por José Martins, da redação
“O canário na mina de carvão pode ainda não estar morto, mas provavelmente está lutando para respirar.” – de um corretor anônimo em Wall Street, na última sexta-feira (16).
Qual a diferença entre o conhecido Fed, banco central dos EUA, e a não menos popular FedEx, a maior empresa global de entrega de pacotes e correspondências? A resposta é simples: o primeiro trabalha em cima de suposições políticas e justificativas teóricas da economia política vulgar para proteger os lucros dos capitalistas em geral. A segunda trabalha em cima da realidade concreta e quotidiana do capital mundial para produzir (e necessariamente aumentar) seu próprio lucro.
Duas almas que habitam o mesmo corpo. Uma burocrata e outra prática. Isso ficou mais claro na semana passada, quando Fed e FedEx acabaram batendo de frente com dois diagnósticos inconciliáveis sobre a perspectiva econômica global. Wall Street odiou esta batida.
De um lado, o Fed de Jerome Powell e o Tesouro de Janet Yellen garantindo que sua nova política de combate a inflação com feroz aperto monetário e de crédito em todo o mundo não provocará uma catástrofe econômica. No máximo, uma “aterrissagem suave” da economia. Uma popular marolinha sem grandes estragos.
Na contramão desta conversa mole, a FedEx, no chão duro da acumulação do capital real, havia anunciado, nesta quinta-feira (15), em comunicado aos seus acionistas e proprietários, que a empresa foi atropelada por uma piora repentina das condições econômicas globais e um surpreendente desabamento de seus lucros neste ano.
“Os volumes globais caíram à medida que as tendências macroeconômicas pioraram significativamente no final do trimestre, tanto internacionalmente quanto nos EUA”, disse Raj Subramaniam, novo diretor presidente da FedEx, no comunicado.
Devido á sua relação direta com os grandes setores industriais manufatureiros e sua presença em todos os mercados nacionais do planeta, a valorização do capital na FedEx é altamente sensível a políticas monetárias globais adversas ao comércio e à circulação das mercadorias-capital. É por isso que nas fases de crise dos ciclos periódicos todas as decisões ou ações dos Tesouros e bancos centrais do mundo tornam-se inócuas e geralmente perniciosas na regulação e estabilização da economia.
Portanto, o que acontece com o lucro de ramos e empresas industriais com a mesma capilaridade sistêmica da FedEx é um indicador sem filtro muito melhor e com baixíssima margem de erro das perspectivas econômicas globais. Exprime de forma clara a tendência para os próximos semestres da totalidade da produção e reprodução do capital em todos os poros do mercado internacional.
Neste sentido, o que se verifica neste momento no comércio internacional é que a demanda por metais, por exemplo, usados em tudo, de automóveis e arranha-céus a iPhones, está caindo mais rapidamente do que previam os economistas do mercado, provocando uma forte reviravolta de expectativas para um ramo industrial de matéria chave que apenas algumas semanas atrás era considerado em plena recuperação cíclica.
Nas últimas horas, três dos nomes mais emblemáticos da indústria pesada estadunidense também comunicaram aos seus proprietários que suas entregas estão diminuindo em todos os setores, no que pode ser um dos indicadores mais sombrios até agora para a economia em geral.
Além de citar o aumento dos custos de energia e matérias-primas, assim como problemas persistentes na cadeia de suprimentos, US Steel Corp., Alcoa Corp. e a Nucor Corp. comunicam que estão reduzindo suas previsões de vendas e de lucros trimestrais.
A mudança de conjuntura é muito rápida. Esses comunicados aos acionistas e ao mercado em geral ocorrem, é bom repetir, menos de um mês depois que executivos, compradores, analistas e outros comerciantes na maior conferência de aço da América do Norte ainda adotavam tom otimista ao dizer que o mercado estava chegando ao fundo do poço, indicando sinais de recuperação.
Um fato teoricamente importante é que os preços do aço caíram 45% este ano e os do alumínio caíram 18%. Sofrem deflação em meio ao aumento da inflação global de preços de bens de consumo, alimentos, energia, à guerra na Ucrânia, desaceleração pesada na Europa, China, etc.
Ao contrário do que ocorria até o 1º trimestre deste ano, os compradores de metal estão tão assustados que não estão dispostos mais a reservar remessas com mais de um a dois meses de antecedência. Toda a cadeia produtiva de capital se ressente do mesmo fantasma da queda da taxa de lucro. E de congelamento da taxa de acumulação.
NOTA BENE – Pode-se observar nos números disponíveis da produção industrial e utilização da capacidade dos EUA nos últimos dois anos – nos quais o capital permaneceu respirando por aparelhos na UTI do Tesouro e do Fed – que o índice da produção agregada de valor e de mais-valia no 1º e 2º trimestres de 2022 permanece rigorosamente no mesmo nível do 4º trimestre de 2019. Não foi para frente nem para trás. O desabamento da produção só pode ser evitado com uma inacreditável reutilização da capacidade instalada do ciclo anterior 2009/2019, atingindo neste 2º trimestre 2022 um elevado (e insustentável) teto de 80% da capacidade instalada. O problema é que esta capacidade não apresentou (nem poderia apresentar) neste período de estado de coma uma simultânea expansão ampliada. Sua taxa de acumulação permaneceu inalterada. O fogo da acumulação se desvanece. O canário na mina de carvão pode ainda não estar morto, mas provavelmente está lutando para respirar.
Com a ducha fria da queda dos lucros e da correspondente deflação dos preços de produção dos principais ramos industriais, os próprios congestionamentos da logística de suprimentos e desabastecimento globais ocorridos no primeiro semestre deste ano começam a girar a chave, a ficar mais suaves.
