Lenin gostava de repetir uma conhecida pergunta: qual a diferença entre um banqueiro e um ladrão de banco? E respondia na bucha: “o ladrão rouba um banco, o banqueiro funda um banco”.
Poucos anos mais tarde, em “A ópera dos três vinténs”, Brecht coloca a mesma pergunta de maneira mais elaborada: “o que é roubar um banco comparado com fundá-lo”?
Nem Lenin, nem Brecht, foram os primeiros a formular essa pergunta e sua invariável resposta. O mais importante, entretanto, é que até hoje ninguém conseguiu contestá-los. Ao contrário. O que aconteceu depois apenas comprova mais claramente as conclusões dos dois revolucionários acerca do assunto.
A gravidade da nefasta atuação dos bancos em todo o mundo só aumentou. Principalmente quando o que se funda é um banco mundial. Naquele início de século 20 de Lenin e Brecht ainda não existia essa coisa que foi gerada com o nome de Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e acabou sendo conhecida como Banco Mundial.
Essa coisa esdrúxula só foi fundada em 1945, junto com o FMI, etc., no bojo do chamado Acordo de Breton Woods – aquela série de regras e instituições delineadas e impostas pelos EUA às demais nações do mundo destruídas pelas bombas e outros impactos da 2ª Grande Guerra Mundial.
No início, o BIRD foi importante agente dos EUA para enquadrar as grandes potências europeias e Japão às necessidades de escoamento das mercadorias produzidas pelas suas grandes empresas e para consolidar sua liderança tecnológica no mercado mundial.
Através do BIRD, o governo estadunidense financiou, com montanhas de dólares, a nova moeda de reserva-padrão mundial, o novo “ouro” do mercado mundial, a reconstrução europeia ocidental e Japão do pós-guerra. E suas empresas inundaram o mundo com seus bens de consumo e, principalmente, bens de capital. Dentre estes últimos, os estratégicos bens de destruição, tão bem equacionados teoricamente por Rosa de Luxemburgo.
Essa foi a base para a montagem da ordem econômica e geopolítica internacional do pós-guerra. Até hoje, Alemanha e Japão ainda correm na rabeira do sistema monetário e industrial mundial centralizado pelos EUA. Continuam produtores marginais de armamentos e, portanto, anões na ordem geopolítica mundial.
Gigantescas bases militares norte-americanas ainda permanecem ostensivamente presentes no interior dos territórios de Alemanha e Japão.
Para os ideólogos da ordem, professores e estudantes de relações internacionais, isso é perfeitamente normal. A maior base militar estadunidense no coração de Berlim é uma coisa neutra para eles. A grande tarefa destes e outros bem treinados despachantes do imperialismo é negar na ideia (e executar na prática) a plena vigência da economia do imperialismo e a próxima guerra mundial.
Potencialmente, esse monopólio ianque na produção de armamentos (seguido muito de longe pelos russos) só poderia ser quebrado e efetivamente superado na esteira de uma nova grande depressão econômica mundial (estilo 1930) e nova grande guerra mundial (estilo 1939/1945).
Toda a atual ordem econômica e geopolítica mundial assenta-se neste inevitável processo de economia do imperialismo e nova guerra mundial. Rosa vive!
Quando o BIRD mudou de nome para Banco Mundial ele mudou também seu foco. Da concluída reconstrução econômica das potências derrotadas na grande guerra imperialista para a fiscalização neocolonialista e de travamento do desenvolvimento (não confundir com crescimento) das economias dominadas da periferia do sistema. Da reconstrução para a destruição, do desenvolvimento para o subdesenvolvimento.
Depois da reconstrução no hemisfério norte o próprio sistema bancário privado estadunidense andou com suas próprias pernas e ocupou o espaço e o papel de emergência do BIRD. Com o mercado do eurodólar (depois o mercado dos petrodólares) abre-se a novíssima etapa da desregulamentação financeira, da privatização e, finalmente, a chamada globalização financeira.
Para expandir, trocando o Estado pelo livre mercado, o sistema fica exposto a crescentes instabilidades e incertezas. Isso faz parte da história dos dias atuais.
