quinta-feira, outubro 31, 2024
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O Inevitável Fracasso da Atual Política Econômica Brasileira

A atual política econômica da burguesia brasileira padece de um claro defeito genético. É tecnicamente equivocada na forma de combater os desequilíbrios das contas públicas que ela mesma se propõe a resolver. Não se trata aqui de lamúrias morais de se condenar os ataques sobre os mais pobres, aumento da miséria, etc. – essas coisas perfeitamente rotineiras no regime capitalista. Esses ataques de pauperização absoluta da população são permanentes em qualquer país do atual mundo capitalista. E o problema que queremos tratar não diz respeito às desigualdades sociais e nem à mera repartição do produto.

Acontece que a ênfase do governo brasileiro em cortar apenas despesas correntes – saúde, educação e outras áreas sociais – além de direitos de aposentados e assalariados, etc., são quantitativamente insignificantes, em termos macroeconômicos, capitalistas, para o ajuste fiscal que os técnicos da protoburguesia brasileira procuram implementar. Apenas matar mais pobres do que eles estão acostumados não vai reequilibrar suas contas públicas. Só vai agravar.

A única política econômica capazde promover quantidades significativas e suficientes de economias para a recuperação da produção e, consequentemente, o reequilíbrio das contas públicas brasileiras em curto período de tempo (isso é importante) é uma decidida eutanásia dos rentistas. Quase metade dos gastos públicos destina-se ao pagamento de juros e amortização da dívida bruta da União. Como esse danoso parasitismo poderia ser cortado? Em primeiríssimo lugar, concentrar os cortes sobre as despesas financeiras, via profundo corte da taxa básica de juros (Selic). Cada corte de 2 pontos percentuais nesta última equivaleria anualmente, em termos relativos, a um ano das economias geradas pela PEC 55. Essa soma relativa de economias geradas pela simples redução de 2% da Selic leva em conta a soma de recursos gerada diretamente pela diminuição do gasto com juros e, indiretamente, pelo aumento das receitas fiscais da decorrente e imediata elevação do nível de atividade da economia. Outra vantagem da redução dos juros em lugar do teto de gastos sociais é que a primeira economizará recursos fiscais imediatamente e o congelamento dos gastos de despesas sociais correntes só fará efeito (se fizer, o que é altamente imprevisível) no médio e longo prazo. A redução dos juros não precisa nem passar pela volúvel e cada vez mais cara “base aliada” do Congresso.

É esse tipo de política econômica ativa de redução das taxas de juro – e concomitante aumento das despesas públicas com investimentos em obras de infraestrutura, etc. – que ocorre atualmente no resto do mundo, principalmente nas economias centrais. Sem desiquilibrar as contas públicas e, muito menos, provocar inflação.  Importante: não há nenhuma justificativa técnica – a não ser política, claro – para essa modalidade inteligente de política monetária não ser aplicada também no Brasil. Essa profilaxia financeira do setor público, que verificamos com a hipótese acima de redução da Selic, destravaria no país os circuitos de crédito e levaria a uma recuperação, mesmo que pequena, mas positiva, da produção industrial e do produto nacional (PIB). É a expansão da economia que, aumentando as receitas fiscais, possibilita a redução do déficit público. E não o contrário. Travar o crescimento econômico – via elevada taxa básica de juro – para reduzir o déficit público provoca inevitavelmente a sua elevação. É isso que ocorre com a atual política econômica brasileira, iniciada com Levy e Barbosa (governo Dilma) e meramente continuada com Meireles (governo Temer). Mudam as moscas mas a moeda continua a mesma.

As taxas básicas próximas de zero, ou mesmo abaixo, em termos reais, nos EUA, Europa, Japão e demais economias com moeda conversível (moeda forte) ocorrem devido à profunda deflação que toma conta do mercado mundial. Essa deflação mundial dos preços enfraquece a produção industrial das diversas economias nacionais e reduz como nunca, nos últimos setenta anos, valor e volume de mercadorias trocadas no comércio internacional.

Essa deflação globaljá aparece concretamente também no Brasil. Não apenas nos preços de exportação e de importação, como também, de maneira mais do que visível, nos índices de preços de produção (ou de atacado). É esse movimento que impacta também nos índices de preços ao consumidor (IPCA). É por isso que este último está em rápida queda neste ano. Deve fechar o ano próximo de 7% e cair para as proximidades de 4% no próximo ano. A Crítica da Economia foi a primeira a antecipar essa forte tendência de queda da inflação no Brasil. Vide, dentre outras nossas publicações a respeito, nosso boletim semanal de Maio deste ano que justifica teórica e praticamente aquela nossa previsão.

É exatamente neste forte movimento de queda da inflação no Brasil que nos defrontamos agora com um dos maiores crimes da política macroeconômica brasileira. Enquanto o Banco Central do Brasil mantém a taxa nominal de juros de 14% praticamente congelada nos últimos 24 meses – a taxa mais elevada do mundo –– a taxa de inflação já caiu mais de 3% em 2016. Isso quer dizer que a taxa real de juros (taxa nominal menos taxa de inflação) subiu absurdos 3% neste ano. No final do ano passado essa taxa era de aproximadamente 4%, neste final de 2016 já alcança 7%. Isso é inimaginável em qualquer lugar do mundo. Uma imensa jabuticaba, só dá no Brasil. É um disparate econômico (teórico e prático) principalmente no atual quadro deflacionário global.

