quinta-feira, outubro 31, 2024
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Guerras Comerciais No Ocaso Da Globalização

por Fernando Grossman e José Martins, da redação

A guerra comercial entre EUA e China se intensifica perigosamente. Nesta segunda-feira (13) se aproximou de um inacreditável ponto de não retorno. O mais provável é que Washington ainda evite este ponto. Se houver lucidez, uma coisa que nesta semana ficou menos evidente.

Caso contrário, se a coisa for até a definitiva ruptura das negociações entre as duas economias siamesas da economia global o comércio internacional e o mercado mundial entrariam em inédito colapso planetário.

As ações em Wall Street caíram pesadamente durante o dia, depois que a China decidiu retaliar às mais recentes medidas protecionistas dos EUA sobre produtos chineses, elevando em contrapartida as tarifas de produtos importados dos EUA.

A China comunicou ao mundo que aumentará as tarifas de mercadorias importadas dos EUA, no valor de US $ 60 bilhões, a partir de 1º de junho. É praticamente a metade do que ela importa do seu principal parceiro comercial. Não é muita coisa, comparado com o que ela exporta. Veja evolução de longo prazo deste comércio bilateral no gráfico abaixo.

Desequilíbrio e dependência chinesa total ao comércio com os EUA. De um ponto de vista puramente comercial, a economia chinesa sofreria um golpe fulminante com o anunciado bloqueio de suas exportações para seu estratégico escoadouro de demanda.

Em 2018 as exportações chinesas para os EUA somavam US$ 539.5 bilhões e as importações US$ 120.3 bilhões, resultando em um superávit de US$ 419.2 bilhões.

Note-se que as importações chinesas de mercadorias estadunidenses, além de muito baixas, relativamente, estão praticamente estagnadas desde 2015, enquanto as exportações aceleraram fortemente no mesmo período.

Isso reflete outra realidade importante: enquanto a China estagnava a produção industrial, estagnando sincronicamente sua demanda externa, os EUA continuaram elevando a produção e a demanda por importações da China.

Entretanto, no quadro das negociações e guerra comercial atual as importações chinesas incluem itens altamente estratégicos para o governo estadunidense. Produtos agrícolas, por exemplo. Os chineses usarão esta arma contra os EUA.

Os mais importantes itens listados na retaliação chinesa ​​incluem uma ampla gama de produtos agrícolas como soja, milho, carne suína, etc. Isso atinge de frente o lucro dos fazendeiros do Meio Oeste estadunidense.

Não se trata apenas da “base eleitoral de Trump” que estaria sendo ameaçada pela ausência da demanda chinesa, como descrevem as análises mais superficiais do problema.

Trata-se de um problema de Estado. Mexer com a base territorial do Estado mais poderoso do mundo (militar e econômico) seria inaceitável pelo governo de Washington.

A China afirmou em seu comunicado oficial que as ações protecionistas dos EUA prejudicam os interesses dos dois países e não atendem às “expectativas gerais da comunidade internacional”.

Se esta vaga e mistificadora expressão “comunidade internacional” for o que se entende corretamente como interesses capitalistas globais – ou globalização do capital, simplesmente – os burocratas chineses estão corretos.

Entretanto, quanto à afirmação de Pequim de que os interesses dos dois países (EUA e China) seriam prejudicados com o protecionismo de Washington, há controvérsias.

Como se pode calcular com os dados no gráfico acima, a forte restrição tarifária de mais 25% sobre a totalidade das exportações chinesas para os EUA levaria a segunda economia do mundo (em tamanho absoluto) a uma imediata catástrofe.

DonaldTrump sabe disso. Por isso retrucou ao comunicado chinês dizendo que os EUA estão em uma “ótima posição” nas negociações e que “nossa economia está muito poderosa; a deles não.”

Acrescentou em seu twite que “a China ficará muito mal se não fizer um acordo comercial”, e que, sem um acordo, as empresas serão forçadas a deixar o país asiático.

Trump toca assim em outro ponto altamente sensível nestas já avançadas escaramuças de posições. O problema das indústrias estadunidenses instaladas na China vai além dos problemas meramente comerciais. Tem a ver com o amplo processo de acumulação globalizada do capital.

Os preços das ações da Caterpillar caíram 4,6%, enquanto os da Apple caíram 5,8%. As ações da Boeing caíram mais de 4,5% em meio a especulações de que a maior fabricante de aviões do mundo poderia ter grandes contratos previamente assinados com a China sendo sumariamente descartados em caso de guerra comercial.

Trump mente tanto quanto os dirigentes chineses ao dizer que a China tinha um “grande acordo” quase concluído, mas “recuou”. Na verdade, os trogloditas negociadores estadunidenses colocaram a faca no pescoço dos chineses, não restando a estes últimos senão a interrupção das negociações e a corajosa decisão de retaliar.

Com isso, o presidente estadunidense quer dizer que os chineses são os únicos responsáveis pelo fracasso nas negociações e por todas as consequências que explodirão no mercado mundial.

Se, por outro lado, for levado em conta que o que guia atualmente a estratégia econômica estadunidense é simplesmente “América First” – quer dizer, EUA em primeiro e o resto que exploda – seu presidente está tão correto quanto os chineses nas acusações recíprocas de quem é o culpado nesta aventura que pode congelar a globalização do capital e paralisar a produção mundial.

Nunca é demais relembrar que em uma guerra que se preza todos os envolvidos sempre têm razão. Tanto entre classes sociais antagônicas quanto entre nações. Todos têm suas próprias verdades. Essa antinomia só pode ser resolvida praticamente, nas trincheiras da guerra propriamente dita. A verdade histórica, a única que vale, é criada nos campos de batalha armada.

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