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Alô Alô Jacarezinho, Realengo e adjacências: remember Marikana.

Marikana, Africa do Sul, 16 de Agosto de 2012, explode a guerra de classes no regime comandado pelo partido do neopopulista Nelson Mandela: mais de quarenta operários foram mortos e mais de cem ficaram feridos nos enfrentamentos entre as forças nacionais de segurança e grevistas na mina de platina da empresa inglesa Lonmin, a terceira maior empresa exploradora de platina do mundo.

Policiais negros abriram fogo contra mineiros também negros. Negros brancos em luta contra vermelhos negros. As diferenças de classes se sobrepõem às diferenças de pele.

O problema é o seguinte: no que a política e a economia do imperialismo transformaram os exércitos nacionais das maiores países da periferia dominada? Como, por exemplo, Brasil e África do Sul?

Procuramos diagnosticar essa transformação em nosso antigo boletim Estação Jacarezinho-Marikana, editado exatamente no mês de Agosto de 2012. Saiu motivado e no calor daquele covarde massacre do exército sul-africano sobre desarmados operários em greve contra seus míseros salários na mineradora inglesa.

E descobrimos incríveis similaridades nas recentes transformações dos regimes políticos de Brasil e África do Sul. Importantes mudanças na forma do imperialismo administrar a luta de classes nos mambembes Estados nacionais da periferia dominada.

Essas mudanças podem ajudar também a entender um monte de coisas novas acontecendo atualmente. Por exemplo, os acontecimentos políticos e militares no mês de Fevereiro 2018 no Brasil e África do Sul.

Confira abaixo você mesmo a íntegra daquele boletim e conclua se isso é ou não é verdade.

Núcleo de Educação Popular 13 de Maio – São Paulo, SP.

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA

EDIÇÃO 1116/17 – Ano 27; 3ª e 4ª semanas de Agosto 2012.

 Estação Jacarezinho-Marikana.    JOSÉ MARTINS.

 A economia dá muitas voltas. E se liga em coisas inacreditáveis. Como, nesta semana, a surpreendente declaração dos militares brasileiros de que seus armamentos não são suficientes nem para meia hora de guerra.

Que maravilha! O exército da “quinta economia do mundo” vem a público e declara solenemente que o Estado brasileiro é uma piada.

Sabe o que a presidenta da República, partidos políticos, organizações patronais, mídia nacional, responderam? Nada. Ninguém respondeu nada. Só poucos e tediosos comentários, logo retirados de pauta. Tudo normal nas terras de Cabral.

Mas, afinal, o que isso tem a ver com a economia? Tudo. Não acabamos de argumentar em nossos boletins mais recentes que no regime capitalista a produção de bens de destruição é a mais importante?

E que o desenvolvimento científico e a capacidade de pesquisa básica de qualquer economia capitalista é diretamente proporcional ao tamanho e à sofisticação da sua indústria produtora de armamentos?

Que, portanto, mais além do crescimento do produto interno bruto, uma massacrante capacidade militar é condição mais do que necessária (quase suficiente) para um poderoso desenvolvimento capitalista na arena internacional?

Pois é, a economia brasileira é o contrário de tudo isso. Quer dizer, a “quinta economia do mundo” não só é totalmente impotente para produzir seus próprios meios de destruição como não tem mais nem ideia do que seja pesquisa básica e desenvolvimento científico.

Talvez por isso o passatempo favorito dos atuais governos de esquerda (e os antigos de direita) tem sido destruir o que ainda resta de Universidade pública e de humilhar na sua mídia corrupta os abnegados e cada vez mais raros livre-pesquisadores do país.

FARDAS, BOTAS E SUPERSÔNICOS – É porque o país é cada vez menos capaz de pensar que, no competitivo campeonato imperialista global, a parasitária protoburguesia dos Eikebatistas da vida só produz (e mal) algumas mercadorias pouco nobres do regime: commodities primárias, biocombustíveis, aço, tecidos, confecções, calçados e uma enorme lista de montagens/maquiagens industriais e subcontratações de empresas globais.

Tudo coisa fácil de produzir. As empresas brasileiras concorrem acirradamente com as chinesas na produção de fardas e botas para o exército dos EUA.

Quer dizer, enquanto essas economias dominadas científica e tecnologicamente na cena internacional comercializam fardas e botas, coisas facílimas de produzir, os norte-americanos e, em menor medida, os ingleses e franceses, monopolizam a produção e o comércio de coisas bem mais difíceis de produzir: caças bombardeiros supersônicos, submarinos nucleares, sistemas aeroespaciais, super-telescópios espaciais (Huble, etc.) e outras mercadorias mais recheadas do valor e da mais-valia produzidas globalmente.

