por José Martins, da redação. Pix 02911418891
As boas notícias do ciclo econômico não param de chegar. Nesta brilhante segunda-feira do primeiro dia de agosto a perspectiva da produção das fábricas mundiais amanheceu coberta por nuvens escuras, um enfraquecimento que se estende da Europa até a Ásia. O capital global está ladeira abaixo.
As grandes plataformas mundiais de notícias econômicas informam que a atividade das fábricas europeias caiu e a produção manufatureira asiática continuou a enfraquecer no mês passado, em meio a complicações persistentes nas cadeias de abastecimento, crise alimentar e desaceleração da economia global.
Todos os índices dos gerentes de compras para as quatro maiores economias da zona do euro indicaram contração, com encolhimento confirmado para a região como um todo após uma estimativa inicial em 22 de julho. “A indústria da zona do euro está afundando em uma desaceleração cada vez mais acentuada, aumentando os riscos de recessão da região”, disse Chris Williamson, economista da S&P Global. “As novas encomendas já estão caindo em um ritmo que, excluindo os meses de bloqueio pandêmico, é o mais acentuado desde a crise da dívida em 2012, com pior probabilidade de vir.”
Na Inglaterra o tombo é ainda maior. Nos EUA, além da segunda queda trimestral seguida do PIB neste ano, também os investimentos em novas fábricas caem velozmente, junto com a estagnação da produtividade e da produção industrial. Uma crise periódica que finalmente atinge diretamente o coração do sistema.
Na Ásia, os dados mostraram que a atividade fabril da China contraiu inesperadamente em julho, revertendo o pequeno impulso econômico anterior. A dramática situação da produção chinesa puxa para baixo toda a produção industrial asiática. Índia, Coréia do Sul e Taiwan sofreram o maior impacto. Vejam a bela pintura abaixo.
As perspectivas da área do euro são cada vez mais terríveis, apesar de uma forte expansão de 0,7% no segundo trimestre. A inflação recorde e a maior probabilidade de um corte no fornecimento de combustíveis pela Rússia ameaçam infligir profunda paralização da indústria europeia, começando pela alemã.
Este processo europeu de crise terminal aparece também dramaticamente em todas demais áreas e economias dominadas do sistema. Mais ainda na China. É aqui que se desenrola mais claramente um novo fenômeno no mercado mundial. A China estiola no vazio da desglobalização.
A economia chinesa não para de piorar. Vale a pena entrar com o bisturi nas vísceras de quem já foi a grande estrela da era da globalização, abruptamente interrompida nos últimos anos. Comecemos pelo trivial, dados do PIB. Veja o que informa o mais claudicante do que nunca governo chinês sobre o desempenho de sua economia neste relatório de algumas semanas atrás do Bureau Nacional de Estatísticas da China . (NBSC sigla em inglês)
No 2º trimestre de 2022 a economia líder dos BRICS (sigla do bloco de grandes economias dominadas Brasil, Rússia, Índia, China e South África) cresceu mísero 0,4 por cento em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso é mais catastrófico do que as piores previsões dos economistas do mercado.
Em uma base trimestral anualizada, e em relação ao trimestre anterior, a economia encolheu monumentais 2,6%. São as menores taxas de crescimento desde a virada dos anos 1980 – quer dizer, desde quando os chineses abriram a economia nacional para a livre e irrestrita exploração do capital externo nas famigeradas cadeias globais de produção, ou zonas de montagem para exportação. Consolidava-se então a popularmente conhecida globalização do mercado mundial.
Note-se também na tabela acima que na fase de expansão do ciclo de expansão mais recente (2009/2019) que os capitalistas chineses e seus parceiros imperialistas conseguiram manter a economia à tona até aproximadamente o 1º trimestre 2019.
Foi o canto do cisne. Nos estertores da globalização, nessa moderna cruzada capitalista que levava cravada na testa a sua marca característica: made in China. Inicia-se então pesada tendência ao desabamento. Até o começo de 2019, a economia chinesa ainda conseguia crescer, na contra tendência da desglobalização, na faixa entre 6,5 e 7,0% ao ano. A partir daí, entretanto, se inicia a fase agora vivida de desaceleração cíclica e crise geral. E a economia chinesa começa a derreter lentamente.
Desde 2019 a economia chinesa luta contra duas pressões insuportáveis que a puxa inelutavelmente para baixo: a primeira, desde 2009, é aquela progressiva desglobalização e desacoplamento do capital internacional instalado na China; a segunda, desde 2019, é a crise cíclica geral, que ora se desenrola ferozmente e se encavala naquela primeira pressão da desglobalização.
Foi nestas desfavoráveis condições endógenas que os burocratas do Politiburo estabeleceram uma meta de crescimento do PIB de 5,5% para este ano de 2022 – o que já seria modestíssimo para uma economia que sempre cresceu acima de 10% no auge da carnificina imperialista dos anos 1990/2000. Até o Partido da ordem interna agora parece admitir que o país não vai atingir essa meta.
