domingo, abril 28, 2024
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Baby Kim Jong-un, bombas e Moranbong Band desafiam o tradicional tabuleiro de alianças da Ásia

Nem só seguidas ameaças de bombas (reais ou fictícias) dão o tom da diplomacia de Baby Kim Jong-un, líder da Coréia do Norte. Também a espetacular Moranbong Band, uma girl’s band formada por simpaticíssimas garotas da periferia da capital Pyongyang contribui com sua parte. Elas foram diretamente escolhidas e empresariadas por Baby Kim para concorrer com as populares bandas de K-pop das primas da Coréia do Sul. Tudo no devido figurino das precursoras spice girls: saltos finos e altos, minissaia padrão, potentes baterias, guitarras elétricas, teclado Roland Fanton (japonês, claro), workstation, sintetizadores e outros babados da juventude pop suburbana da civilização globalizada. O fato é que essa história de uma “muito bem sucedida” explosão da primeira bomba de hidrogênio coreana, como anunciada por Baby Kim na última quarta-feira, 6, se mistura com a pop patriótica Moranbong cantando sucessos como “Rumo a Batalha Decisiva” e outras musculosas demonstrações de força militar. E no meio dessa história uma China enfraquecida e cada vez mais preocupada com a real estratégia do seu tradicional aliado.

Depois do anúncio da explosão da bomba de hidrogênio, as atenções do mundo se voltaram para a China. Como sempre acontece quando o assunto é conter alguma aventura nuclear do regime de Pyongyang. Mas desta vez o que mais apareceu foi que alguma coisa está mudando no que era ou aparentava ser, até pouco tempo, uma sólida aliança. O que mais se comentava nesta semana é que as relações entre China e Coréia do Norte já conheceram dias melhores. O mais importante desse episódio da bomba de hidrogênio é que a antiga aliança está realmente dilacerada. E isso tem tudo a ver com as grandes manobras geopolíticas na imensa área do leste asiático.

Das várias interpretações que se fizeram nesta semana nas principais chancelarias do mundo, começando pelo Departamento de Estado dos EUA, ficou mais seguro se afirmar que a influência de Pequim junto da Coréia do Norte, um dos países mais isolados do mundo, está realmente enfraquecida. Segundo a AFP, a porta-voz do Ministério chinês de Negócios Estrangeiros, Hua Chunying, manifestou a “firme oposição” ao suposto ensaio nuclear, e exortou o governo coreano “a retomar seus compromissos de desnuclearização e abster-se de todas as ações que possam agravar a situação”. Além disso, o embaixador norte-coreano em Pequim foi convocado para ouvir um “protesto solene”.

Jogo de cena? Até pouco tempo atrás é o que se poderia imaginar como o mais provável. Mas ultimamente as coisas mudaram. Primeiro, na aparência do dia a dia da diplomacia. Os últimos anos foram claramente tempestuosos para as relações entre os dois países, de tal forma que até agora Baby Kim ainda não se encontrou com o presidente chinês, Xi Jinping, que tomou posse em 2013. E em um gesto muito simbólico, visitou a Coréia do Sul, supostamente a arqui-inimiga do Norte, em 2014. O clima seria desanuviado em Outubro passado, quando Pequim enviou alto representante a uma parada militar em Pyongyang com uma missiva dirigida a Kim apresentando “os melhores cumprimentos” de Xi. Mas dois dias depois, a Coréia do Norte surpreendia Pequim ao declarar ao mundo que já tinha desenvolvido uma bomba de hidrogênio. A reação de Pequim foi imediata. Como? A Moranbong Band, que estava na capital chinesa para uma apresentação reservada aos dirigentes chineses, foi obrigada a voltar para a Coréia horas antes de o concerto começar. Ao invés de subirem ao palco, as simpáticas moças vestidas com casacos e chapéus militares apanharam o avião da Air Korio e voltaram para casa.

O jornal francês Le Monde recorda nesta semana a impaciente declaração do general chinês Wang Hongguang, um ano atrás: “Se a Coréia do Norte tem de se afundar, nem a China a salvará”. Diz ainda que “as extravagâncias do terceiro elemento da dinastia Kim são vistas como um fardo, numa altura em que o desenvolvimento das ambições estratégicas de Pequim, particularmente no Mar da China, provoca fortes atritos com seus vizinhos asiáticos”. E completa analisando que apesar de a China tentar aplicar reformas econômicas na Coreia do Norte seguindo seu próprio modelo, “Pyongyang tem-nas recebido como um desvio. O regime de Pyongyang, mais nacionalista do que socialista, desconfia da influência chinesa em sua economia”.

A análise do Le Monde é muito superficial, senão puramente especulativa. O problema da Coréia do Norte com a China é mais complexo. Envolve economia, geopolítica e geografia estrito senso. Resumidamente. Acontece que as atuais mudanças internas na economia norte-coreana (agricultura privada, dupla moeda oficial e informal dolarizada, liberdade de comércio da iniciativa privada, etc.) apontam muito mais para uma reunificação com a Coréia do Sul do que para a continuidade com a velha dependência energética e principalmente alimentar com a China. Embora causando atualmente também crescentes tensões internas no exército da Coréia do Norte essa possibilidade estratégica da reunificação das Coreias fica mais próxima na medida em que essas mesmas diversas frações inimigas no interior da ditadura de Pyongyang vislumbram uma grande derrocada econômica chinesa nos próximos anos, o que acenderia todos os estopins geopolíticos na Ásia. Para os coreanos do norte, quem deve afundar antes do que eles é a própria China.

Por outro lado, e não menos importante, interessa aos EUA, Japão e Coreia do Sul a reunificação para minimizar as consequências revolucionárias que advirão na área, na esteira da fortíssima ingovernabilidade e queda do regime que devem atingir proximamente a China. Esse é o fator geopolítico. Mas o grande trunfo de negociação dos generais reunidos em torno de Baby Kim para a reunificação, frente aos EUA e seu protetorado ao Sul, é a geografia. A reunificação política da península coreana abrirá, no Mar do Japão, um flanco territorial direto ao nordeste do território chinês. As forças imperialistas estariam diretamente posicionadas na fronteira continental da China, hoje isolada do mar exatamente pelo território da Coréia do Norte. Isso é inaceitável para Pequim.

De todo modo, não se deve estranhar que nos próximos meses, ao contrário de mais um monótono anúncio de nova explosão de uma imaginária bomba de hidrogênio, Baby Kim Jong-un anuncie com toda pompa e circunstância uma festiva turnê internacional da sua espetacular Moranbong Band. Começando por Seul, passando por Tóquio e desembarcando triunfalmente em Nova York.

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