por Ana Araújo e José Martins, da redação.
Aumenta a ingovernabilidade. E a conjuntura política ferve. Nesta semana, com bem mais desenvoltura, as classes dominantes brasileiras e seu atual governo jogaram mais fichas em uma radicalização política e engessamento das instituições.
O presidente da República, Jair Messias Boçalnaro, e seu ministro da justiça, Sérgio Moro, são os principais protagonistas dentre outros inúmeros meliantes que povoam atualmente o palácio do Planalto. Aumenta a possibilidade de paralisação e fechamento do regime.
Este cenário de nova etapa de radicalização do governo aparece com mais clareza com duas ações simultâneas: a “operação hacker”, da Polícia Federal, e a edição da portaria nº 666, de 25 de julho 2019, ambas as ações comandadas pessoalmente pelo ministro da Justiça.
Em seu Art. 1º, a portaria 666 estabelece com toda a clareza e indisfarçada violência o seguinte: “Esta Portaria regula o impedimento de ingresso, a repatriação, a deportação sumária, a redução ou cancelamento do prazo de estada de pessoa perigosa para a segurança do Brasil ou de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.
Está sobrando quase nada mais do direito individual à privacidade e a uma mínima livre expressão, como se vivia até agora. Na democracia, quando desvanece o poder de governar a violência potencial do Estado é substituída pela violência cinética. Um enfraquecimento da capacidade repressiva do Estado.
Este quadro de nova etapa de radicalização do governo e ruptura com a ordem institucional foi corretamente evidenciado por alguns poucos analistas políticos de oposição no país. Como o jornalista Luis Nassif, que descreve corretamente as recentes ações do governo:
“A operação da Polícia Federal contra os supostos hackers do interior paulista indica o início da estratégia Operação Incêndio de Reichstag, que marcou a ascensão do nazismo na Alemanha. É uma tática recorrente em governos que caminham para o autoritarismo. Vão sendo testadas armações que insuflem a malta contra o inimigo comum fabricado. Mantém o clima de conflito permanente até que se tenha o grau de fervura adequado para o golpe final… Enfim, já começou a contagem regressiva para a radicalização final do governo. Ou as instituições acordam enquanto é tempo, ou será tarde. O tempo para reagir tornou-se dramaticamente curto.”
Entretanto, antes que alguma análise mais superficial eleja as grandes ideias ou os grandes homens (pequeníssimos, no caso brasileiro) como os demiurgos criadores do processo histórico é muito mais inteligente considerar que na origem do atual governo e nas suas tentativas atuais de fechar o regime existe uma base material perfeitamente definida.
Boçalnaro, Moro e demais milicianos atualmente instalados no trono em Brasília não são um raio no céu azul da democracia. Na base dos fenômenos políticos brasileiros e no enfraquecimento de governo das classes proprietárias existe um processo econômico depressivo e um desemprego crescente que essas classes não conseguirão interromper.
Portanto, para quem está interessado em saber o que está determinando o tumultuado quotidiano político no Brasil e seus explosivos desdobramentos é altamente recomendável que se observe mais de perto a falência da produção industrial do país.
Veja-se, por exemplo, como é reportado pelo jornal O Estado de São Paulo o que está acontecendo no estado de São Paulo, maior polo industrial do País, que registrou o fechamento de 2.325 indústrias de transformação e extrativas nos primeiros cinco meses do ano.
Os índices de óbitos na base mais importante da produção de capital no Brasil atingem os níveis mais elevados dos últimos dez anos e 12% maior que o do ano passado, segundo a Junta Comercial de São Paulo. Veja essa evolução.
No grupo das que fecharam as portas neste ano, há indústrias nacionais e multinacionais estrangeiras. Algumas transferiram filiais para outras unidades da mesma companhia para cortar custos e outras encerraram totalmente a produção.
De uma forma ou de outra deixaram um rastro de grandes contingentes de desempregados, a maior parte deles sem receber salários atrasados e indenizações.
A indústria de autopeças Indebrás, por exemplo, na zona oeste de São Paulo, deixou de operar em abril e colocou na rua cento e cinquenta funcionários. Com salários atrasados e sem verbas rescisórias, eles ficaram acampados em frente à fábrica por 48 dias. Após acordo na Justiça do Trabalho, a empresa propôs fazer o pagamento em 18 parcelas mensais.
“O receio é que a empresa pague as primeiras parcelas e depois suspenda o pagamento, como já ocorreu em acordos anteriores fechados por outras empresas”, diz o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Érlon Souza.
A destruição de capacidade produtiva instalada e crescente desemprego da população trabalhadora aparecem ameaçadoramente para a sociedade civil como a única perspectiva do regime capitalista brasileiro para a próxima década.
Os números ainda não tão elevados (em termos absolutos) de fechamento de indústrias e de desemprego, acima ilustrados com o caso de São Paulo, devem ser generalizados para todo o país e multiplicados por dez ou vinte nos próximos anos.
Isso é o mais importante a ser considerado na análise da atual situação política: os capitalistas nacionais e internacionais que agem impunemente no Brasil já sabem, como os leitores da Crítica da Economia há muito mais tempo, que eles serão incapazes de recuperar o crescimento econômico interno nos próximos dez anos.
Ou mais de dez anos, pois este longo prazo vai depender do fato que no meio do caminho a economia brasileira será atingida por um choque global de magnitude inédita nos últimos setenta anos. Por enquanto a economia mundial continua se segurando, bem ou mal, no ocaso do atual período de expansão global.
É por isso que se assiste neste momento um aumento do pessimismo dos economistas do mercado e do governo com a sua manifesta impotência para fazer qualquer política econômica expansionista. Sabem que sem esta recuperação seu regime de exploração vai para o vinagre.
A grande mídia do sistema procura festejar ruidosamente qualquer minúsculo “sinal de recuperação da economia”. Eles sabem que isso é crucial para a sobrevivência do atual regime de exploração. Mas fica cada vez mais difícil convencer a assustada opinião pública que sua propaganda não é enganosa.
É importante salientar que essa impotência burguesa de garantir a reprodução do capital também existiria em um hipotético novo governo mais popular (militar ou civil) e mais interessado em aplicar uma política econômica anticíclica estilo Guido Mantega para recuperar a governabilidade e evitar a guerra civil.
Acontece que – como a Crítica da Economia vem analisando exaustivamente em inúmeros boletins nos últimos anos – a causa do travamento da economia brasileira, como de resto das demais economias da periferia dominada do sistema imperialista, encontra-se na asfixiante nuvem deflacionária que cobre o mercado mundial desde o último choque periódico global (2008/2009).
Frente a este irreversível fenômeno de achatamento dos preços médios no mercado global e das correspondentes mudanças na divisão internacional do trabalho as classes dominantes brasileiras jogaram finalmente a toalha.
E confessam, na forma de um vazio de soluções econômicas e na ingovernabilidade política sem freios, que são incapazes de garantir a produção e a reprodução das condições de sobrevivência de noventa por cento da população do país.
Começam, então, a eutanásia da indústria. Uma dolorosa arquitetura de liquidação de uma incurável economia da periferia imperialista.
O governo atual de Boçalnaros, Moros e demais paus-mandados da desordem política nacional é a forma burguesa mais adequada para a realização desta imunda arquitetura da destruição.
Uma arquitetura projetada por classes parasitas e proprietárias de todos os meios sociais de produção do país que já perderam qualquer justificativa ou legitimidade moral para continuar governando e decidindo o que, como, e para quem produzir.