No caso das economias dominadas, além de pequenos volumes de financiamento para obras de infraestrutura (energia, transporte, saneamento, etc.), o rebatizado Banco Mundial continuou agindo e aumentando cada vez mais a descarada interferência política nas decisões da administração nativa em todas as áreas do Estado: econômicas, políticas, sociais, culturais, educacionais, jurídicas, etc.
Junto com outras instituições burocráticas imperialistas (FMI, OMC, UNCTAD, OCDE, Unesco, etc.) estabelece uma absurda governança neocolonial nos negócios e na vida social das economias dominadas da periferia.
Vejam, por exemplo, suas últimas escaramuças na trôpega administração do caos de Temer et caterva. Acaba de ser noticiado, nesta semana, com estardalhaço pelo governo, mídia e economistas do sistema, “novíssimas” medidas salvadoras do Banco Mundial para o Brasil.
Tudo contido em um documento chamado pomposamente de “Um ajuste justo – a proposta para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”. Esse “estudo” foi encomendado (e pago, off course) pelo governo brasileiro.
Mas sabem quem coordenou o dito cujo? O nefasto Joaquim Levy, de triste lembrança, um engenheiro com pós-graduação em finanças públicas, que começou como funcionário do Banco Bradesco e acabou diretor do Banco Mundial.
Notas de destaque em seu currículo: indicado pelos banqueiros para ser, em 2007, secretário da Fazenda do governo Sérgio Cabral no Rio de Janeiro. Antes, tinha sido secretário do Tesouro do governo Lula da Silva. Aqui ele começou sua meteórica carreira.
Veja como o portal Terra noticiava a posse do referido senhor no governo Cabral, em 1º de Janeiro de 2007: “ Levy aplica ortodoxia econômica ao governo do Rio. O novo secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, apresentou nesta segunda-feira as primeiras medidas do choque de gestão do governo de Sérgio Cabral Filho, que terá como palavra de ordem redução de custos. O corte de despesas atingirá desde a concessão de bolsas de estudo a funcionários e tetos para contas de telefone até o trancamento dos cofres estaduais para os municípios por um prazo de 120 dias, conforme decreto publicado nesta segunda-feira.”
Depois de servir a Cabral, Joaquim Levy voltou para Brasília, para ser ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff. Com esta última, formou a dupla mais desastrada da história econômica brasileira. Aplicaram zelosamente no governo federal os mesmos diagnósticos e remédios aplicados no governo de Sérgio Cabral.
Deu nisto que se vive hoje na economia, agora de maneira ampliada. Meirelles e Temer não fazem nada mais do que continuar a sua obra. As receitas para a política econômica do atual governo continuam exatamente as mesmas de Levy e Rousseff. Continuam sendo rigorosamente cumpridas.
Com todas essas laureadas credenciais de notável administrador do ajuste, quando Levy perdeu seu emprego em Brasília, os banqueiros o enviaram para Washington para ocupar o seu atual cargo de diretor do Banco Mundial. Prêmio de consolação por bons serviços prestados.
Nesta semana ele ressurgiu no planalto central. De novo como salvador da pátria financeira. Ressurge como o notável coordenador deste “estudo” apresentado ao governo brasileiro – cujos diagnósticos e receitas não passam de uma panaceia requentada de tudo que ele diagnosticava e receitava quando esteve nos governos Lula, Cabral e Rousseff.
A direção do Banco Mundial é toda ela composta de gente como Joaquim Levy. Para defender o parasitismo imperialista na periferia do sistema, um bando de economistas e outros oportunistas – recrutados nas miseráveis América Latina, África e Ásia – são treinados para cometer os piores delitos teóricos e, principalmente, ideológicos. Treinados para matar. A destruição real não pode parar.
É por isso que não vale a pena repetir seus nauseantes e totalmente equivocados diagnósticos sobre as causas da crise econômica brasileira. Basta ler algumas passagens para ficar sabendo de todo o conteúdo do “estudo”.
Começando pela apresentação das receitas a serem implantadas pelas burguesias cucarachas da periferia. Para implantar políticas que favoreçam unicamente os parasitas do sistema, a direção do Banco Mundial usa invariavelmente a justificativa que essas receitas de desenvolvimento econômico são formuladas para ajudar os pobres.
Quer dizer, o que é bom para os banqueiros é bom para os pobres. A grande mídia nacional vibra com essa brilhante iniciativa de “diminuição das desigualdades”.
