sábado, abril 27, 2024
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Zaporizhzhia, meu amor!

por José Martins, da redação

A guerra energiza a capacidade da crítica. Principalmente quando não se perde de vista o fio condutor mais profundo que a move. Os recentes desdobramentos e as perspectivas das batalhas na Ucrânia giram em torno deste leitmotiv de alto poder dissolvente da ordem geopolítica global existente.

Portanto, toda avaliação sobre a natureza e as perspectivas de curto-prazo da guerra na Ucrânia será falseada se não levar em conta a origem de suas forças materiais propulsoras. Uma rara explosão da unidade dialética entre economia do imperialismo e guerra imperialista. A crise geral (catastrófica) da economia do imperialismo e a luta de classes decorrente abrindo espaço às guerras imperialistas mundiais.

Neste movimento mais amplo, toda a arte da guerra se resume na melhor administração estratégica entre o poder industrial do país, o financiamento da guerra, e, finalmente, as ações militares propriamente ditas na frente de batalha.

Moeda forte e robusto sistema financeiro privado são as melhores e insubstituíveis armas da guerra capitalista. E, antes de tudo, da própria governabilidade do Estado. Nenhum soberano consegue se sustentar sentado apenas sobre as baionetas, já decretava Napoleão em formidável princípio da ciência política.

A guerra é uma atividade produtiva par excellence. Tem efeitos multiplicadores e imediatos na capacidade industrial de um país. A quase totalidade do desenvolvimento científico e tecnológico no regime capitalista se origina nas pesquisas básicas relacionadas à produção bélica e aeroespaciais. Assunto a ser retomada com mais detalhes futuramente.

Para o financiamento da atual guerra na Ucrânia não colapsar,– o que já começa a aparecer no lado dos valetes ucranianos de Zelensky e companhia – os comandantes militares russos trabalham com o cenário mais provável que a atual crise econômica mundial (particularmente na Europa) vai se aprofundar nos próximos seis meses a um ano. Com todas as consequências políticas e sociais dentro da Alemanha, França, Inglaterra, etc. Sem exceção. O regime capitalista novamente em julgamento nas esclerosadas potências europeias.

Por isso e por outras coisas correlatas, que veremos abaixo, os russos fazem a guerra sem pressa. Quanto mais passa o tempo e a crise aumenta nas principais economias, mais favoráveis para a Rússia ficam as condições para a guerra.

Porém, esta aposta é de alto risco. Se este cenário não se realizar os comandantes militares russos perderão a guerra – e o pêndulo da revolução proletária se moverá mais uma vez para a Rússia e menos para as velhas potências europeias. A renascida burguesia russa será decapitada novamente. Só que, desta vez, abraçadas com a alemã e outras menos importantes.

Só para atualizar o raciocínio: todos estes movimentos tectônicos do imperialismo e da luta de classes estruturam a base material do que chamamos de leitmotiv da guerra.

A previsão estratégica da crise atual se confirma com mais clareza a cada dia. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) andou dizendo dias atrás, em blog preparado domingo (13) para uma cúpula de líderes do G20 na Indonésia que a perspectiva econômica global está mais sombria do que eles projetavam no mês passado.

Ora, no mês passado, o FMI já havia cortado sua previsão de crescimento global de 2022 para 2,7%, ante uma previsão anterior de 2,9%. Agora, baseados em recentes indicadores de alta frequência, seus economistas informam que as perspectivas são muito mais sombrias, principalmente na Europa.

“Os desafios que a economia global está enfrentando são imensos e o enfraquecimento dos indicadores econômicos aponta para mais desafios à frente”, alertam os economistas do FMI aos seus patrões, acrescentando que o atual ambiente é “extraordinariamente incerto”.

Se esta previsão da catástrofe econômica pode dar calafrios nos economistas e governos do G-20, ela soa como música aos ouvidos dos estrategistas militares de Moscou. Não precisam ter tanta pressa em asfixiar os autocratas de Kiev. Basta continuar criando as condições adequadas para que o inverno faça o seu papel da forma mais eficiente possível. Além da economia, a geografia e o clima também são importantes na guerra.

Por isso, quando os primeiros blocos de neve caíram em Kiev nesta quinta-feira (17), só os russos comemoraram. O inverno faz, no curto-prazo, parte do plano de guerra dos seus comandantes militares. É uma arma importante para asfixiar Kiev e, em grande medida, a própria Europa.

Este deve ser um inverno especial de grandes rebeliões sociais no velho continente. A Rússia e EUA exportam suas crises e guerras internas para as velhas e decadentes potências europeias. É sempre bom que essa imposição da luta de classes no interior das nações constitui o principal impulsionador das suas burguesias nacionais para as guerras externas.