O desabastecimento como característica de uma crise geral é um assunto muito mais sério do que imagina a vã economia política. O que se observa agora é que os problemas de logística não ocorrem mais devido a uma imprecisa “interrupção das cadeias de fornecimento”. São outros os ventos contrários do mercado. Como se relata nos recentes comunicados das industrias ao mercado.
“A aceleração dos ventos contrários do mercado no terceiro trimestre impactou negativamente a demanda na maioria dos mercados finais, o que deve resultar em menores volumes de embarque”, disse a US Steel na quinta-feira em seu comunicado mais detalhado sobre o negócio em anos. “Os problemas da cadeia de suprimentos nos mercados finais automotivos e de eletrodomésticos continuam, enquanto os contêineres e embalagens não são mais problema e os compradores de centros de serviços permanecem à margem.”
A Nucor Corp. a maior siderúrgica dos EUA também soou na quarta-feira (14) o alarme de que os embarques do metal-chave serão reduzidos durante o trimestre atual. Mais tarde naquele dia, a Alcoa alertou seus proprietários-acionistas sobre uma forte retração nos resultados dos lucros, informando que os preços das matérias-primas permanecem “teimosamente altos”, “mesmo que os preços dos metais continuem caindo”.
“As condições podem se deteriorar ainda mais nos próximos meses”, declara também Subramaniam, da FedEx. E informa que sua empresa tomará medidas imediatas para reduzir custos, incluindo estacionamento de algumas aeronaves, redução de horas de trabalho e fechamento de mais de 90 de seus cerca de 2200 escritórios espalhados pelo mundo.
Estas notícias do que está acontecendo concretamente com os preços e os lucros dos maiores ramos e empresas do mundo são uma indicação concreta de que as economias dos EUA e do mundo estão na realidade mais do que desacelerando. Estão como programadas para parar. É justamente no centro deste redemoinho planetário estão os fundamentos das atuais variações dos preços de mercado e das taxas de juros. Os preços de mercado e as taxas de juros são expressões ou variáveis dependentes dos preços de produção e da taxa geral de lucro.
Na última semana, essas notícias apavorantes das condições materiais do ciclo, destacadas de maneira especial pelo comunicado da FedEx, caíram como balde de água gelada naquela narrativa corrente do Fed e dos homens do mercado de que a nova política de combate da inflação com aumento dos juros, enxugamento do easy money e do crédito privado não provocará uma fulminante e incontrolável interrupção da respiração e da circulação do capital.
Nesta terça-feira (20) o comitê de política monetária do Fed inicia sua aguardada reunião, para terminar quinta-feira, para decidir os novos passos do seu combate à inflação. Particularmente em quantos pontos percentuais será elevada a atual taxa básica de juros do banco central do planeta.
Até a divulgação pelo Departamento do Trabalho (BLS), uma semana atrás, de que a taxa de inflação de agosto continua resistente e com leve tendência de alta – ao contrário das expectativas dos economistas – o mercado precificava uma elevação de 0.75 pontos na taxa de juros a ser decidida na reunião do Fed que se inicia hoje.
Depois do relatório do BLS, muita gente começou a precificar 100 pontos percentuais. Mais 1%, grosso modo. Seria uma demonstração mais espetacular de musculatura do Fed para garantir ao mercado que ele está disposto a enfrentar valentemente esta terrível inimiga chamada inflação
Seguem as ordens de seu chefe, Joe Biden, em crise profunda de impopularidade. Em entrevista ao programa “60 Minutes” da CBS, transmitido neste domingo (18), o caquético presidente da maior potência econômica e militar do planeta declara – com cara de quem nem ele mesmo acredita no que está dizendo – que a economia vai alcançar a chamada “aterrissagem suave”, já que, segundo ele, “o Fed aumenta as taxas de juros para esfriar os aumentos de preços”.
Esta inépcia teórica não é exclusividade dele. É comum a todos os economistas do capital. Logo todos eles terão uma surpreendente revelação dialética. Quanto mais os preços esfriarem, e de fato devem esfriar nos próximos trimestres, mais a economia se aproximará de um formidável crash global.
Quanto avançará a retirada dos inúteis aparelhos que serviram para manter a economia respirando, mas que agora não têm mais nenhuma serventia? Wall Street e todos os capitalistas do mundo estão tremendo na base. Tudo é incerto.
Todos os economistas, traders, burocratas de todas as plumagens e demais parasitas do mundo não estão mais tão confiantes em um final suave para tudo isso. Nem aqui nem na China. O ruído que cresce e que mais se ouve nestes últimos dias em Wall Street é o seguinte: se a valentia do Fed e de Biden for levada até as últimas consequências não será a mesma coisa que jogar a água suja da bacia de banho pela janela do 10º andar com a criancinha junto?
Certamente sim. Mas eles não conseguem responder – nem um cara inteligente como Jerome Powell não consegue – por que antes eles teriam que responder o seguinte: será que os bancos centrais e departamentos do Tesouro do mundo ainda têm alguma munição efetiva para disparar contra a elevação dos preços de mercado e, ao mesmo tempo, remediar a catastrófica deflação dos preços de produção?
Quanto mais rápida e mais completa for essa retirada dos respiradores e limpeza da UTI do capital, mais generalizadas serão as sombrias perspectivas de desabamento real da economia mundial que começam a pipocar em centenas de relatórios dos diretores da indústria global para seus amedrontados proprietários privados todos os meios de produção e reprodução da espécie humana.
Talvez as decisões tomadas na reunião do Fed que se inicia nesta terça-feira contribua efetivamente para revelar um pouco mais da natureza e o provável desenlace revolucionário dessa pendenga toda. Estaremos de olho em todos os detalhes.
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