Nas áreas da educação, por exemplo, veja o que eles estão propondo para os pobres neste recente “estudo”. Tudo em nome da “equidade e justiça social”. Reproduzimos abaixo algumas passagens de matéria publicada no portal da revista Exame, na data de hoje (23/11/2007):
“Banco Mundial sugere fim do ensino superior gratuito no Brasil. Para cortar gastos sem prejudicar os mais pobres, o governo deveria acabar com a gratuidade do ensino superior. Essa é uma das sugestões apresentadas no relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, elaborado pelo Banco Mundial… Se as escolas do ensino fundamental e médio atingissem o nível das melhores do sistema, o desempenho na prova do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb) subiria 40% para o nível fundamental e 18% no médio. No entanto, aponta o relatório, o Brasil gasta perto de R$ 56 bilhões a mais do que seria necessário para ter o atual desempenho. A principal proposta para enxugar gastos nessas esferas é aumentar a quantidade de alunos por professor. O estudo diz que a quantidade de estudantes está caindo devido à redução das taxas de natalidade, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A proposta é não repor os professores que deixam o sistema. Só com isso, a economia seria de R$ 22 bilhões…
Saúde Enquanto no ensino fundamental a nova realidade do crescimento demográfico está esvaziando salas, nos postos de saúde a tendência é contrária: a demanda por atendimento aumenta devido ao envelhecimento da população. Também nesse caso, o estudo sugere soluções para ajudar a reduzir os gastos que, segundo o banco, não trariam prejuízo ao atendimento. Se todo o sistema atingisse o nível das unidades mais eficientes, poderiam ser economizados R$ 22 bilhões. Entre as propostas, está o fechamento de hospitais de pequeno porte, que custam proporcionalmente mais do que os grandes, se for considerado o valor por atendimento prestado. O relatório sugere também o fortalecimento do atendimento primário que filtraria os casos mais complexos para enviar aos hospitais. E que o atendimento dos casos mais simples possa ser feito por profissionais de saúde não médicos, deixando-os liberados para os casos mais complexos”.
Para o governo economizar cada vez mais recursos públicos para pagar os maiores juros do mundo a receita é muito simples: destrua-se, dentre outras inutilidades, a educação e a saúde públicas e universais. E isso não é apenas uma ideia.
A coisa vai muito além da ideologia. Toda essa arquitetura da destruição formulada por burocratas delinquentes da pior espécie é apresentada desde ontem por toda a grande mídia imperialista no país como uma benção e uma necessidade de execução imediata.
O que acontece atualmente no Brasil é uma coisa muito séria. Para salvar a propriedade privada capitalista a qualquer custo, as classes dominantes do imperialismo no Brasil decidiram não recuar em suas reformas. Não em nome dos banqueiros, apenas, mas de toda a burguesia e demais parasitas do sistema.
Não há meio termo. O tempo do meio termo está esgotado. Trata-se agora de ir em frente e reduzir os rendimentos e as condições de vida da classe trabalhadora (90% da população nacional) aos níveis de Haiti, China, México, Bangladesh, Índia, Vietnã, África do Sul e outros párias do sistema.
Não tenham dúvida. As classes dominantes da indústria, comércio, agronegócio, sistema financeiro, bancos, proprietários fundiários agrícolas e urbanos, e todos os demais parasitas do sistema imperialista, estão realmente decididos a promover e pagar para ver uma hecatombe social no país.
Isso tem um custo. E esse é o verdadeiro problema. O problema a ser equacionado é a natureza e a dimensão do custo dessa decisão de agir de classes totalmente impotentes e apodrecidas pelo processo histórico de exploração capitalista e neocolonial no país.
O que se pode antecipar com segurança é que o custo da implantação dessa arquitetura da destruição imperialista no Brasil será necessariamente cobrado dos seus responsáveis. Com juros e correção revolucionária.
O custo disso que eles estão fazendo a sangue frio será o agravamento da sua atual ingovernabilidade, a eclosão da guerra civil e, finalmente, a possibilidade de revolução.
O mais importante é que o desdobramento irreversível deste processo terá repercussões profundas e imediatas na luta de classes em toda a América do Sul.
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