terça-feira, outubro 29, 2024
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Os argentinos estão com medo

O medo voltou à Argentina. A população, principalmente a mais pobre, tenta não acreditar que uma nova catástrofe econômica esteja prestes a cair sobre o país. Acontece que, desde meados dos anos 1970, todas as crises cambiais e financeiras ocorridas na Argentina (não foram poucas) acabaram mais cedo ou mais tarde em grandes catástrofes econômicas. E nunca foram os “estancieros” que as pagaram.

Terminamos nosso boletim anterior falando exatamente da ocorrência de uma crise cambial e financeira nas últimas semanas na praça de Buenos Aires. Verificamos agora que o problema é mais grave do que se imaginava.

Pelo protocolo de explicações dos economistas e mídia do sistema a origem estaria em possível elevação da taxa básica de juros do Banco Central dos EUA (Fed). Haveria então uma forte debandada dos fluxos financeiros da periferia de volta para os EUA.

Em resumo: mudanças repentinas no exterior teriam causado desvalorizações cambiais selvagens em algumas grandes economias periféricas, como a argentina, com elevada divida em dólar (interna e externamente), queima das reservas internacionais e diminuição das garantias de pagamento das importações, vencimentos de dívidas, etc. Os fantasmas da moratória e do FMI (não se sabe qual é mais ameaçador) ressurgem na Argentina.

Pode-se concordar com esses possíveis resultados que resultarão das atuais turbulências monetárias na Argentina, mas não com as causas apontadas no protocolo oficial dos capitalistas e sua mídia.

A atual crise monetária que se abate sobre a terceira maior economia ao sul do Rio Grande não se deve apenas a um impreciso e altamente exagerado “novo cenário internacional”. Deve-se, em sua origem e em seus desdobramentos, aos cenários internos criados pelos próprios capitalistas e pela política econômica ultra liberal do seu governo na Casa Rosada.

O que a burguesia argentina e seu governo pró-mercado deveriam explicar seriamente é por que a vulnerabilidade da Argentina às turbulências rotineiras do capital financeiro internacional antecipa-se de maneira muito mais aguda que nas demais economias periféricas. Mais agudamente ainda que na Turquia, outra grande periférica também abalroada nos últimos dias por uma crise cambial e monetária.

Mesmo uma breve observação da economia argentina já mostra que essa particular vulnerabilidade argentina atual a choques externos deve-se claramente ao que o governo do liberal Maurício Macri fez internamente nos dois últimos anos. Tudo de acordo com o figurino do FMI e de Wall Street.

Ajustes fiscais visando redução das despesas correntes (sociais) e abertura incondicional do mercado interno para os traiçoeiros fluxos internacionais do capital real (mercadorias) e do capital fictício (portador de juros).

A economia de Macri veste-se com a política do imperialismo. E ressuscita os antigos fantasmas da dolarização selvagem que levou o país, em 2000/2002, à mais catastrófica crise econômica de sua história.

Essa política econômica suicida de Macri corresponde exatamente à ação da burguesia imperialista argentina de aprofundar um projeto que Cristina Kirchner não teve capacidade política de realizar: tornar definitivamente a Argentina em uma imensa zona franca no comércio internacional de mercadorias e escancarar as portas da pátria financeira para os abutres da globalização.

A Casa Rosada voltou a ser a Casa da Mãe Joana. Onde todo mundo entra e sai sem pedir licença. Com mais liberalidade ainda que nas temidas eras de Martínez de Hoz, Menem, Cavallo e outros dolarizadores da pátria financeira.

Junto com a sinistra tentativa política de anistiar todos os assassinos militares da ditadura dos anos 1970/80 ainda presos – tentativa imediatamente repelida pela população – a primeira medida econômica de impacto do governo Macri foi pagar quase US$ 10 bilhões para os fondos buitre

Esta última delinquência lesa pátria ele conseguiu. E nos dois anos seguintes teve a autorização do sistema financeiro internacional para mergulhar livremente em uma desbragada prostituição econômica de endividamento externo e interno, em dólares. Uma aventura que agora bate à porta e cobra a conta.

Alguns números dessa pajelança liberal. Algumas consultorias internacionais calculam que o déficit fiscal nominal (incluindo pagamento de juros) na era Macri já supera ingovernáveis 10% do PIB.

O problema maior, entretanto, é o irmão gêmeo deste déficit fiscal. Trata-se do déficit em conta corrente, quer dizer, o saldo líquido altamente deficitário do comércio exterior e dos juros sobre a dívida pública.

Esse crônico saldo negativo é altamente corrosivo sobre a economia real. Equivale a 5% do PIB, isto é, US 30 bilhões por ano. O déficit comercial do país com os exterior saltou de US$ 2,123 bilhões em 2016 para 8,471 bilhões em 2017.

