Em menos de uma semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) publicou dois importantes relatórios. Dois assuntos diferentes, mas que não são nem um milímetro separados um do outro. Possuem estreita relação orgânica e, o mais importante, determinam endogenamente a dinâmica da totalidade da economia.
Os números publicados mostram com mais clareza os desastrosos efeitos da economia do imperialismo imposta ao país e aprofundada no governo Temer e seus economistas da “responsabilidade fiscal”. Levemente aprofundada, diga-se de passagem, sobre aquilo que já havia sido iniciado com toda a pompa e circunstância no governo anterior da senhora Rousseff.
O primeiro relatório, publicado em 27/ Abril/2018, foi referente à situação do desemprego da força de trabalho no Brasil. Segundo a própria descrição da PNAD Contínua (vide aqui a publicação) “A taxa de desocupação do trimestre encerrado em março de 2018 chegou a 13,1%, com aumento de 1,3 ponto percentual em relação ao último trimestre do ano passado (11,8%). O total de pessoas desocupadas também cresceu no período, passando de 12,3 milhões para 13,7 milhões. Houve um aumento de 11,2% nesse contingente, ou mais 1,4 milhões de desempregados no país”.
A população total de Portugal é de 10,3 milhões de pessoas. A população desempregada no Brasil é de 13,7 milhões. Só o acréscimo de desempregados ocorrido entre o último trimestre do ano passado e o primeiro trimestre deste ano (1,4 milhões de pessoas) correspondeu à bem mais que o dobro da população de Lisboa (506 892 habitantes), capital daquele país da periferia da Europa. Em menos de três meses, a população de desempregados no Brasil cresceu duas Lisboa!
O segundo relatório publicado logo em seguida pelo IBGE, em 03/Maio/2018, descreve a queda de 0,1% da produção industrial no Brasil no mês de março. A estimativa média de vinte instituições financeiras e consultorias (pesquisa Valor Econômico) era de crescimento de 0,5%. O tiro passou longe. Os homens do mercado estão perdidos no movimento real da maior economia do mundo ao sul do equador.
O desemprego sobe e a produção desce. Junto com o desemprego da força de trabalho produtiva de mais-valia ocorre necessariamente o enfraquecimento da produção de capital. Ora, o processo imediato de produção de capital ocorre exatamente na esfera industrial – manufaturas, agricultura, minas, energia, transportes, utilidades públicas, etc.
Este é o centro irradiador (determinante) para a dinâmica da totalidade da economia nacional. A evolução da produção de valor e de mais-valia (indústria) antecipa o que deve acontecer nas demais esferas (improdutivas) da economia. É por isso que é muito importante observar rigorosamente sua evolução.
Segundo a própria descrição da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (vide aqui a publicação), “Em março de 2018, a produção industrial nacional mostrou variação negativa de 0,1% frente ao mês imediatamente anterior, na série com ajuste sazonal, após variar 0,1% em fevereiro (…). No decréscimo de 0,1% da atividade industrial, na passagem de fevereiro para março de 2018, 14 dos 26 ramos pesquisados mostraram taxas negativas (…). Ainda na série com ajuste sazonal, a evolução da média móvel trimestral para a indústria mostrou recuo de 0,7% no trimestre encerrado em março de 2018 frente ao nível do mês anterior e interrompeu a trajetória ascendente iniciada em maio de 2017”.
Em economia o mais importante não são os números fotografados em determinado ponto da reta, mas a tendência do processo que eles exprimem. Neste sentido, a tendência atual deste processo da produção industrial pode ser mais bem enquadrada na evolução da sua média móvel trimestral. É a vantagem do móvel (filme) sobre o inerte (foto).
Na presente análise, esse cuidado metodológico é importante não apenas porque essa média móvel mostrou elevado recuo de 0,7% no trimestre encerrado em março de 2018, mas, principalmente, porque essa queda interrompeu a trajetória ascendente iniciada em maio de 2017. Vejamos a ilustração dessa trajetória na curva abaixo, com os dados do relatório do IBGE:
Esta é a segunda vez, desde o ponto mais baixo da crise, na passagem de 2015 para 2016, que o movimento de melhora relativa da produção industrial é interrompido.
A primeira vez foi no 2º trimestre/2017, cuja virtual estabilidade (+0,4%) conteve o crescimento do setor em 2017.
É o que se conhece entre os economistas como voo de galinha. O voo é inevitavelmente interrompido a poucos metros do início da decolagem. O mais sustentável que consegue é quando a galinha sobe no poleiro.
Por isso, este começo de 2018 lembra muito aquela última aterrissagem da galinha no 2º trimestre de 2017. Mas para que a semelhança seja completa é preciso que os próximos trimestres retomem alguma aceleração, tal qual ocorreu na segunda metade do ano passado.
A galinha voltará a voar nos próximos trimestres? Para a Crítica da Economia, o cenário mais provável é que um novo voo não ocorrerá. Existem duas variáveis importantes a serem consideradas nesta formulação do cenário.
A primeira é que o enfraquecimento da produção já é profundo. Segundo o relatório do IBGE a importação de matérias-primas no 1º trimestre deste ano para a indústria foi um insignificante resíduo estatístico de +0,1% em relação ao 1º trimestre de 2017. Produção rigorosamente estagnada.
Esse enfraquecimento poderia ter sido ainda mais profundo se a indústria não tivesse repetido um excepcional desempenho exportador no primeiro trimestre deste ano. Leia-se exportação de automóveis montados para a Argentina e alguns outros países da América do Sul. Como se conseguiu essa proeza? Sem muito esforço. Seria exigir demais algum esforço da preguiçosa protoburguesia brasileira.
Tratou-se apenas de decisão estratégica das montadoras globais para não paralisar completamente a produção de suas fábricas no Brasil. Decisão política para segurar a governabilidade burguesa no Brasil. Já tratamos deste assunto em outros boletins.
Assim, a quantidade de manufaturados exportados aumentou 16,5% contra mero 1,9% no último trimestre de 2017. Mas esse desempenho altamente artificial pode desaparecer abruptamente se nossos hermanos portenhos se envolverem em paralisantes turbulências do mercado. Como, por exemplo, sucumbirem à crise cambial e financeira aberta nesta semana na praça de Buenos Aires.
Bastou o boato mais forte no mercado global, nesta semana, de que estava em curso uma recomposição (elevação) da taxa básica de juros do Banco Central dos EUA (Fed), para que todas as moedas fracas da periferia do sistema sofressem fortes pressões de desvalorização cambial.
Pressões cambiais insustentáveis para algumas grandes economias periféricas, como a argentina, com elevada divida em dólar (interna e externamente) e pouca garantia de pagamento a oferecer, em termos de reservas internacionais.
O Brasil não se enquadra neste caso. Por isso pode em um primeiro momento impedir maiores danos na cotação do real. Veremos o que se passa na próxima semana. Nesta área tudo é possível acontecer com extrema rapidez.
É por isso que a segunda variável importante para se estabelecer o cenário mais provável para a evolução da produção industrial brasileira nos próximos trimestres é a continuidade (ou não) da delicada recuperação da produção mundial. Em caso afirmativo, a galinha ainda poderia ensaiar um novo voo. Mesmo que nada mais exuberante do que ela já mostrou no ano passado.
Um novo voo da galinha seria o cenário mais favorável (possível) para os capitalistas. Entretanto, no caso de um desabamento dos seus vizinhos importadores de automóveis e outros produtos industrializados, que poderia coincidir com um soluço mais forte da incerta recuperação da produção global, a galinha brasileira será cruelmente atropelada.
4 thoughts on “A galinha está voando baixo”
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