Donald Trump, presidente dos EUA, comprovou, nesta quinta-feira (2), esse conhecido ditado popular. Não só para não rasgar mas, principalmente, para salvar a moeda universal (dólar) tomou a decisão de não reconduzir para um segundo mandato Mrs. Janet Yellen ao comando do banco central do planeta, quer dizer, do Federal Reserve Bank (Fed, banco central dos EUA).
Nomeou para seu lugar Mr. Jerome Powell, que já integra o board de governadores do Fed desde 2012. A Crítica da Economia já tinha apostado neste nome em boletim da semana passada.
Em geral, os comentários dos economistas e da mídia através do mundo acerca do acontecimento limitam-se a afirmar que Powell será um mero continuador da política monetária de sua antecessora: manutenção de juros baixos e eventuais elevações bem graduais. Nada mais, absolutamente nada mais.
Vejam como esses eunucos economistas do capital tratam este acontecimento com sua costumeira leviandade. Por exemplo, a Sra. Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics e colunista do jornal O Estado de São Paulo: “Yellen fez ótimo trabalho no Fed e não havia nenhuma razão para substituí-la. Se o presidente não fosse o Trump, ela certamente seria reconduzida ao cargo, até para preservar a percepção de autonomia dos dirigentes do Fed”, declarou a prestigiada economista do mercado.
O fato é que longe desse vazio existencial, digamos assim, dos representantes da economia política dos capitalistas, existem outras coisas bem mais importantes em jogo nesta troca de comando do que apenas bobagens como “preservar a percepção de autonomia dos dirigentes do Fed”.
Trump não trocou apenas seis por meia dúzia. Em primeiro lugar, Yellen foi substituída porque é muito fraca para comandar o banco central do planeta frente a tempestades que se aproximam de maneira inédita nos últimos setenta anos.
Talvez um presidente dos EUA menos adequado do que Trump para enfrentar essas tempestades tivesse reconduzido Yellen para novo mandato, repetindo uma tradição de décadas. O problema é que nem todas as décadas repetem-se eternamente. É por isso que pouca gente é capaz de entender o fenômeno Trump como coisa adequada aos novos desafios enfrentados pelo capital e pela democracia.
O que dizer então da importância das vicissitudes atuais da taxa de juros do banco central do planeta? A taxa de juros nominal do Fed permanece próxima de zero desde a crise parcial de 2008/2009. Depois de vacilantes “elevações” na gestão de Yellen, encontra-se atualmente entre 1 e 1,25%. A taxa real, descontada a inflação, está abaixo de zero.
Quer dizer, a taxa básica de juros do planeta está abaixo de zero por quase dez anos. Isso não é normal. E não procure a resposta (muito menos a solução) nos manuais de teoria monetária dos neoclássicos e keynesianos impostos aos estudantes das faculdades de Economia em todo o mundo.
Não basta repetir monotonamente, como Yellen tem feito desde que tomou posse, que as taxas de juros vão permanecer baixas e só vão subir (se subir!) gradualmente. Isso é muito pouco. Ou nada. É como anunciar que a vida útil do Fed se esgotou. Para usar o termo psicológico da Sra. Bolle, a “percepção” do mercado é que Yellen chegou à conclusão que o Fed está irreversivelmente impotente.
Ben Bernanke, seu antecessor, não mexeu apenas nas taxas de juro e em outras coisas previsíveis pelos economistas da superficialidade. Mas teve a coragem – que, certamente, nenhum monetarista da Universidade de Chicago teria – de criar os famosos “helicópteros de Bernanke” e de programar a famosa política do “Quantitative easing (QE)” [“Relaxamento Quantitativo”, em livre tradução]
Inundou o mundo de dinheiro e salvou provisoriamente o moribundo sistema financeiro mundial de uma crise geral. Foi o que melhor se poderia fazer. Em política monetária não existe nada além do provisório.
Yellen não tem a mesma estatura teórica de Bernanke. Nem de Greenspan, que antecedeu este último. Por isso foi demitida. Com justa causa. E a coisa é ainda mais séria do que o relembrado nos breves resumos acima, pois os desafios atuais exigem ainda mais “criatividade” do que na era Bernanke.