É assim que funciona o desenvolvimento desigual e combinado na totalidade do sistema: ininterrupto aumento do poder geoeconômico do centro imperialista e descontrolada decadência dos “emergentes” limpa-botas.

No Brasil, o governo não possui nem um satélite próprio para as telecomunicações e proteção do espaço aéreo; os aviõezinhos da sua ridícula força aérea se utilizam de uma banda de um satélite alugado de um capitalista mexicano dono da Embratel.

É exagerado dizer que o Estado brasileiro é uma piada? E pior, uma piada de extremo mau gosto, como se verá abaixo.

SUBINDO O MORRO – Do mesmo modo que seus patrões nacionais são incapazes de produzir, os militares brasileiros (e todos seus colegas das demais economias “emergentes”) são incapazes de guerrear com outros países.

Mas para que serve, então, esse inglório amontoado de generais, coronéis, brigadeiros, almirantes, capitães, tenentes e outras sucatas improdutivas? Um enorme exército permanente que não serve para nada?

Calma, não é bem assim; se você procurar bem sempre encontra, como diz a economia vulgar, alguma utilidade marginal nas coisas.

É verdade. Em seu enfático pronunciamento desta semana, os militares brasileiros se esqueceram de informar à opinião pública que, apesar de total inutilidade para enfrentar qualquer inimigo externo, eles ainda mantém elevada margem para golpear seus inimigos internos. Inimigos de classe. No Brasil e alhures.

Tanto faz o Complexo do Alemão, Morro da Dona Marta ou a comunidade do Jacarezinho, no Brasil, como as favelas de lázaros de Porto Príncipe, Haiti, o exército brasileiro está muitíssimo ocupado em ser útil aos seus patrões imperialistas. E se mantém empregado.

Polícia pacificadora. Que coisa mais heroica. O exército inútil para guerrear com outros exércitos armados é reciclado pelo império para subir morros e golpear sem remorso indefesos condenados do exército industrial de reserva – desfilando seus ridículos taques e outras sucatas de quinta categoria, eles batem ruidosamente suas botas, sobem patrioticamente o morro e se sentem poderosos.

A mídia e a classe média dos parasitas aplaudem, e todos cantam com orgulho de ser brasileiro o hino nacional.

MUDANDO DE PELE – Os exércitos nacionais da periferia sempre fizeram triste figura na governança imperialista global. Sempre refletiram a crônica fragilidade dos seus patrões e seus Estados nacionais.

Até poucos anos atrás, por exemplo, esses corrompidos exércitos das burguesias dominadas ainda possuíam a sinistra utilidade de gerenciar ditaduras militares concebidas e monitoradas de perto pelas principais potências nucleares e imperialistas do pós-guerra (EUA, Inglaterra e França, principalmente).

Porém, a partir dos anos 1980, com a agudização das crises econômicas periódicas de superprodução de capital e o correspondente aprofundamento da exploração da classe operária mundial, os novos desafios de governabilidade imperialista nas áreas dominadas passaram a exigir regimes políticos menos grosseiros e mais eficientes que as ditaduras militares.

Governos mais limpos na aparência para um trabalho mais sujo na essência.

Mudou-se os regimes de governo e, junto, o trabalho do exército nas periferias do sistema imperialista. Nesta reviravolta de globalização e de liberalização dos Estados nacionais dominados, os tradicionais exércitos da periferia, repentinamente ameaçados de desemprego e sucateamento, são devidamente corrompidos e reciclados pelas potências imperialistas em forças internas de segurança. Quando houver sinais de conflitos externos, as forças e bases militares imperiais botam ordem no quintal.

Da mesma forma que a burocracia militar do Estado, antigas organizações sindicais e partidárias que faziam oposição às ditaduras militares foram também recicladas e hoje governam alegremente o país, se enriquecem, e dormem freudianamente na mesma cama dos seus antigos torturadores.

Afinal, o foco, agora, como é ditado por Washington e outras metrópoles menos importantes, é combater democraticamente (e, quando for necessário, com governos populares de esquerda, para maior eficiência) as inevitáveis consequências sociais do aumento da exploração e da fome da classe operária em todas as miseráveis franjas do sistema.

A temperatura da luta de classes se eleva, a governança imperialista global muda de pele.

