quinta-feira, outubro 31, 2024
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Breve balanço da economia mundial

por José Martins, da redação

 

O início da nova guerra mundial foi o principal acontecimento do ano de 2022 na economia mundial. Economia imperialista e guerra imperialista. Essa é a sequência necessária desta sinistra unidade. Resta saber o seguinte: para onde os capitalistas das superpotências levarão o mundo nos próximos doze meses? Depende do que deve acontecer com a economia. A base material sempre determina o que pode acontecer na superestrutura do poder. Vejamos a coisa mais de perto.

As guerras mundiais entre as potências da era moderna sempre foram consequência (a principal) de crises gerais que atingem periodicamente a globalização do capital. Exatamente o que acontece de maneira mais clara neste final de 2022: a produção industrial de valor e de mais-valia começa a ratear no mercado mundial. O pêndulo da reprodução ampliada (acumulação) perde o ímpeto e ameaça patinar na reprodução simples. A acumulação do capital tende a zero.

Isso é desglobalização. Como as anteriores, a atual desglobalização do capital é compensada pela globalização da guerra. A última vez que isso aconteceu com catastrófica intensidade foi há cem anos, na primeira metade do século passado. Um século depois, asfixiadas pela diminuição da taxa geral de lucro nas imundas cadeias globais de valor e de mais-valia, as grandes potências capitalistas trocam com incrível celeridade as linhas e meios de produção por linhas e meios de destruição. Menos energia e mais apagão.

É no meio deste novo redemoinho planetário que o exército russo voltou a atacar Kiev e outras grandes cidades ucranianas nas primeiras horas da segunda-feira (19) com uma inacreditável cavalaria espacial de drones auto detonantes. Mais uma vez bombardeou a infraestrutura crítica – água, luz, gás, comunicação, transporte público – mas com uma perversa mudança tática. Além de privar a população de calor, da eletricidade e da água, agora priva também do sono.

Sirenes de ataque aéreo soaram em Kiev às 2 da madrugada, o som estridente amplificado pelo vazio das ruas da capital durante o toque de recolher noturno. Durma-se com um barulho desses. Sem luz e sem aquecimento, apenas no início de um inverno que já beira apavorantes menos 15 graus centigrados, o cidadão ucraniano agora está proibido até de dormir. O Natal está chegando.

A guerra na Ucrânia será decidida no decorrer deste inverno. Relembrando que o plano russo nesta etapa da guerra mundial consiste exatamente em sufocar o exército da OTAN terceirizado na Ucrânia e ampliar seu território de maneira contínua desde os oblasts de Donbas até a Transnístria, fronteira com a Moldávia, tratorando no caminho Odessa e demais portos em torno da Criméia. O plano é expandir sua hegemonia no Mar Negro, aumentando sua influencia até os Balcãs, no sul da Europa, e ao Cáucaso, porta de entrada da Ásia Central.

Neste movimento de ressurgimento da Grande Rússia, Moscou vê o mapa atual da Ucrânia redesenhado em Ucrânia Ocidental e Ucrânia Oriental. Com este mapa debaixo do braço eles pretendem ir para a negociação de paz. Este é o plano de guerra dos russos, que começaram a executar em fevereiro deste ano.

Para concluir a execução deste plano os russos contam com dois elementos absolutamente indispensáveis. O primeiro é sua aliança estratégica com o mais rigoroso inverno dos últimos tempos no hemisfério norte. Qual é a ideia? Os cidadãos europeus comuns das decadentes potências europeias já começam a sofrer sucessivos pesadelos com as cenas que chegam da Ucrânia e com a ameaça concretíssima de que sejam os próximos a serem congelados com a falta de petróleo e gás. Torna-se latente a ingovernabilidade burguesa e rebeliões sociais em toda a Europa.

Este é o elemento com ingredientes mais naturais do plano de guerra dos generais russos. O mesmo já utilizado, sempre com sucesso, nas esmagadoras e congelantes vitórias sobre Napoleão, Hitler e outros incautos menos votados. O “general inverno” sempre foi o oficial de mais alta patente do exército russo nos campos de batalha.

O segundo elemento essencial para que se realize com sucesso o plano de guerra de Moscou é o aprofundamento da crise econômica global. Seus ingredientes são mais históricos. Também está bastante avançado. Inverno e crise periódica de superprodução do capital se assemelham, neste momento, a dois irmãos siameses. Movimentos naturais e históricos sincronizados. Enquanto as temperaturas do clima caem inexoravelmente para o território do humanamente inabitável, a capacidade dos capitalistas de fazerem borbulhar novamente a caldeira da exploração do proletariado mundial se estiola miseravelmente.

Para os capitalistas de todo o mundo, a ameaça de uma “recessão” nos próximos doze meses tornou-se de repente uma ameaça muito mais perigosa (e incontrolável) que a própria inflação que os bancos centrais das principais economias ainda insistem em combater com elevações suicidas das taxas de juros e enxugamento do ease money dos últimos três anos.

O problema é que o capital não respira sem aparelhos. Segundo a mais recente pesquisa da Bloomberg com 38 respeitados economistas de Wall Street, publicada nesta terça-feira (20), há uma probabilidade de 7 em 10 de que a economia dos EUA entre em crise no ano que vem, com previsões de forte redução da demanda e da inflação, na esteira dos aumentos maciços das taxas de juros pelo Federal Reserve. Veja a evolução das previsões de crise destes economistas, em seis sucessivos relatórios mensais.