Afinal, o crescimento no 1º semestre do ano não passou de 2,5%. Este fraco desempenho significa que seria preciso um crescimento econômico de cerca de 8% no 2º semestre do ano para atingir aquela meta anual de 5,5% da burocracia de Pequim. Agora não dá mais. Pelo andar da carruagem, o cenário mais provável é que o crescimento neste segundo semestre do ano será ainda menor do que no primeiro.
O fantasioso planejamento estatal chinês falhou estrondosamente. Mais uma vez. Os funcionários do partido da ordem planejaram 5,5% de crescimento anual e o resultado será alguma coisa próxima de zero. Como diria o camarada Mao Tsé Tung, “a prática é o critério da verdade”.
Esta recente derrocada produtiva da economia chinesa só começou a revelar suas consequências mais severas nos últimos dois anos. Uma delas foram as receitas e lucros operacionais (principal atividade das empresas) mergulhando abruptamente em direção ao território das taxas negativas. É o que informa o NBSC, também no mesmo relatório.
Observa-se que a massa de lucro operacional da esfera produtiva da economia desaba de um crescimento de 66,9 % no 1º semestre de 2021 para as proximidades de zero no 1º trimestre deste ano de 2022. Os burocratas do planejamento estatal não fizeram a leitura correta deste processo iniciado em 2021. Mais um erro grave.
Na mesma base de comparação, a variação das receitas operacionais – caindo de 27,9 para 9,1% – acompanha a tendência de desabamento dos lucros. Importante observação: segundo o mesmo relatório do BNSC, considerando apenas a indústria manufatureira, que regula o restante da indústria, a massa de lucro caiu 10,4% no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período do ano anterior.
Essas movimentações endógenas do capital não acontecem impunimente. A produção (MVA) da indústria manufatureira chinesa já caiu no primeiro semestre do ano (-) 2,7%. Quedas em alguns importantes setores no 1º semestre 2022: automobilístico (-) 2,1 %; máquinas em geral (-) 2,7%; aço bruto (-) 6,5%.
Agora, como observado no início deste boletim, a produção manufatureira asiática continuou a enfraquecer em julho. Para a economia de um país do tamanho da China, com quase um bilhão de cidadãos sofrendo na pobreza, essa situação da produção nacional é o equivalente de uma inevitável fome generalizada que ali progride velozmente, neste momento. Os capitalistas chineses não serão capazes de alimentar sua população de 1,4 bilhão de pessoas.
A catástrofe alimentar chinesa tem a ver apenas e tão somente com essa incapacidade dos capitalistas e seus incompetentes funcionários do partido da ordem fazerem a economia crescer e, consequentemente, evitar o aumento do desemprego e miséria da maior massa de operários do mundo.
Resumo econômico da tragédia do capitalismo chinês: a produção de capital sob a forma de mais-valia absoluta – baixa produtividade e, no desenvolvimento da luta de classes, pouca margem política dos cpitalistas para diminuir ininterruptamente os mais baixos salários do mundo – tornou-se absolutamente insuficiente para superar as condições globais mais difíceis de valorização no longo período de expansão 2009/2019. E o país começou a ser abandonado pelas mega empresas globais, que levaram de volta para seus países os investimentos diretos externos (IED) que moviam a outrora estrela fulgurante da globalização.
O fato é que desde 2010 já se podia observar que estavam a ocorrer mudanças na ordem mundial . O que mais chamava a atenção era um estranho travamento do crescimento nas economias dominadas, enquanto nas dominantes se recuperava taxas de crescimento mais civilizadas. Este fenômeno era acompanhado por um embrionário redirecionamento dos fluxos de capital e de investimentos (IED) na totalidade do mercado mundial. A China, mais do que qualquer outra economia dominada, sentiu o impacto desta desglobalização.
Desde o ano passado a desglobalização já está na boca do povo. Até os comentaristas econômicos e políticos do sistema já falam dela com certa intimidade. Mas vamos em frente. Vejamos os resultados (ou realização) já alcançados por este processo. O gráfico abaixo – com base no relatório da Unctad “Relatório de Investimento Mundial 2022” – serve como uma didática ilustração e roteiro.
Economia mundial: fluxos de investimentos diretos de capital industrial por destinação total e economias selecionadas – 2003/2021
índice 2003=100
Fonte: Unctad (dados originais); elaboração da redação Crítica da Economia.
O que se verifica no prazo mais longo de aproximadamente vinte anos é que a repartição dos fluxos internacionais de investimento direto (IED greenfield) direcionados ao capital operacional das empresas – não confundir com os fluxos de fusões e incorporações de propriedades M&A – rompem radicalmente com o padrão que existia até os anos 2000.