BEM PIOR QUE O APARTHEID – As novas formas de governabilidade democrática e de segurança interna do sistema imperialista apareceram também de maneira didática (e não menos dramática) na última semana, em outro destacado integrante dos Brics – iniciais de Brazil, Russia, Inde, Chine and South África.

Exatamente neste último da lista. Em 16 de Agosto de 2012, explode a guerra de classes na África do Sul: em Marikana, mais de quarenta operários foram mortos e mais de cem ficaram feridos nos enfrentamentos entre as forças nacionais de segurança e grevistas na mina de platina da empresa inglesa Lonmin, a terceira maior empresa exploradora de platina do mundo.

Desde o dia 10 de Agosto, cerca de 3000 trabalhadores da mina de Marikana entraram em greve e seguiram protestando contra suas miseráveis condições de trabalho; a principal exigência é que seus salários mensais de aproximadamente $ 500 dólares ($ 1000 reais) sejam triplicados.

Já haviam ocorridos vários confrontos entre os trabalhadores e forças de segurança, com vários mortos e feridos. Mas o banho de sangue do dia 16 de Agosto foi a maior agressão policial contra trabalhadores sul-africanos desde 1985, quando a polícia de homens brancos matou vinte manifestantes negros que protestavam contra o regime ditatorial e segregacionista do apartheid.

Desta vez, foram policiais negros que abriram fogo contra mineiros também negros, cujas condições de trabalho só têm piorado desde o fim da ditadura do apartheid e instauração de uma democracia multirracial, há dezoito anos. Negros brancos em luta contra vermelhos negros. As diferenças de classes se sobrepõem às diferenças de pele.

No ritmo da luta de classes, a história se acelera. Soa o alarme de uma fratura social insustentável na África do Sul. Cada vez mais trabalhadores sul-africanos vão para as ruas para protestar contra os elevados níveis de pobreza e de desemprego, oficialmente em 25% da população ativa, superando os 50% entre os jovens.

Ninguém mais duvida que o crescimento econômico da África do Sul (3.1% no ano passado) só beneficia a velha minoria branca, agora mesclada por uma nova classe média negra agregada à direção do Estado, enquanto a grande maioria da população, estocada no exército industrial de reserva, continua marginalizada no fundo das minas e da pobreza.

“As vidas dos africanos seguem tão baratas como sempre foram”, lamenta-se em editorial o conservador jornal The Sowetan, localizado no bairro de Soweto (em Johanesburgo), conhecido pela sua história de protestos contra a ditadura racista que foi deposta em 1994. “Ocorria antes neste país quando o regime do apartheid tratava as pessoas negras como objetos. E continua ocorrendo agora, só que com uma aparência distinta”, conclui o jornal.

MANDELAS E LULAS – Para os trabalhadores da África do Sul, a democracia de agora (com cara de multirracial) além da aparência distinta, de que fala The Sowetan, é também muito mais violenta, na prática, do que a ditadura militar (com cara de racial) da época do apartheid.

Para Justice Malala, comentarista político do jornal inglês The Guardian, em Johanesburgo, “o que aconteceu em Marikana foi o choque dos pobres contra o Estado e os ricos”.

Diz, também, que os acontecimentos desta semana “expõem as fraquezas estruturais da África do Sul: somos uma das duas mais desiguais sociedades de ponta do mundo, junto com o Brasil. Pobreza, desigualdade, e desemprego estão no coração desta matança.”.  The Guardian, 17/Agosto/2012

Além das similaridades dessas fragilidades estruturais da África do Sul com as do Brasil, apontadas por Malala, as mudanças políticas que ele localiza na África do Sul desde o apartheid também apresentam uma incrível familiaridade com a história da recente de colaboracionismo com os capitalistas e com o imperialismo de um conjunto de sindicalistas neopelegos e seus partidos populares no Brasil.

Para Malala, a história da matança na empresa inglesa Lonmin, “é a história do sindicalismo que se mancomunou com o grande capital; de um novo sindicalismo populista de novos ricos que explorou a frustação real dos trabalhadores para sua autopromoção.”

O restante do seu artigo é para detalhar nomes e organizações destes colaboracionistas sul-africanos que hoje, como seus colegas no Brasil, controlam o governo e as maiores centrais sindicais, participam dos conselhos de administração das grandes empresas – incluindo na Lonmin, onde o presidente do sindicato dos mineiros participa orgulhosamente da administração da empresa.

Foram eles, é o que se conclui da matéria de Malala, que atiraram nos nossos bravos e queridos irmãos proletários que trabalham e lutam nas minas de Marikana. Isto é democracia!

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