A coisa misteriosa volta mais forte do que antes para cobrar a conta dos estragos provocados exatamente pelos helicópteros de Bernanke.
Ao anunciar a nomeação de Powell nos jardins da Casa Branca, Trump foi sincero ao se referir à importância do cargo de presidente do Fed: “Há poucas posições mais importantes do que essa – creiam em mim – no nosso governo”.
Em poucas solenidades na Casa Branca, desde que tomou posse na presidência do império, viu-se Trump tão sóbrio, sem nenhum sinal de embriaguez.
A presidência do banco central do planeta é tão importante, poder-se-ia acrescentar à corretíssima avaliação de Trump, que a política econômica dos EUA não pode mais ser comandada por economistas. Principalmente os últimos ganhadores do prêmio Nobel de Economia.
É por isso que chama a atenção alguns dados importantes do currículo-vitae do Sr. Jerome Powell. O primeiro, é que ele não é economista. É saudado pelo mercado como um advogado multimilionário. Ganhou dezenas de milhões de dólares especulando com capital fictício. Como a Agência Reuters nos informa: “Jerome Powell será o mais rico presidente do Federal Reserve desde os anos 1940, e passará a integrar a galeria de abastados que integram o governo Donald Trump.”
Mas isso não quer dizer nada, pois em Wall Street o que não falta é advogado multimilionário. O que o credencia para os desafios a serem vencidos no Fed são outros detalhes mais importantes do seu currículo.
Antes da pós-graduação em Direito graduou-se em Ciência Política na Universidade de Princeton. A graduação sempre marca mais a capacidade intelectual do indivíduo que a pós-graduação. Outra coisa importante na preparação de Powell. Recentemente, de 2010 a 2012, ele trabalhou pelo salário simbólico de US$ 1 ao ano no Bipartisan Policy Center, um instituto de pesquisas estratégicas em Washington dedicado ao estudo de políticas públicas e sociais.
Vai ser muito útil essa última preparação para a administração da moeda. A temperatura da luta de classes nos EUA está em elevação, mesmo com a taxa desemprego atual beirando a 4.2% e ao pleno emprego. A erupção de uma nova crise econômica levaria a luta de classes interna a níveis incontroláveis apenas com as “políticas públicas e sociais” atuais. Powell tem plena consciência desse cenário altamente provável. Tem uma cabeça antenada no social.
A burguesia norte-americana e, em menor medida, a dos demais Estados imperialistas, se preparam continuamente para a guerra, interna e externa. Meu Estado e meu país em primeiro lugar. Powell está perfeitamente integrado a esta patriótica palavra de ordem.
È altamente provável que já nos seus primeiros dois anos de sua administração ele terá que enfrentar um choque econômico muito mais corrosivo do que aqueles vividos por Greenspan e depois por Bernanke. Powell tem certeza disso.
Doravante, as decisões no Fed serão tomadas em condições políticas e sociais internas cada vez mais abaladas (ingovernabilidade) e, no exterior, novas e também crescentes turbulências geopolíticas (guerra mundial). Powell vai trabalhar com isso na cabeça.
O certo é que essa preparação pessoal e de classe dominante proprietária do novo comandante do Fed para a guerra interna e externa será fortemente exigida já nos primeiros trimestres do seu mandato, a partir de Fevereiro /2018. Ele se preparou a vida inteira para essa exigência.
Nos próximos dois anos a administração da moeda universal será mais estratégica do que nunca na administração do poder militar e imperial estadunidense em todos os cantos do mundo. Powell sabe que uma moeda e um sistema bancário forte são fundamentais para um imbatível poder militar.
Yellen era muito despreparada para essas tarefas. É por isso que o presidente da maior potência econômica e militar EUA resolveu substituí-la por Powell – muito melhor preparado para realizar o que for necessário para a salvação da sua classe e do seu Estado nacional. Estaremos acompanhando seus passos.
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