domingo, abril 28, 2024
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Eleições brasileiras: de susto, de bala ou vício

por Dóris Castro e Ana Araújo, da redação.

Pouca gente imaginava que a manifestação das mulheres brasileiras no sábado passado fosse tão avassaladora. Meio milhão de pessoas (ou bem mais?) inundaram ruas e cidades de norte a sul do país. Nenhuma cidade importante ficou fora. Por algumas horas o Brasil ficou bonito. Alegre, colorido, inteligente.

Com seu incisivo #EleNao as mulheres balançaram a roseira da abjeta sociedade civil brasileira. Devolveram a política para as ruas. Tencionaram os limites do Estado democrático brasileiro. Os efeitos foram imediatos.

A crise voltou para as ruas. O #EleNao que contagiou a sociedade civil foi um contundente recado político jogado na cara da protoburguesia brasileira: não adianta ficar fazendo de conta que um novo presidente poderá restabelecer a governabilidade deste país irremediavelmente falido.

Depois de terem aparentado, dias antes, certo desprendimento de soluções políticas suicidas, como observado em nosso último boletim , as volúveis convicções da protoburguesia de Fernando Henrique et caterva sofreram um giro de 180 graus. Resolveram eleger o candidato que a revista The Economist definira ela mesma como a “a mais recente ameaça para a América Latina”.

Com ações incrivelmente articuladas, como uma verdadeira quartelada, a burguesia e proprietários fundiários em peso jogaram todas suas fichas de apoio ao #EleSim. E decidiram eleger a estranha criatura para comandar os destinos da nação.

Acionaram propaganda super concentrada para a criatura na grande mídia, agiram na descarada manipulação das pesquisas eleitorais Data Folha e Ibope, renovaram emergencialmente novos ataques da ditadura do Judiciário – Aldo Moro, Supremo Tribunal Federal, etc.

O espectro da rebelião popular assustou os parasitas. Em dois dias a franco-maçonaria burguesa mudou totalmente seus planos eleitorais. Nada de um “Macri brasileiro”. Nada de Alkmin, de Ciro, de Haddad ou qualquer outro genérico.

Os dados de uma perigoso processo foram lançados. Trata-se agora de eleger presidente da República alguém da própria milícia de torturadores profissionais da ordem política e social para organizar a reação policial sobre a indefesa sociedade civil em geral, de maneira reforçada e ideologizada ao máximo. Tudo dentro da lei, é claro. Democraticamente. Constituição existe para isso.

No decorrer desta última semana, com medo de mínimos sinais de rebelião popular nas ruas, a democracia brasileira não só definiu antecipadamente o resultado das eleições de Outubro como mostrou melhor sua verdadeira face para sua distinta plateia de cidadãos. Mais feia do que de costume. Com cara de “fascismo”, como caracteriza apressadamente grande parte da esquerda democrática do país.

Mas então seria uma espécie de fascismo transgênico. Ao contrário do fascismo natural dos integralistas “galinhas verdes” de antigamente, seria um fascismo neoliberal, antinacional, antiprotecionista, antissindicalista, etc. Com a cara “d’Ele”, um guardinha de esquina que está sendo promovido a presidente da República e comandante das forças armadas nacionais.

Essa aplicação de uma cara supostamente fascistóide para a democracia brasileira se apresenta à luz do dia no corpo de duas impiedosas irmãs siamesas que já reinam há alguns anos na ordem burguesa nacional– violência policial na política e “responsabilidade fiscal” na economia.

O que causa grande desconforto a essa desforme criatura é que enquanto a burguesia faz de tudo para que as eleições de Outubro ainda pareçam uma coisa séria, a economia nacional exaure. Enferruja. Cronicamente inviável. E o pior, seu candidato antecipadamente eleito pelas fajutas pesquisas eleitorais do Ibope e Datafolha diz que não entende nada de economia!

Todas as pessoas bem informadas sabem que sem economia funcionando não pode haver governabilidade. E os dados econômicos mais recentes são muito elucidativos a respeito. Dados cada vez mais frágeis para sustentar a nova ordem política que virá depois das eleições.