A probabilidade de forte desaceleração econômica em 2023 subiu de 65% em novembro para 70% em dezembro e é mais que o dobro do que era há seis meses (relatório de junho, na tabela acima), de acordo com esta pesquisa mensal da Bloomberg com os economistas.

O mais incrível neste quadro acima é a velocidade com que a sensação de solidez da economia se desmanchou na cabeça dos economistas. Bastaram seis meses de retirada progressiva dos instrumentos fiscais e monetários que mantinham a economia respirando para caírem na realidade.

Outras informações importantes deste mais recente relatório de dezembro da Bloomberg. As estimativas medianas apontam para uma média do produto interno bruto praticamente zero no próximo ano, incluindo um declínio anualizado de 0,7% no segundo trimestre e leituras estáveis ​​no primeiro e terceiro trimestres. Isso é muito grave. Mas Putin e seus generais agradecem.

Outras sombrias consequências apontadas na pesquisa da Bloomberg. Menos investimento, gastos domésticos fracos e uma economia global à beira de uma forte retração afetarão fortemente as manufaturas do país. Neste sentido, os economistas pesquisados rebaixaram suas estimativas de produção industrial para cada trimestre do próximo ano. A produção de valor e de mais-valia agora é vista com uma queda média de 0,7% em 2023, muito mais fraca do que o aumento residual de 0,2% projetado em novembro.

Os mesmos economistas projetam quedas maiores no investimento privado, que incluem gastos com equipamentos e estruturas, nos três primeiros trimestres de 2023 do que no mês anterior. Esses gastos devem cair 3% em média, no próximo ano.

Resumidamente, o que ainda sustentava os lucros dos capitalistas, o nível de atividade e o emprego dos trabalhadores era uma forte demanda individual movida por baixas taxas de juros, generosos gastos públicos e elevação dos preços da parte dos capitalistas. Só a inflação ainda salvava os capitalistas (da produção ao capital financeiro) da pressão da lei do valor rumo ao desabamento.

É bom relembrar para não perder o fio da história: a crise periódica de superprodução de capital que se manifestou formalmente no 3º trimestre de 2019 foi prorrogada com oceanos de moeda, crédito e gastos públicos. Foi mantida em banho-maria até que o Federal Reserve interviesse neste ano, contraindo o crédito e elevando a taxa de juros. Essa foi uma crítica decisão tomada por Jerome Powell e seus colegas do Federal Reserve que acompanhamos detalhadamente em inúmeros boletins.

Agora, quando a taxa básica de juros do Fed se aproxima de 5%, com Powell declarando nesta semana que ela continuará se elevando no próximo ano, tudo começa a desabar. A realidade da lei do valor se impõe. Os homens do mercado não precisaram de muito tempo para sair da inflação e cair na depressão.

A política econômica dos capitalistas fracassa mais uma vez na tentativa de evitar a passagem da crise parcial para a crise geral (catastrófica). A luta de classes não espera por muito tempo e se sobrepõe a todas as demais providências políticas do Estado capitalista (com Biden ou Xi Jinping).

Acontece que o juro sempre acaba cedendo à determinação do lucro. A lei do valor comanda o processo. O capital só poderia retomar a reprodução ampliada da produção industrial e, portanto, um novo ciclo de expansão da economia (Produto), quando recuperasse a mesma taxa geral de lucro do ciclo anterior, que continua sendo esmagada progressivamente desde 2019.

Para recuperar a taxa de lucro que alimenta a circulação do capital em fases de expansão não bastam as políticas anticíclicas do Estado capitalista. Muito menos o “planejamento estatal” dos tolos. Estes voluntarismos políticos baseados em ideias vazias da economia política vulgar seguram a situação apenas por certo tempo, apenas provisoriamente.

O que se impõe aos capitalistas é a necessidade de agir na base da valorização do capital, quer dizer, aumentar ainda mais a exploração da classe operária mundial, operacionalizar nas linhas de produção globais uma taxa de mais-valia (produtividade) muito superior àquela que sustentou com enorme êxito o mais recente ciclo periódico de expansão global (2009/2019).

Esta é, portanto, a contradição inescapável na dinâmica econômica: na sucessão dos ciclos periódicos de expansão e crise, a manutenção da taxa geral de lucro relativamente constante depende de uma taxa de produtividade em permanente elevação.

Ao contrário de antigos regimes de produção, na essência do regime capitalista plenamente desenvolvido o lucro e o aumento da riqueza das nações dependem do contínuo aumento da exploração e pauperização absoluta da classe trabalhadora mundial. Isto é superprodução de capital.

A crise especificamente capitalista de superprodução explode exatamente quando o enorme desenvolvimento das forças produtivas sociais entra em choque com suas estreitas relações sociais de produção.

É exatamente este grande choque cíclico que os capitalistas encontram enorme dificuldade de superar neste momento. Uma insuperável incapacidade de fazer a economia se desviar de uma “recessão” de sombrias consequências nos próximos 12 meses. Quanto mais elevada for a taxa de juros do Fed e mais agressiva a gélida deflação dos preços, mais profundo será o desabamento global. E mais generalizada será a atual guerra entre as potências.

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