Buenos Aires, noite de quarta (23). Barak Obama, presidente dos EUA, e Mora Godoy, dançarina de tango profissional, dançam tango, ao som de “Por Duas Cabezas”, de Gardel. A desajeitada performance durou pouco mais de 30 segundos, mas foi o suficiente para ecoar em todo o mundo. A direita argentina do novo presidente Maurício Macri adorou. Mas nos EUA houve críticas. Ninguém achou graça de o presidente estar a dançar alegremente pouco mais de 24 horas após os atentados em Bruxelas. Na terça (22), críticas já haviam surgido quando Obama assistiu (também alegremente) a um jogo de beisebol em Cuba, horas depois dos atentados na capital belga.
Obama respondeu que atentados não podem paralisar as sociedades. É o que pensa com naturalidade o dirigente máximo do maior Estado terrorista do mundo, acostumado a cometer atentados quotidianamente em todos os cantos do globo. Mas, pelo menos neste caso de Bruxelas (como no de Paris, no final do ano passado) os dirigentes europeus pensam diferente do festivo presidente. Mais do que isso. Estão extremamente preocupados com a demora de Washington e Telavive desmontarem o Estado Islâmico, sua criatura que vive seus últimos dias na guerra da Síria. O problema é que enquanto esta moribunda criatura sofre sucessivas derrotas dos exércitos russos, iranianos e sírios – na data de ontem, por exemplo, os soldados de Assad retomaram completamente a histórica cidade de Palmira – ela continua tão ativa como antes nas capitais europeias.
Esses estranhos atos de terrorismo de Estado (norte-americano e israelense, claro) ilustram bem quais potências imperialistas mais ganham ou mais perdem com a atual desestruturação do velho tabuleiro geopolítico no Oriente Médio. A Alemanha não tem nenhuma dúvida a respeito. Na quarta, 23, mandou urgente para Moscou seu ministro das relações exteriores, Frank-Walter Steinmeier, para conversações com Wladimir Putin e Sergei Lavrov.
No dia seguinte, quem desembarcou em Moscou foi o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, para ficar até sexta-feira em conversações com Lavrov e Putin. Antes de tudo, entretanto, reuniu-se com Herr Steinmeier, na embaixada da Alemanha, a poucos metros do Kremlin. Todas as conversações giram em torno principalmente da atual situação na Síria e Oriente Médio em geral.
A Rússia tornou-se recentemente o poder diplomático moderador máximo entre os EUA e as potências decadentes da velha Europa. E no próprio campo de batalha do Oriente Médio, onde ela deu o rumo para a vitória de Assad e as negociações de paz em Genebra. Tudo isso com o beneplácito nem um pouco explícito dos EUA. É por isso que Herr Steinmeier primeiro beijou as mãos de Putin, só depois as de Kerry. Moscou certamente aproveitará essas frenéticas conversações para avançar ainda mais suas condições para a solução da questão ucraniana e outras pendengas menores. Será o preço a ser pago pela Alemanha para continuar recebendo os bons serviços de Putin para enfrentar os graves desequilíbrios políticos gerados no velho continente pela migração em massa de refugiados das guerras no Oriente Médio, terrorismo de Estado, etc.
A América Latina não é nem um pouco importante nesta quente desordem geopolítica mundial. A Europa e Ásia centralizam os grandes embates. É por isso que John Kerry, o principal responsável pela estratégia e decisões das relações internacionais dos EUA, não se preocupou em acompanhar Obama na viagem a Buenos Aires. Tinha coisas mais importantes para tratar. Mas isso não quer dizer que a América do Sul não tenha apresentado recentemente, também, uma ameaça à governabilidade imperialista neste território de caça de Washington.
Depois de encerrada a viagem de Obama à Argentina, falaremos especificamente desse quintal norte-americano. Apenas algumas poucas palavras introdutórias. Quando Obama visita a Argentina ele olha para o Brasil. E se preocupa. Como dizia ingenuamente o antigo presidente Richard Nixon, dos EUA, na época da guerra-fria, “para onde for o Brasil vai a América do Sul”. Continua valendo, muito depois de encerrada aquela época, fato ilustrado pela visita de Obama a Cuba. Em Brasília residem os novos focos de ameaças e incertezas à “segurança hemisférica”, termo recorrente nos comunicados conjuntos de Obama e Macri. Por isso que um olhar mais atento nos quinze segundos em que Obama bailou com Mora Godoy nos salões da Casa Rosada perceberá que enquanto ela dava passos precisos de tango os dele eram muito próximos de um promissor sambista carioca.