Veja, por exemplo, o relatório da produção industrial que o IBGE publicou nesta terça (02/outubro). Queda da base produtiva nacional pelo segundo mês seguido. Essa sequência não acontecia desde o final de 2015. Passados oito meses de 2018, a indústria está 1,1% abaixo do patamar de dezembro do ano passado.

Tem que crescer bastante neste último quadrimestre do ano para recuperar aquele patamar do ano passado, quer dizer, apenas para ficar patinando no mesmo lugar. O pior, mais uma vez, é que não há nenhum indício para apostar que isso será conseguido.

É bom lembrar que no Brasil os capitalistas não têm a mínima autonomia para fazer política econômica anticíclica. Isso é só para economia dominante. Por isso a economia patina. Por enquanto. Quando estourar o próximo choque global, o mergulho será profundo. Mas nem estamos considerando esse choque global nas observações deste boletim. Já temos material abundante.

Aliás, enquanto burguesia dominada na ordem imperialista, os economistas da “responsabilidade fiscal” são convictamente contra qualquer política anticíclica, qualquer política econômica de defesa da economia nacional frente as turbulências do mercado mundial.

Limitam-se a seguir a cartilha do FMI. Bovinamente. Contentam-se, como comportados cucarachas da economia do imperialismo, com um regime capitalista produtor predominantemente de juros e renda fundiária, incapaz de produzir lucro, como nas economias dominantes do sistema.

Entretanto, com essa passividade política, nos próximos anos os problemas sociais só tenderão a acumular. A níveis insuportáveis para a governabilidade política. Neste sentido, em outro relatório recente do IBGE é relatado que no trimestre de junho a agosto de 2018, havia aproximadamente 27,5 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas no Brasil.

Dados oficiais. Tratando-se de governo Temer essas estatísticas podem estar falseadas. Esses números podem ser muito mais elevados. De todo modo, já são números suficientemente assombrosos para qualquer análise política da situação.

A miséria aumenta. A fome absoluta e imediata é uma ameaça concreta para grandes contingentes do exército industrial de reserva brasileiro. Os capitalistas negam à população trabalhadora o direito de participar do mercado e trocar sua força de trabalho por um salário, por menor que seja. A fome absoluta ameaça imediatamente quase trinta milhões de pessoas. Repita-se, são estatísticas oficiais.

O desespero aumenta. O desemprego dos mais pobres sobe e seus salários reais caem. A vida nas favelas, onde se amontoam multidões de proletários é o próprio inferno na terra.

Os jovens proletários amontoados nas favelas brasileiras procuram sobreviver do jeito que der. Fugir da polícia militar. E dos tanques do exército. De alguma “bala perdida”. Caso contrário vira mais um número dos recordes brasileiros estampados nas estatísticas mundiais de homicídios.

Estou aqui de passagem, sei que adiante, um dia vou morrer de susto, de bala ou vício.

Se a fome, as doenças de todas as formas e a violência policial é o maior problema dos trabalhadores que habitam guetos urbanos como o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, Capão Redondo, em São Paulo, etc. – a segurança dos bairros capitalistas e o “combate ao banditismo” por todos os cantos das cidades tornou-se a grande cruzada da burguesia e demais parasitas do regime.

As cidades mais violentas do mundo estão no Brasil. Dentre as vinte mais violentas do mundo, sete (35% do total) são brasileiras. Ganha disparado de países vizinhos como Venezuela, Colômbia, Argentina, etc.

O número de pessoas mortas de forma violenta no Brasil é semelhante ao de países em guerra. É o que revelam os números do Atlas da Violência 2018, publicação do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho/2018.

Segundo o documento, 553 mil pessoas foram assassinadas no país nos últimos 11 anos. O total de mortos é um pouco maior que o ocorrido na Síria, país árabe que enfrenta sete anos de conflito armado (inclusive com armas químicas de destruição em massa, utilizadas principalmente pelos aliados de Washington e Tel Aviv) e já contabiliza um saldo de 500 mil mortos, de acordo com estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU).

Outra comparação dimensiona a explosão da repressão armada em território nacional. Os poucos mais de 553 mil mortos são mais da metade do número de soldados ingleses, franceses e italianos que perderam a vida na 2ª Guerra Mundial (1945-1949).