A sagrada unidade do desenvolvimento desigual e combinado – mais-valia relativa no centro dominante e mais-valia absoluta na periferia dominada – começa a ser profanada pelas monumentais migrações populacionais das miseráveis periferias para os centros imperialistas nos EUA, Europa e Japão. Uma favelização das ricas capitais europeias e estadunidenses. A fome planetária agora reina também em Nova York, Londres e Berlim.
Destacando esta coisa muito importante indicada no gráfico: o fenômeno da desglobalização nada mais é do que a reversão de um bem sucedido crescimento dos mercados por todos os poros da crosta terrestre para um estado estacionário dos fluxos internacionais do capital e das mercadorias.
Nota bene: na disrupção da crise geral ocorre também um retraimento depressivo das condições de comércio e de circulação da lei do valor no mercado mundial. Voltaremos a falar sobre este fenômeno que está na base da misteriosa desorganização das cadeias globais de suprimentos, escassez de alimentos, turbulências no mercsdo cambial, etc.
De maneira mais clara a partir da última crise global de 2008/2009, os fluxos globais de IED (linha preta no gráfico) deslocam-se rapidamente das economias dominadas do sistema imperialista (China, Brasil e Índia, no gráfico) para as economias dominantes (EUA e Alemanha). Do made in world para o made in USA again. Tudo isso leva a um grande desacoplamento dos investimentos internacionais, como ilustrado na curva abaixo.
Observa-se então que, evoluindo do mesmo ponto de partida (2003=100) a grande ruptura nas condições de globalização nos últimos vinte anos (entre 2001 e 2021) fica mais clara nesta confrontação dos movimentos do capital global em direção aos EUA ou à China.
Observa-se que neste longo período a participação dos EUA no total do IED greenfield aumentou de aproximadamente 6% para 12%. E a participação da China nos fluxos globais de investimentos globais cai de 16% para 3%. Os investimentos globais começam a secar na China.
É importante observar no gráfico que as duas curvas se cruzam exatamente em 2008, quando se abre o forte choque cíclico que durou até 2009. Observando a evolução dos estoques de IED greenfield adicionados à economia chinesa, no mesmo período de vinte anos, essa fuga de capitais da China fica ainda mais fácil de ver.
A China não é mais o principal destino do capital global. Ao contrário, ele foge e deixa um bilhete: adeus made in China. As imundas cadeias produtivas globais são transferidas em grande parte também para as metrópoles imperialistas. Fantástica miscigenação do trabalhador coletivo internacional. Os negros, amarelos e peles vermelhas circulam numa boa pela Broadway, Trafalgar Square e Berlim Alexanderplatz. Marx e Engels certamente curtiriam muito esta explosão de modernidade em plena etapa senil e terminal do regime capitalista.
Repetindo: o desenvolvimento desigual e combinado da acumulação global foi rompido pela crise periódica de superprodução de capital. Qual é o problema? A tendência à implantação da forma de extração da mais-valia absoluta na produção do capital até no interior das economias dominantes asfixia o fogo da acumulação (produtividade do trabalho). A reprodução ampliada do capital (acumulação) é abafada pela reprodução simples. A taxa de acumulação tende a zero. A propriedade privada especificamente capitalista é congelada. Este sonho de Malthus é inaceitável para o capital de Ricardo continuar vivo.
Concretamente, esta ruptura do desenvolvimento desigual e combinado no mercado mundial quer dizer que a exploração (produtividade) da mais-valia relativa cede espaço para a miséria da mais-valia absoluta (“crise do custo de vida”, como eles andam dizendo na Europa e EUA) mesmo em Nova York, Londres ou Berlim. E leva para o estado estacionário global que ora se inicia e à guerra mundial que já se conecta nervosamente em linha direta de Kiev a Taipé.
Ninguém ainda sabe, neste momento que fechamos este boletim, onde está o caça das forças aéreas dos EUA que transporta Nancy Pelosi em seu belicoso tour pela Ásia. E muito menos se ela vai realmente desembarcar em algum lugar de Taiwan. Isso pode ser mais importante para a ordem internacional que os ataque terrorista de Washington de setembro de 2001 às torres gêmeas de Nova York. Agora, se Pelosi e seu Estado terrorista realmente aterrissarem em Taiwan, Pequim garante que vai retaliar militarmente. A temperatura no estreito que separa a China de sua “província rebelde” nunca esteve tão elevada. O eixo da 3ª guerra mundial se desloca para a Ásia.
A podridão é o laboratório da vida. Todas essas contradições e sanguinárias peripécias do regime capitalista querem dizer dialeticamente (ou logicamente), do lado oposto da antítese, um revolucionário amadurecimento das condições materiais de reprodução da espécie humana nunca imaginado. Um patamar desenvolvimento das forças produtivas que não cabe mais nas estreitas e podres relações sociais capitalistas, abrindo as portas para uma revolução proletária internacional em um estado muito mais puro do que no século passado e anteriores. Voltaremos ao assunto. Colabora para a continuidade do nosso trabalho pelo PIX 02911418891