terça-feira, outubro 29, 2024
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Dirigindo no escuro

É notável como os pronunciamentos presidente da Republica do Brasil, que atende pelo nome de Michel Temer, sempre revelam o que está realmente por detrás dos seus atos.

Tratando recentemente dos motivos reais da reforma trabalhista, por exemplo, ele disse uma coisa inteligente: “Até parece que chegamos aqui para destruir os trabalhadores.”. Dedicamos um boletim a essa sincera exposição de motivos.

Agora, em pronunciamento para justificar a intervenção das Forças Armadas federais no estado do Rio de Janeiro, Temer fala de uma “metástase” que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do povo. O problema não é do Rio de Janeiro, mas do Brasil. Temer está dizendo que a coisa é muito pior do que parece. Está sendo sincero.

Em linguagem melhor elaborada, a ingovernabilidade se espalha por todos os aparelhos do governo: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Temer defende medidas extremas para “pôr ordem nas coisas”. Mas como fazer isso? Todo mundo sabe que a ordem e o progresso são duas coisas inseparáveis. E que o problema da burguesia é que seu Estado (não só seu governo) está sendo corroído pela incontrolável falência dessas duas coisas.

A situação política se agrava por razões materiais. É assim que funcionam as coisas do mundo real. O remédio econômico ministrado pela ordem imperialista ao Brasil é uma ousada arquitetura da destruição das forças produtivas nacionais. É uma situação inédita nos últimos setenta anos. O custo político é muito alto. A economia não reage e a desordem não espera.

Temer sabe disso. Por isso ele destaca em seu discurso de combate à desordem que “já resgatamos o progresso e retiramos o país da pior recessão de nossa história”.

Isso não é verdade. O Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), divulgado nesta segunda-feira (19) pelo Banco Central, registrou uma expansão residual de 1,04% na comparação com 2016.

O IBC-BR é um indicador criado para tentar antecipar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB). Esse resíduo de reativação foi puxado unicamente pela súbita recuperação da expansão da economia mundial no ano passado. E ocorre sobre a base catastrófica de queda de 3,46% em 2016. Onde estão vendo “a volta do progresso”?

Comparem com a Argentina. Mesmo nossa catastrófica vizinha pode fechar 2017 com um crescimento de 3% e com uma alta de 10% nos investimentos! Imagina se fosse no Brasil. Carnaval no ano inteiro.

Portanto, essa merreca de crescimento de 1% no ano passado é motivo suficiente para o presidente e toda a grande mídia comemorarem que “já resgatamos o progresso e retiramos o país da pior recessão de nossa história”?

Se isso fosse verdade, o problema da desordem policial e da metástase social que convulsiona o país seria facilmente resolvido. Bastaria oficializar novo regime militar, com a criativa ideia de Temer como primeiro ministro. Pode ser até que o idiota esteja com esses delírios. Acontece de tudo no esfumaçado mundo da política.

Mas não é só Temer. Depois dos acontecimentos da semana passada, a ideia de uma volta da velha ditadura militar povoou com mais força o imaginário da esquerda e da direita. Desconhecem o fato de que, para se contrapor aos efeitos sociais do imbróglio econômico nacional, nem a velha ditadura salva.

Para nadar impunemente nessas divagações, nem esquerda nem direita levam em conta que neste momento os desafios sociais da burguesia e do imperialismo no Brasil não podem mais ser resolvidos com as insuficientes (e ineficientes) formas autoritárias da democracia dos anos 1960 e 1970.

Para onde se dirige, então, o governo da burguesia imperialista do Brasil? Mesmo seus líderes e ideólogos mais ilustres tem cada vez mais dificuldade em responder a essa crucial indagação.

O Judiciário está corrompido até o pescoço. Começando pelo STF da patética e trêmula figura de sua presidente Carmen Lúcia até os mais humildes juízes e fóruns dos grandes sertões e veredas, o direito de cada um se esvoaça no medo e nos privilégios dos grandes proprietários e alta burocracia.

No Legislativo das indecorosas bancadas da base aliada e outros colaboracionistas, que procuram escapar a qualquer custo da desmoralizada Lava Jato, nem oposição existe mais. A rigor, nem situação. Essa última realidade é a mais importante para a análise.

O fato de Temer, o mago dos conchavos e armações do Congresso, não conseguir aprovar até agora (e parece que não vai aprovar) a famigerada reforma da Previdência é um indicador muito forte de ingovernabilidade.

O fato do Legislativo não ter aprovado a reforma da Previdência, mesmo sem nenhuma resistência política, é um fato muito grave da esgarçada ordem institucional. Nem partido único existe mais. Nem partido nenhum.

Aliás, o simpático presidente não tem força nem para empossar a não menos simpática nova ministra do trabalho.

Para que serve Temer, então, para a burguesia? Se ele perdeu até seu infalível poder de conchavo e emendas do orçamento sobre as bancadas da bíblia, da bala, da bola, do boi, do agro, da toga, do toco, etc.?

Eleições? Só se for como boi de piranha para desviar a atenção da opinião pública da trolha que está reservada para os disciplinado cidadãos que continuarão se dirigindo às urnas para votar e eleger qualquer coisa que os reprimam e os explorem com mais intensidade nos próximos quatro anos.

Por falar nisso, embora não seja muito importante, aquela esquerda que vê na intervenção militar no Rio de Janeiro a “antessala da ditadura” é a mesma que agora navega alegremente na agenda burguesa das eleições e acha que essa sua legitimação a mais uma grande farsa da democracia é um importante trabalho político de conscientização das massas. Uma esquerda zumbi totalmente alienada do mundo real dos capitalistas e do imperialismo.

Resumo da ópera: o fato mais importante na atual situação política brasileira é que a burguesia está dirigindo o país no escuro da imponderabilidade material que ela não consegue reverter.

Apesar de sua crescente impotência política, Temer deixou de ser aquela “pinguela” ridicularizada por Fernando Henrique Cardoso no ano passado. Principalmente a partir das grandes mobilizações de 24 de Maio do ano passado, em Brasília, quando a esquerda revolucionária chegou a iniciar o incêndio de alguns ministérios e se aproximar do palácio. Foi uma jornada com a marca do proletariado.

A burguesia se assustou. A repressão totalitária foi reforçada. A mídia e outras instituições estatais adaptam-se ao novo roteiro de repressão da luta de classes. Da mesma forma que a esquerda democrática e os desgastados colaboracionistas do Estado corporativista em vias de extinção definitiva. Não são capazes de evitar nem o fim do imposto sindical.

Vive-se já uma ditadura real. Pelo menos sobre a classe operária. Uma nem um pouco sutil ditadura, menos autoritária e mais totalitária. Para que, então, a velha e inepta ditadura do palhaço Bolsonaro? É neste novo quadro de intensificação da repressão democrática que Temer foi reciclado pelo sistema e passou a ser devidamente credenciado a ser o novo e competente capataz da burguesia.

Um capataz com a incrível habilidade de dirigir no escuro da ingovernabilidade o massacre do proletariado nos morros e subúrbios operários do Rio de Janeiro que, como ele mesmo já anuncia em seu pronunciamento, se alastra como metástase e desordem por todo o território nacional.

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