O relatório do Atlas da Violência confirma que no ano de 2016 o país bateu novo recorde de homicídios, com 62.517 mortes, o que traduz em uma taxa também recorde de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes –30 vezes a taxa de homicídios da Europa.

Em 2007 essa taxa nacional era de 25,5.

Em 2013 pulou para 28,6.

Em 2016 já alcançava 30,3.

Mas isso não é tudo. O que mais comprova atualmente a enorme fratura política e social no Brasil é que as vítimas mais afetadas pelos homicídios no país é a juventude perdida no turbilhão desta ordem estatal de repressão armada.

Segundo o Atlas da Violência, entre as vítimas, os mais afetados são os jovens entre 15 e 29 anos. De 2006 a 2016, aproximadamente 324.967 pessoas dessa faixa etária morreram de forma violenta.

Fazendo outra pertinente comparação com outros históricos conflitos armados, o número é quase sete vezes o total de 47.434 soldados estadunidenses mortos em ação em 20 anos da Guerra do Vietnã (1955-1975).

A inimaginável taxa de homicídios da população jovem (65,5 mortos por 100 mil habitantes) também é o dobro da média nacional e mais de seis vezes a taxa média mundial de homicídios de jovens (10,4), segundo a Organização Mundial da Saúde.

Estou aqui de passagem, sei que adiante, um dia vou morrer de susto, de bala ou vício.

As taxas dessa carnificina capitalista no Brasil não param de crescer. De maneira inversamente proporcional àquela queda da produção da economia nacional e aumento do desemprego e subutilização da classe trabalhadora, como observado pelos números dos relatórios do IBGE acima destacados.

Discorremos longamente sobre essas tenebrosas relações porque isso tem que necessariamente ser levado em conta em qualquer avaliação política do que vem pela frente na luta de classes no Brasil. Quer dizer,0 o problema político insuperável da burguesia brasileira é que ela não é capaz de resolver esse grave encadeamento de estagnação da economia, de um lado, explosão do desemprego dos trabalhadores, de outro, e, fechando o triangulo da morte, a matança generalizada executada pelas forças armadas do capital sobre a classe proletária espalhada por todo o território nacional.

Essa é a base material que comanda os acontecimentos políticos nacionais, incluindo as eleições gerais marcadas para este domingo (7).

A governabilidade no fio da navalha. Qualquer movimento de rebeldia mais incisivo da sociedade civil brasileira sobre esta base material putrefata do Estado nacional, que ilustramos com alguns poucos dados, causa grandes e incontornáveis transtornos para as classes proprietárias.

A democracia brasileira não tem mais suficiente elasticidade para suportar qualquer manifestação de rua da sociedade civil. Foi o que ficou demonstrado uma semana antes das eleições deste mês de outubro com a poderosa manifestação das mulheres brasileiras. Um criativo abalo na fragilíssima paz dos cemitérios da política nacional. Uma ameaça à segurança nacional!

A burguesia foi obrigada a se mexer. E o fez tirando em definitivo sua máscara de abstrata imparcialidade democrática e mostrando sua verdadeira cara policial. Os dados foram lançados. Abriu-se (ou consolidou-se) uma nova etapa na luta de classes no país, com características institucionais absolutamente novas.

A decisão do conjunto das classes parasitas brasileiras de eleger Boçalnaro presidente da República e torná-lo seu novo dirigente com a missão precípua de aprofundar a violência policial na política e a “responsabilidade fiscal” na economia vai intensificar simultaneamente a luta de classes e a ingovernabilidade dessas mesmas classes proprietárias e de grandes fortunas.

Esta reveladora decisão dos parasitas da ordem e do progresso de aumentar a militarização da violência política (estatal) e aprofundar a carnificina social, os homicídios sobre o proletariado, é antes de tudo a demonstração da sua enorme fragilidade política atual.

Os parasitas de todas as plumagens infringiram inadvertidamente uma antiga regra de poder político teorizada brilhantemente pelo Grand Empereur e que ficou definitiva na ciência politica em geral: nenhum soberano pode se manter em equilíbrio por muito tempo sentando-se só na ponta do fuzil. Hic Rhodus, hic salta.