colhido do citado relatório G17 do Federal Reserve Bank. Nota-se, em primeiro lugar, que a dinâmica da reprodução dos dois grandes setores industriais de equipamentos se realiza estritamente dentro da periodicidade dos ciclos econômicos. Isso é muito importante. Sem essa consideração, fica impossível se estabelecer cenários minimamente seguros tanto da economia quanto da metástase e aprofundamento da guerra. Quer dizer, cenários mais prováveis ou menos prováveis de recuperação ou de permanência do estado estacionário da economia; de abrandamento ou de globalização da metástase da guerra.

Em termos gerais, a superação nos primeiros sintomas do estado estacionário permite o abrandamento e interrupção do confronto armado entre as potências. A permanência, por mais de quinze trimestres, aproximadamente, ao contrário, leva necessariamente à metástase, rápido aprofundamento e mundialização do confronto bélico entre as grandes potências.

É por isso que Marx, Engels e todos demais revolucionários que se seguiram acompanhavam (e acompanham) na lupa essa relação orgânica de estado estacionário e guerra imperialista mundial. Uma verdadeira revolução proletária (imediatamente internacional) só se torna possível na esteira deste processo.

Voltemos aos números. Basta uma rápida observação no gráfico acima para identificar uma importante mudança de padrão da dinâmica recente dos ciclos econômicos. Desde o período de crise 2008/2009, a produção de Business Equipment (Equipamentos ou Meios de Produção) perde a pulsão pela acumulação e, com altos e baixos, afunda no atual estado estacionário.

Esse desfalecimento produtivo da economia reguladora do mercado mundial se tornou mais acentuado e crônico a partir de 2017, desembocando em um nível crítico no 2º semestre de 2019, quando se abre a fase de crise que se vive atualmente. A produção de Meios de Produção se mantém cronicamente estacionada até este 3º trimestre de 2023.

Simultaneamente, a produção de Defense and Space Equipment (Equipamento de Guerra e Espacial, ou, simplesmente, Meios de Destruição) mantém e acelera a pulsão pela expansão. Perde a sincronia com os Meios de Produção e se distancia. A partir do início da crise atual (2019), esta perda de sincronia e distanciamento torna-se crescentemente incontrolável. A perda de protagonismo e de determinação da dinâmica do ciclo pelos Meios de Produção também é notável. É a primeira vez que acontece no período pós-guerra (1945). Malthus (paixão pelo consumo) acerta duro golpe em Ricardo (paixão pela acumulação).

Agora se aproxima novo e importante ponto de inflexão. Acontece que, no período mais recente, a partir do início de 2022, aproximadamente, a produção dos Meios de Produção apresentou uma excepcional recidiva de paralisação e queda. E, no mesmo momento ocorre um fulminante disparo das taxas de crescimento dos Meios de Destruição.

Pode-se visualizar esse movimento de reversão na curva acima. Na base 2017=100, os Meios de Produção haviam caído quase 5 pontos percentuais, enquanto os Meios de Destruição haviam subido aproximadamente 26 pontos. Alcança o maior nível do período pós-guerra (1945). Talvez este seja um ponto de não retorno.

O que se pode dizer com segurança é que se consolida e aprofunda aquela importante mudança de padrão da dinâmica recente dos ciclos econômicos, já observada acima.  Fundamenta o cenário mais provável para os próximos doze meses: aceleração da perda de pressão da acumulação global; turbulências no mercado mundial; queda ainda maior do comércio internacional, deflação e protecionismo entre os principais blocos; fortes instabilidades nos mercados de capitais das principais praças financeiras do mundo; produção de meios de produção em baixa e de meios de destruição em alta.

Vem mais chumbo pela frente. Chumbo grosso. Este é, neste final de 2023, o cenário mais provável. O espaço e a ferocidade da guerra transbordando a Europa, Oriente Médio, Ásia Central e desembarcando ruidosamente nos mares da China e do Japão. Reunidos em Washington no último dia 7 de dezembro de 2023, os anões da guerra Antony Blinken e David Cameron certamente trataram dos preparativos e não medirão esforços para que esse cenário seja efetivamente realizado.

 

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