O atual presidente do Banco Central do Brasil, Sr. Ilan Goldfajn, responsável pela definição do nível da Selic é um dos donos do Banco Itaú. Foi nomeado para este cargo para defender não só os interesses do seu banco, mas os de todos os parasitas do país. O faz da maneira mais dissimulada possível. Ao mesmo tempo em que, com a maior cara de pau do mundo, se vangloria da rápida queda da inflação – como se isso fosse obra da sua eficientíssima política monetária, afirmando que no próximo ano ela deve convergir para a meta da inflação do governo de 4.5% – o Sr. Goldfajn não dá nenhuma indicação de quando vai rebaixar significativamente a super lucrativa taxa básica de juros real com a qual seu banco e os demais trinta milhões de parasitas da nação país (e de outros tantos do exterior, off course) extorquem diariamente da dívida pública e entesouram em seus cofres privados.

Afinal, as maiores taxas de juros do mundo (nominais e reais) só poderiam ser justificadas em uma conjuntura de forte elevação da inflação, grave crise cambial, etc. Como vimos, nada disso está ocorrendo. Muito pelo contrário. Mas o diretor do Banco Itaú, quer dizer, do Banco Central, diz em repetidas entrevistas coletivas que só vai pensar nesta possibilidade de reduzir mais intensamente a Selic depois que o Congresso nacional aprovar a PEC 55 (também conhecida como a PEC da morte) de congelamento real das despesas correntes por vinte anos, a reforma da Previdência de redução dos direitos e congelamento radical dos benefícios correntes e, pasme-se, a reforma trabalhista de enxugamento geral dos direitos trabalhistas – jornada legal de trabalho, acordo coletivo, indenizações, férias, 13º salário, FGTS, etc.

Quer dizer: o Sr. Goldfajn se utiliza da sua suja política monetária para chantagear a nação a aceitar as criminosas “reformas necessárias”. Ao mesmo tempo, sempre mui dissimuladamente, ganha mais tempo para garantir os crescentes lucros extraordinários da taxa real de juros para sua inútil empresa privada e toda a sua classe burguesa de trinta milhões de parasitas que vivem dos rendimentos dos títulos do Tesouro.

Resumo da tragédia: o problema desta insana política econômica brasileira não é apenas o fato que ela é tecnicamente impotente para reequilibrar as contas públicas. Na verdade ela é o próprio motivo para torná-las ainda mais desiquilibradas, na medida em que, via Banco Central, ela comete o crime lesa pátria de manter congelada por mais de dois anos a maior taxa básica de juros do mundo enquanto a taxa de inflação cai com enorme rapidez. Essa criminosa política econômica – iniciada, em janeiro de 2015, pelo deposto governo Dilma Rousseff, e continuada ipsis litteris pelo atual governo Michel Temer – é o principal determinante de outro inglório título mundial da protoburguesia brasileira: ter criado desnecessariamente a maior crise econômica (produção) no mundo nos dois últimos anos. Pelo menos no G-20, que reúne as 20 maiores economias do mundo.

O resto do mundo ainda está se segurando. Aqui não para de afundar. Na América do Sul o Brasil não está sozinho. A mesma política econômica e a mesma depressão econômica ocorre também na Argentina de Macri, até recentemente a grande esperança de sucesso do diktat imperialista na América Latina. Em sua posse no governo argentino, há um ano, era apresentado e louvado pela mídia global imperialista e brasileira como o mago da administração empresarial – de técnicos, não de políticos populistas, dizem eles – que mostraria como funciona bem o milagre da austeridade e das “reformas necessárias” para reequilibrar as contas públicas, recuperar a confiança dos capitalistas, os investimentos, e retomar altas taxas de crescimento da economia. Menos de um ano depois ninguém mais acredita, nem na Argentina nem no exterior, que a milagrosa administração empresarial de Macri produza algum resultado positivo realmente importante. Até a banda de música da mídia global já recolheu seus instrumentos. A brasileira, então, nem se fala.

Os capitalistas argentinos olham para a fracassada austeridade imperialista de Macri com a mesma preocupação com que seus colegas brasileiros olham para os mais recentes indicadores da economia de Temer. Terríveis indicadores. Do mesmo modo que na Argentina de Macri, todas as promessas de recuperação da economia do atual governo brasileiro também estão sendo desmentidas pelos fatos. Os últimos números oficialmente divulgados demonstram que no próximo ano a situação da economia brasileira estará pior que o inferno atual. Essa perspectiva aumenta brutalmente a ingovernabilidade burguesa.

A mais importante reflexão frente ao atual quadro econômico e político de Brasil e Argentina é que nenhum governo no mundo jamais se sustentou por muito tempo só com parasitismo econômico e repressão policial para impor aos trabalhadores desemprego, redução dos salários, perdas de direitos e destruição do sonho de conhecimento e liberdade da juventude proletária. Muito menos na Argentina e no Brasil será possível mais essa agressão sem que ela irrompa imediatamente em ingovernabilidade e guerra civil. Diferentemente de países da periferia europeia (Portugal, Grécia, Espanha, etc.), que ainda sofrem com os resultados de processos liberais de austeridade econômica, nas duas maiores economias da América do Sul as populações já se encontram há muito tempo esgotadas pela fome e o desespero social e não têm mais nenhuma “gordura” para queimar. Vide as explosões sociais no Rio de Janeiro nesta semana. Mas esse é um assunto que merece ser continuado com cuidado especial, o que faremos em um próximo post.