terça-feira, outubro 29, 2024
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Mudanças na ordem mundial

por José Martins, da redação

O que existe de melhor na economia é que ela está sempre mudando. Um organismo vivo que se reinventa. Mas essas mudanças não são totalmente aleatórias, independentes das determinações do metabolismo interno do capital. O ciclo econômico é justamente a relação entre essas necessidades endógenas do processo de valorização (lucro) do capital, de um lado, que são constantes, e, de outro, suas variáveis formas históricas. Complicado? Um pouco. Mas talvez a coisa fique mais clara se verificarmos algumas importantes mudanças que estão a se manifestar na atual fase de expansão do capital global iniciada há dois anos, exatamente na virada do 2º para o 3º Trimestre de 2009.

 

1ª MUDANÇAProdução travada na periferia do sistema. Cada ciclo econômico tem sua história. Mas espera-se, apenas espera-se, não é uma regra rígida, que a recuperação econômica global iniciada no centro do sistema – G7, grupo das 7 maiores economias – arraste todas as economias do sistema para a expansão da produção industrial. Com diferentes intensidades, isso ocorreu nos últimos sessenta anos até o último ciclo periódico de 2003-2008. Até a Argentina, que afundara até as profundezas do inferno entre 2000-2002, foi resgatada pela fase de expansão global iniciada em 2002 no G-7.

Esse comportamento observado na maioria dos ciclos econômicos dos últimos cinqüenta anos não se repete na atual quadratura do ciclo: a forte recuperação na produção industrial no G-7 (com oscilações casuais, como no Japão, que analisamos anteriormente) não é acompanhada, desta vez, por uma sincronizada expansão na periferia do sistema.

Essa falta de sincronia é claramente verificada há mais tempo na periferia da União Européia, com os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) a se chafurdar na pocilga da recessão, do desemprego e falência do sistema de crédito público. Também está na base das revoltas políticas do norte da África e no Oriente Médio, nas crônicas desacelerações das pequenas economias montadoras e terceirizadas da Ásia, do leste europeu, das Américas, África negra, etc.

O mesmo travamento do capital começa a se mostrar de maneira mais clara nos chamados BRICs, os badalados grandes “emergentes” Brasil, Rússia, Índia e China. Até poucos meses atrás os BRICs eram considerados a nova locomotiva do crescimento mundial. Essa ilusão ainda é repetida por boa parte dos economistas, principalmente em países estranhos como o Brasil. Aqui, alcançou-se nos últimos anos quase o pleno emprego da força de trabalho. E do capital instalado – que registra atualmente uma obscena média próxima de 85 por cento de utilização da capacidade instalada!

Os limites do capital chegam antes na periferia. Agora, o governo brasileiro, do mesmo modo que o chinês, já está a induzir o “desaquecimento” da economia. A sangue frio. No segundo semestre de 2011 a economia brasileira já estará marcando taxas negativas de expansão do produto interno bruto. O governo declara publicamente que trabalha para isso. Embrionárias instabilidades políticas e sociais já começam a se manifestar. Tendem a aumentar.

Os BRICs vão logo fazer parte do mesmo bloco dos descartáveis da globalização, onde já estão Egito, Síria, Grécia, Portugal… Pedimos aos queridos leitores um pouco de paciência para iniciar uma análise mais particularizada da economia brasileira. Estamos próximos disso. Antes, devemos observar mais uma segunda e misteriosa mudança que está a se manifestar no atual período de expansão global iniciado em meados de 2009.

 

2ª MUDANÇAas fábricas globais voltam para o centro do sistema.  Se a primeira mudança (travamento da produção na periferia) é de caráter mais conjuntural, desdobra-se dentro da história do atual ciclo, a segunda é de caráter mais estrutural: foi desencadeada pelo gigantesco choque de superprodução ocorrido entre 2008 e 2009. Deve permanecer por um longo prazo e alterar a própria economia da globalização. O conhecimento desta segunda mudança é a chave para se entender a primeira, quer dizer, os atuais (e transitórios) limites da industrialização periférica.

A equação é simples: pode-se pensar na possibilidade de uma revoada de empresas industriais norte-americanas de países de baixos custos salariais (China, Brasil, etc.) de volta para casa? Estaria ocorrendo uma mudança muito rápida na economia da globalização, quer dizer, uma volta para o território dos EUA de grande parte de suas plantas industriais atualmente estacionadas nas economias dominadas da periferia?

É exatamente nesse “renascimento das manufaturas” dos EUA que analistas de porte e acima de qualquer suspeita no centro do império estão jogando suas fichas. Para eles não faltam evidências para se acreditar que os EUA tornam-se repentinamente uma alternativa mais vantajosa para investimentos em fábricas que os emergentes de baixo custo salarial.  Essa aposta, com argumentos muito bem fundamentados, podemos antecipar, merece ser destrinchada nos seus detalhes. É o que faremos no próximo boletim. Até lá!