O próximo inverno promete grandes acontecimentos. Só quem já viveu nos invernos do Canadá, Rússia ou Ucrânia, sabe o que é viver sob temperatura média de 22 a 25 º C abaixo de zero. Com “sensação térmica” (vento, etc.) pode cair para algo em torno de 80 graus negativos. Quer dizer, sem algum nível de aquecimento dentro das casas nada rola. Morreria todo mundo. Literalmente.

Acontece que este aquecimento exige alguma fonte de energia. As caldeiras centrais dos prédios fervem a água que circula por todos os aquecedores espalhados pelos apartamentos. Combustível (petróleo ou gás) ou eletricidade. Em época de paz estes insumos não faltam. Mas agora podem faltar. Vão faltar, com certeza, se a Rússia continuar bombardeando pesadamente e destruindo a infraestrutura civil do setor de utilidades públicas do país. Não houve nada igual desde o início da guerra, em fevereiro deste ano.

Um mês atrás os russos prometeram ligar o “modo Aleppo” em todas as grandes cidades da Ucrânia. Estão cumprindo fielmente a promessa. O seu fiel executor é nosso tristemente conhecido Sergei Surovikin, novo comandante de operações do exército russo. Sim, exatamente aquele gigante siberiano também conhecido pelos comandantes de exércitos em todo o mundo pelo apelido de “general Armagedon”. Tratamos desta sinistra criatura em nosso último boletim.

Por isso, enquanto os russos comemoravam nesta semana a chegada do inverno os ucranianos corriam desesperadamente para restaurar a energia elétrica e o fornecimento de água em todo o país, Cerca de dez milhões de ucranianos ficaram sem energia, disse o patético Zelensky em um vídeo na noite desta mesma quinta-feira. Autoridades em inúmeros lugares ordenaram blecautes forçados de emergência, disse ele.

A própria história da guerra começa a mudar com o agravamento da crise econômica no mercado mundial e, simultaneamente, a chegada do inverno na Europa. Começa a escalar novos patamares.

Estes primeiros flocos de neve, anunciadores da chegada do inverno, que em épocas de paz é comemorado com alegria pela população, agora anunciam uma coisa inimaginável até alguns meses atrás: o êxodo da população das grandes cidades para fugir do colapso total das suas condições básicas de existência.

Começando pela capital, Kiev, com mais de três milhões de habitantes ameaçados de evacuação forçada da cidade. “The New York Times”, um dos mais influentes jornais da grande mídia imperialista, descrevia na semana passada a situação em detalhes, em longa matéria o título: Kiev planejando evacuação total se ficar sem energia elétrica.

Enquanto lutam para manter uma rede elétrica fortemente danificada por mísseis russos, relata o NYT, as autoridades da capital ucraniana, Kiev, dizem que começaram a planejar uma possibilidade antes impensável: um apagão completo que exigiria a evacuação de aproximadamente três milhões de habitantes restantes.

A situação já é tão terrível, com 40% da infraestrutura de energia da Ucrânia danificada ou destruída, que funcionários municipais estão montando 1.000 abrigos de aquecimento que podem funcionar como bunkers, enquanto engenheiros tentam consertar usinas bombardeadas sem contar mais com o equipamento necessário.

Para tentar evitar que a rede entre em falência completa, a concessionária nacional de energia da Ucrânia disse no sábado que continuaria impondo apagões contínuos em sete regiões.

A tremenda pressão sobre a capacidade da Ucrânia de fornecer energia, justifica a concessionária, é o resultado do bombardeio generalizado pelas forças russas sobre a infraestrutura de energia crítica em todo o país.

Os danos causados ​​pelos ataques russos aumentaram ainda mais o sofrimento dos civis ucranianos e forçou as autoridades a considerar a possibilidade de que mais danos possam torná-los incapazes de fornecer serviços básicos. Entendemos que, se a Rússia continuar com esses ataques, podemos perder todo o nosso sistema de eletricidade, disse Roman Tkachuk, diretor de segurança do governo municipal de Kiev.

Autoridades na capital foram informadas de que provavelmente serão avisados com pelo menos 12 horas de antecedência de que a rede estará à beira da falência. Se chegar a esse ponto, disse Tkachuk, “começaremos a informar as pessoas e pedir que saiam”.

“Se não houver energia, não haverá água nem esgoto”, disse ele. “É por isso que atualmente o governo e a administração da cidade estão tomando todas as medidas possíveis para proteger nosso sistema de fornecimento de energia.”