Ate agora, a escalada deste déficit gêmeo (fiscal e conta corrente) é financiada com aumento exponencial das dívidas públicas internas e externas. A Argentina voltou a ficar refém do financiamento externo. Atrelada a uma exponencial entrada de empréstimos externos.

Parte crescente dos títulos da dívida interna do governo ( as conhecidas Lebac) também é indexada ao dólar. Diferentemente do que ocorre no Brasil, por exemplo, o financiamento do déficit público argentino tornou-se largamente (e perigosamente) dolarizado nos dois últimos anos.

Isso gerou uma armadilha difícil de ser desarmada. Em seu governo, Macri aumentou em US$ 100 bilhões a dívida externa do país, que agora alcança aproximadamente US$ 342 bilhões (60% do PIB).

Desde janeiro de 2016, o país se tornou no maior emissor de bônus de dívida externa da América Latina. Essa magnitude de gigantescos números não é o mais importante, mas o automatismo da sua irreversível e acelerada expansão.

O financiamento das dívidas públicas argentinas se retroalimenta com o pagamento de juros cada vez mais elevados. Até o mês de abril 2018, já eram fortes as pressões por juros mais elevados na renovação da dívida publica interna. A cada 35 dias, os vencimentos dos títulos (las Lebacs) ocorriam a taxas superiores a 20% ao ano, o que aumentava a quantidade de papéis a serem renovados.

Foi essa deterioração das contas públicas que provocou nova elevação da inflação e, finalmente, a corrida ao dólar. Para estancar a saída de dólares da economia, o Banco Central da Argentina ofereceu aos dolarizadores crescentes taxas básicas de juros. Em meados de Abril, estavam a 27,25% ao ano. No dia 27 foram a 30,25%. No dia 3 de Maio a 33,25%. E no dia 4, finalmente, a 40% ao ano.

A crise estava instalada. Tentou-se evitar a qualquer custo o espectro do retorno das temidas crises financeiras do passado. Foi exatamente em nome desse princípio que Maurício Macri, presidente da Argentina, justificou o pedido de socorro que ele acabara de fazer ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Isso nos permitirá enfrentar o novo cenário internacional e evitar uma crise como aquelas que nos confrontamos no curso de nossa história”, explicou sem muita convicção o presidente (autor do estrago) em pronunciamento na televisão.

Depois que a vaca foi pro brejo o almofadinha promete evitar uma fatalidade histórica que parece acontecer só com os argentinos. Macri é o garoto mimado não só dos abutres de Wall Street, mas também do governo estadunidense e, consequentemente, do FMI.

Foi prontamente atendido com um crédito de US$ 30 bilhões de dólares. Com aquelas condições já conhecidas, of course.

Este anúncio de socorro do FMI e do governo de Donald Trump, amigo pessoal de Macri, não foi suficiente para estancar a sangria. O peso argentino caiu 6,9% na sexta-feira (11), para um nível recorde de 24,99 por dólar. O declínio no ano alcançava 26%, o pior nos mercados da periferia do sistema. O banco central ofereceu US$ 5 bilhões a 25 dólares na abertura das negociações às 10 horas.

Na reabertura dos mercados, na segunda-feira, a sangria continuou. O dólar subiu mais 7% no dia. Atingiu novo recorde de 25,52 pesos.

Os homens do mercado seguem sem vislumbrar um teto para a taxa de câmbio e o volume de compras de dólar segue em níveis elevadíssimos.

Neste exato momento em que encerramos este boletim (terça-feira, 15) a situação continuava a mesma. E acontecendo uma coisa muito importante para sinalizar uma possível estabilidade na situação ou, ao contrário, um descontrole ainda mais preocupante.

O banco central está promovendo um leilão para renovação de US30 bilhões de títulos (las Lebac), que vencem na data de hoje. A Argentina não terá problemas com o leilão, disse o ministro das Finanças, Luís Caputo, em Buenos Aires, na segunda-feira.

A Argentina prende a respiração. Se o banco central não as renovar completamente – o que significa emitir mais moeda primária para se absorver também o que se paga por juros aos detentores dos títulos- sobrarão pesos em circulação que serão utilizados para comprar mais dólares.

Em outras palavras, o Sr. Luís Caputo e o BCRA deverão convencer os distintos abutres detentores de US$ 30 bilhões de Lebac a voltar a emprestar seu dinheiro ao governo e não sair a comprar dólares. Caso não consigam, o que é mais provável, a moeda nacional argentina ficará em vias de desaparecer. Novamente!

A tensão está posta com a renovação das Lebac no dia de hoje. O medo aumenta na Argentina. Depois de muito tempo, os argentinos voltam a ter a sensação que uma nova e grande catástrofe está à espreita na próxima esquina. Os vivos ainda são comandados pelos mortos.

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