sábado, abril 27, 2024
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Donald “Clausewitz” Trump: a guerra comercial é a continuação do comércio por outros meios

Pode ser difícil de concordar, mas a política é um assunto que apresenta certa racionalidade. Na geopolítica, principalmente. Isso é muito importante. Na racionalidade de decisões atuais de realpolitik das grandes potências pode-se antever fatos relevantes com forças geradoras de um cenário bastante provável de crescentes confrontos econômicos e seu corolário: nova guerra mundial.

Querem um exemplo econômico que pode levar a uma nova guerra mundial? Simples. Outra guerra. Uma guerra comercial entre as potências imperialistas reunidas no Grupo dos Sete (G7) – EUA, Alemanha, Japão, França, Inglaterra, Itália e Canadá. Alguém duvida disso?

Parafraseando livremente Clausewitz, a guerra comercial é a continuação do comércio por outros meios. Pois é exatamente a gestação dessa guerra comercial entre as potências que avança a passos largos nos últimos meses. E pode até se mostrar com mais clareza para o grande público, nesta semana, em uma bucólica província canadense.

Os EUA, a maior potência econômica e militar do planeta, está indo para um confronto com seus coadjuvantes aliados imperialistas em uma cúpula do G7 nesta semana, nas cercanias da cidade de Quebec, Canadá.

A União Europeia e o próprio anfitrião da cúpula ameaçam medidas retaliatórias no comércio com os EUA, a menos que este último inverta o curso sobre novas taxas protecionistas de aço e alumínio, decretadas pelo seu presidente na semana passada.

As tarifas sobre as importações de diversos metais – aço, alumínio, etc. – impostas à União Europeia e ao Canadá são a ação mais recente da escalada dos EUA na frente comercial que já inquieta os mercados financeiros há meses – o que levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a alertar sobre uma guerra comercial que poderia causar a mais ampla escalada protecionista global do período do pós-guerra.

A China corre por fora do exclusivo clube do G7. Mas totalmente por dentro desta explosiva agenda protecionista que pode incendiar o comércio internacional.

Enquanto os Estados Unidos e a China relataram algum progresso nas discussões neste fim de semana, na capital chinesa, sobre como reduzir o superávit comercial de US $ 375 bilhões da China com os EUA, a reviravolta do governo dos EUA, na semana passada, de um plano para reduzir as tarifas de US $ 50 bilhões das importações chinesas transformou as negociações em tumulto.

“Se os EUA lançarem medidas comerciais, incluindo tarifas, todos os acordos alcançados nas negociações não terão efeito”, informou neste domingo (03) a agência de notícias estatal Xinhua, citando um comunicado da equipe chinesa que se reuniu com uma delegação dos EUA liderada pelo Departamento de Comércio. Secretário Wilbur Ross.

Em outra nota, nesta segunda-feira (04), o jornal China Economic Net , do governo de Pequim, também insiste que, apesar de continuar abertas as negociações para resolver a disputa, a China adverte que não cumprirá os compromissos comerciais assumidos se o governo dos EUA não retirar ameaças de imposição de tarifas ao país asiático. Ainda segundo a nota, embora a China não queira uma escalada nas tensões comerciais, ela defenderá seus interesses nacionais.

Ainda nesta semana, poderia haver um recuo de Washington nas duras ameaças de tarifas protecionistas endereçadas aos seus aliados. É o que estes últimos ainda acreditam que possa acontecer. Caso contrário, uma guerra comercial torna-se inevitável. Os dirigentes do G7 temem essa possibilidade, mas não têm nenhuma ideia clara de suas proporções. Muito menos de suas consequências.

“Ainda temos alguns dias para evitar uma escalada. Ainda temos alguns dias para tomar as medidas necessárias para evitar uma guerra comercial entre a UE e os EUA”, disse o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, após uma reunião de ministros das finanças do G-7 e governadores de bancos centrais em Whistler, British Columbia.

Le Maire abriu as portas para negociações sobre as tarifas dos EUA, mas disse que a bola está com Trump. “Queremos evitar uma guerra comercial”, disse ele. “Mas tudo está pronto.”

A Casa Branca parece não se incomodar nem um pouco com ameaças dos aliados. Mais lamurias do que ameaças reais. Larry Kudlow, principal assessor econômico de Donald Trump, disse que a culpa por qualquer escalada é dos parceiros comerciais dos EUA.

Trump reforçou essa peremptória mensagem de seu assessor econômico nesta segunda-feira (04) de manhã, tuitando que a China e o Canadá têm barreiras inaceitáveis contra as importações agrícolas. “Os EUA fizeram acordos comerciais tão ruins durante tantos anos que só podemos ganhar” tuitou o comunicativo presidente dos EUA.

Segundo a Bloomberg News, essa disputa comercial desencadeou uma das maiores crises do G-7 desde a formação do grupo. Em uma rara reprimenda de uma nação-membro, chefes de finanças do G-7 disseram que as exigências protecionistas dos EUA poderiam “minar o comércio aberto e a confiança na economia global”.

A forma com que o problema é colocado pelos dirigentes europeus e chineses – e todas as demais nações ameaçadas pela escalada protecionista do governo estadunidense – esconde o que está em sua base real. Seu conteúdo racional.

Por isso as ações comerciais e geopolíticas do governo estadunidense são apresentadas como absolutamente irracionais por governos e mídia global. Como “coisas do maluco Donald Trump”. “Se fosse outro presidente seria diferente”. Assim, esperam por uma divinal providência de mudança de governo ou, melhor ainda, de seu inacreditável presidente.

Fariam melhor esses agentes do entretenimento ideológico se pensassem mais nas coisas reais e menos em álibis para sua própria alienação. No seu discurso lacrimoso esses governos fieis a Washington não consideram em nenhum momento qual perspectiva econômica real que poderia levar a um inevitável fechamento das fronteiras comerciais e escalada protecionista internacional. Não só dos EUA.

Os estrategistas e dirigentes de Washington, ao contrário, consideram o cenário altamente provável (e não muito distante) de um choque catastrófico no horizonte da atual fase de expansão da economia mundial.

São as inevitáveis consequências ou pressões sociais (internas) e geopolíticas (externas) deste cenário de economia de guerra que levam o governo dos EUA a se antecipar a elas com uma nova política externa aparentemente sem nenhuma racionalidade ou puramente voluntariosa de um maluco presidente da república.

Entretanto, o objetivo de todas as medidas protecionistas e de interesse unicamente nacional dos EUA é estabelecer desde agora a capacidade do seu Estado nacional para resistir àquelas turbulências internas e externas que já batem à sua porta. Antes do que todo mundo acabará fazendo.

Neste sentido, apenas neste sentido, agem racionalmente. E demonstram, assim, mesmo que não intencionalmente, como a política pode apresentar certa racionalidade. Como forma prática da política de se contrapor à irracionalidade inerente ao sistema capitalista.

Ressalte-se, finalmente, para que não paire nenhuma suspeita moral sobre quem ousa apenas esclarecer os fatos, que a racionalidade nunca está do lado bem ou do mal. Ela apenas passeia com toda autonomia do mundo pelas frestas da irracional e catastrófica civilização.