É um absurdo imaginar um êxodo de 3 milhões de pessoas. Isso levando em conta só a capital. Para onde iria esta multidão? Em pleno inverno ucraniano! Afundando e morrendo nas estradas de lama gelada. Sem destino. É claro que isso seria o fim da linha também para Zelensky e os bilionários capitalistas que reciclaram e elegeram este antigo comediante em comandante em chefe do bravíssimo exército ucraniano.

O cenário mais provável das próximas semanas da guerra é que este desenlace se materialize progressivamente no mesmo ritmo que se avolumam as tempestades de neve e as temperaturas deslizem para as médias mínimas normais do inverno.

Nesta segunda-feira (21) a temperatura mínima em Kiev ainda oscilava entre 1 e 3 graus abaixo de zero. É alta. Ainda está suportável. É temperatura de primavera na Ucrânia. Só deve atingir a faixa média de 20 a 25 graus negativos na primeira quinzena de janeiro próximo. Naquela altura do campeonato a atual escalada da guerra, iniciada há pouco mais de um mês (atentado na ponte do Estreito de Kerch, Criméia), estará se fechando. E abrindo outra.

A tortura implacável de um curto espaço de tempo e de clima comanda a evolução das peças e dos atores no tabuleiro da guerra. Os russos continuarão executando o seu plano de guerra neste curto período. Quer dizer, continuarão lançando mísseis em quantidades suficientes para destruir infraestruturas críticas das grandes cidades ucranianas de fornecimento de energia elétrica e outros insumos básicos. Asfixiar e congelar o inimigo. Sem necessidade de armas nucleares.

Ao contrário dos russo, os ucranianos não têm nenhum plano de guerra, a não ser procurar escapar deste cerco e asfixia atual  imposta pelo inimigo. O único expediente tático, nesta situação, será “melar o jogo”. Quer dizer, criar algum fato muito impactante, que obrigue a OTAN a se envolver mais diretamente no conflito. Mesmo que isso possa incendiar o mundo em um fantasmagórico cogumelo nuclear.

O lançamento pelo sistema de defesa antiaéreo ucraniano de um míssil no território polonês (duas mortes), na semana passada, para parecer uma “agressão terrorista da Rússia sobre um membro da OTAN”, é um exemplo de tentativa neste sentido de criar o fato. Mas, devido ao alto grau de amadorismo, a “bandeira falsa” costurada em Kiev pode ser desbaratada facilmente e com muita rapidez por Washington.

Parece que os dirigentes mais importantes da OTAN (Washington e Paris, pela ordem) já estão em negociações nem tão secretas com Moscou para contornar a “estratégia” de Zelensky e seus competentes comandantes militares de incendiar o mundo, e criar condições concretas para salvar sua própria pele.

A preocupação no eixo Moscou-Washington é evitar qualquer a qualquer custo alguma aventura na questão nuclear. Evitar a nuclearização do conflito, como sempre fizeram com muita competência, na época da “guerra fria”. O jogo é o seguinte: guerrear à vontade, mas com regras que evitem qualquer tentação apocalíptica de ganhar a parada e morrer junto com todo mundo.

E quem arbitra este jogo, quem decide pela bomba ou não, não são as volúveis lideranças políticas de Washington ou Moscou, mas as cúpulas militares destas duas superpotências nucleares. E estas últimas nunca fecharam nem fecharão seus canais diretos de comunicação.

Neste sentido, a grande e urgente tarefa desta semana, dos verdadeiros profissionais em questão militar e em guerras envolvidos no conflito (Rússia e EUA) é proteger com extremo cuidado qualquer aventura sobre as instalações da maior usina nuclear da Europa.

Zaporizhzhia, meu amor! O que pode acontecer com você nos próximos dias? No domingo (20), a Rússia e a Ucrânia acusaram-se mutuamente de bombardear a usina nuclear de Zaporizhzhia, ocupada pelas forças russas desde março, que antes da guerra produzia cerca de 20% da eletricidade da Ucrânia. A Rússia disse que projéteis de artilharia de grande calibre foram disparados, atingindo mais de uma dúzia de áreas de operação da instalação, incluindo a linha de energia que alimenta a usina. Segundo a mídia imperialista mundial as responsabilidades pelos ataques não puderam ser esclarecidas.

Especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica e da Rosatom State Nuclear Energy Corporation, da Rússia, avaliaram a instalação e “a situação da radiação na área da usina nuclear permanece normal”, disse o Ministério da Defesa em um comunicado. A AIEA confirmou fortes explosões na área da usina no sábado e no domingo, mas não culpou ninguém, embora é evidente que ela saiba quem foi. Afinal, o mundo todo sabe.

“Quem quer que esteja por trás disso, deve parar imediatamente”, limitou-se a dizer o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi. “Você está brincando com fogo!”

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